A cada 300.000 anos, os pólos, norte sul, invertem-se.  O planeta vira literalmente ao contrário, invertendo as normas instituídas e criando novas perspectivas.

Por sorte, as mudanças sociais e culturais são bem mais céleres, tão rápidas como a que acabou de acontecer em 2019.

2019 foi um ano capital: forçou-nos a abraçar a urgência de uma economia diferente, radicalmente inclusiva e sustentável. É uma conversa sem precedentes, que está a ser tida a nível global.

Acabámos de entrar numa nova década, na qual parece que muitas das coisas que tomamos como garantidas têm de ser repensadas e reescritas.

O tradicional “norte” sócio-económico deixou de ser viável. A Economia Sustentável, sempre considerada uma economia de segunda, é a nova prioridade global.  Mas enquanto a nossa perspetiva se alterou, a visão sobre quais são os próximos passos permanece dúbia.

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Será? Mesmo? Ou é algo que dizemos a nós próprios, numa tentativa de comprar algum tempo enquanto pensamos em algo melhor?

Platão disse: “storytellers rule the world”. (“Aqueles que contam histórias lideram o mundo”)

Capturou, dessa forma, a nossa atenção para o facto de cada história ter o poder de moldar perspectivas, culturas e comportamentos. Por outras palavras, as histórias que contamos a nós próprios acabam por se tornar profecias auto-realizadas.

Por esta razão, se colocarmos um problema na forma de um desastre impossível de resolver, estamos a forçar o nosso cérebro a reagir a tal desafio da mesma forma que reagimos a qualquer outra coisa que achemos demasiado grande e difícil de resolver: fazemos um shut down ao nosso sistema nervoso, ignorando a situação.

É mesmo essa a história que queremos contar? Que novas histórias podemos criar?

Para ultrapassar estes desafios e criar uma nova realidade, economia e sociedade, que seja

baseada na inovação, inclusiva e sustentável, precisamos de histórias radicalmente diferentes e de novas formas de olhar para o que está a ser feito, sob pena de não avançarmos.

Precisamos de histórias que iluminem as nossas capacidades e o leque de oportunidades que temos pela frente, para lá dos nossos receios, que tornem esta década como a da reinvenção da nossa espécie e da sociedade em que esta se insere.

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Será que conseguimos imaginar e idealizar isso? Como é que podemos escrever essa história, juntos?

Walt Disney disse: “Se podes sonhar, podes fazer”. Olhemos então para algumas das histórias que podem moldar o nosso futuro:

  • Uma história de transição

Esta história reconhece a complexidade da problemática que aí vem, não assumindo, contudo, a sua impossibilidade. É uma história que não é só sobre fazer o bem mas, principalmente, como fazer menos mal. É uma história sobre recolher todo o nosso conhecimento sobre estratégias de transição e aplicá-las no nosso planeta.

Por vezes, quando debatemos as alterações climáticas, desigualdades e desafios sociais, focamo-nos naquilo que nós, e especialmente os nossos líderes, devem fazer para gerar mudança e fazer ‘o bem’. Eles (e nós) devíamos fazer a coisa certa.

Mas a teoria da transição é clara: não é só fazer o bem, é reduzir o mal.

No que diz respeito à estratégia de transição, definimos um certo limite temporal, definimos objetivos e não esperamos qualquer tipo de estabilidade entre o início e fim (o futuro).

Ao invés disso, esperamos transformação e constantes melhorias. Rapidamente identificamos e priorizamos aquilo que precisamos de deixar de fazer e, gradualmente, integramos novas iniciativas, na altura certa.

A História da Transição é uma história que nos convida a ver os anos à nossa frente como uma oportunidade para uma reinvenção radical, e a nos lembrar de dividi-la em etapas e não esperar que isso seja feito ou resolvido com uma grande ação.

É um lembrete de que as mudanças de direção abrupta normalmente quebram as coisas.

  • Uma história de interconectividade.

Esta história foca-se na nova perspectiva planet-first (“primeiro o planeta”) onde temos a oportunidade de abraçar para liderar as mudanças socioeconómicas tão necessárias.

É uma história que coloca um foco na natureza imaginária das nossas fronteiras, e na urgência em que sistemas mais repartidos consigam servir 100% do planeta e da sociedade.

Já alguma vez tentámos pensar como se nós próprios fossemos o planeta em si?

Nós somos um planeta. Um grande conglomerado de água, terra, gases e inúmeros outros materiais e espécies ​​que formam a realidade à nossa volta.

Pela perspectiva do Universo, as nossas fronteiras não existem. Da perspectiva do planeta, cada metro quadrado da Terra é inseparável de todo o resto, e é igual em importância e relevância. Para um ponto aleatório no espaço, qualquer ser vivo localizado em qualquer lugar nesta esfera verde-azulada faz parte e contribui para o bem-estar no planeta.

Uma perspectiva planet-first obriga-nos a colocar todos os seres vivos e todos os lugares da Terra ao mesmo nível em termos de importância.

Essa perspectiva faz-nos repensar a “naturalidade da desigualdade extrema” que estamos tão acostumados a aceitar como algo que não é possível mudar. Isso dá-nos a oportunidade de ver como a migração ou a mudança climática não se importa com a estas fronteiras imaginárias traçada pelos nossos ancestrais no solo, e com o que queremos fazer sobre isso.

A história da interconectividade convida-nos a olhar para o nosso planeta como um organismo que, exatamente como uma planta ou o nosso próprio corpo, exige que o 100%  das suas partes tenha os recursos básicos para prosperar ou então não viverá como um todo.

É uma narrativa que nos obriga a reconsiderar a concentração de valor, investimentos e serviços nos principais centros urbanos como uma prioridade que não podemos continuar a sustentar se queremos que um país inteiro e, esperançosamente, todo o planeta, prosperem e se regeneram para moldar um futuro radicalmente inclusivo e sustentável.

E, como essas histórias, existem muitas mais.

Então… e agora? O que fazemos com estas histórias?

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Querido Portugal,

Moro aqui há pouco mais de um ano, mas é tempo suficiente para ver que este país está numa posição única para escrever muitas dessas novas histórias – tanto para aqueles que moram aqui quanto para outros pelo mundo fora que procuram novas ideias e novas formas de fazer as coisas.

Vocês, enquanto país, re-escreveram a vossa história mais recente em menos de uma década, para os vossos cidadãos e para os olhos do mundo. O foco e a atenção que vocês estão a receber são o produto de decisões e políticas específicas criadas para mudar o status quo.

Talvez essa mentalidade seja exatamente aquilo que é necessário para traçar o novo caminho a seguir.

Talvez ser um “pequeno barco” torne muito mais fácil orientar o curso das coisas e, com uma bandeira verde-vermelha acenando na proa, marque uma direção para todos os outros.

Vamos a isso?

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Meg Pagani é uma empreendedora, speaker e strategist italiana. É a fundadora da Impacton.org, uma organização que trabalha na escalabilidade do impacto de modelos sustentáveis e comprovados, e é advisor de projetos focados na criação de uma sociedade 100% inclusiva e regenerativa. Entrou para os Global Shapers em 2016.