Recentemente tive a oportunidade de assistir ao documentário na Netflix, que recomendo, “Uma Vida no nosso Planeta”. É impactante. David Attemborough acompanhou uma transversalidade de gerações, sempre com um mensagem positiva sobre o nosso mundo e, neste seu último trabalho, depois de nos descrever o muito da biodiversidade que se tem perdido, deixa, ainda assim, uma mensagem de esperança e de possível retorno a um equilíbrio necessário entre o desenvolvimento e o ambiente.

Não sou um especialista em temas de energia e de ambiente, mas estou convicto que temos a obrigação, nas nossas escolhas pessoais e coletivas, de conhecer as melhores práticas para mitigar os efeitos da utilização desenfreada dos recursos do nosso planeta. Sem fundamentalismos, devemos ser responsáveis pela herança que queremos deixar aos nossos filhos e às gerações vindouras. É o mínimo.

A este propósito, sou um adepto da produção e utilização de energias de fonte renovável e penso que devem continuar a ser uma prioridade no sistema energético nacional. Com esta afirmação não me quero associar àqueles que no passado provocaram um aumento nos custos energéticos (défice tarifário), que ainda hoje pagamos, e que se preparam agora para mais uma “aventura” com o hidrogénio.

Estou certo que o hidrogénio, de fonte renovável, é mais uma energia importante e que contribuirá para a descarbonização da economia. Não questiono o seu mérito e a sua eficiência e compreendo que hoje, com o desenvolvimento da tecnologia e a redução dos custos na produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis (especialmente solar fotovoltaica), o hidrogénio seja, de facto, uma energia a explorar. O Governo recebeu 74 intenções de investimento na fileira industrial do hidrogénio, a propósito da manifestação de interesse para participação no futuro Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI) Hidrogénio. Isto prova que há interesse no mercado por este sector, o que são boas notícias.

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Se o tempo para iniciar esta discussão é agora, aliás no sentido do ímpeto lançado pela Presidente da Comissão Europeia no seu Green Deal, é no processo de condução do tema do hidrogénio pelo atual Governo que tudo parece seguir no caminho errado. Inclusive, logo na fase inicial, o processo já fragilizou um ministro e um secretário de Estado e ensombrou todo um sector que importava valorizar, porque é criador de riqueza e postos de trabalho.

Das 74 intenções apresentadas, no montante de 16 mil milhões de euros, o equivalente a 7,5% do PIB português, foram selecionados cerca de 34, numa novela que demonstra o resultado da falta de clareza nos pressupostos de avaliação e o incumprimento das elementares regras do Direito Administrativo. Instalada a dúvida, fica um emaranhado de nomes e empresas importantes para a economia nacional, envolvidas num assunto que merecia mais competência e transparência.

Este contexto vem dar razão aos que, desde o início, consideraram o hidrogénio verde uma “aventura”, com o financiamento através de subsídios públicos de projetos sem rentabilidade, usando tecnologias comercialmente pouco maduras, que voltarão a contribuir para o aumento dos preços no consumidor e onerar os contribuintes.

Para mim é claro que, quer na energia, como noutros sectores, os projetos devem servir fundamentalmente para reduzir custos de produção e, consequentemente, contribuir para a competitividade e o crescimento económico. Porém, a atual estratégia nacional para o hidrogénio não se encaminha neste sentido, muito pelo contrário, refere como justificação económica a substituição das importações de gás natural, pela produção local de hidrogénio verde, com um custo que será, pelo menos, o triplo do custo atual do gás. Isto é, sabemos à partida que o preço da energia para o consumidor final será mais elevado, ou que o contribuinte terá de pagar esta estratégia por via da carga fiscal.

Seria interessante utilizar o conhecimento de outras economias que tivessem colocado a produção de hidrogénio no centro das suas políticas energéticas, no entanto, nem os países mais desenvolvidos e mais empenhados nas estratégias de descarbonização deram ao hidrogénio tal destaque, talvez pelas incertezas que ainda persistem em termos tecnológicos, ou porque o futuro pode passar pela complementaridade e não pela substituição de energias. Observar o que os outros fazem não é sinal de fraqueza ou menoridade, pelo contrário, é ter mais um indicador para tomar decisões.

Mesmo do ponto de vista ambiental, é difícil encontrar uma justificação com mérito e como tal,  uma estratégia praticamente isolada (há três países com políticas ativas de hidrogénio) no espectro europeu terá um impacto quase nulo. Ainda assim, o hidrogénio verde é importante e por esse motivo devem ser apoiados projetos de investigação e desenvolvimento que permitam um melhor conhecimento da sua utilização, adaptação ao sistema nacional e de custos.

Aqui chegado e no atual momento social e económico, será uma ousadia continuar esta estratégia do hidrogénio verde, porque mais uma vez corremos o risco de repetir erros do passado, que ainda hoje têm um forte impacto negativo na nossa sociedade. Veremos o que aí vem, mas não tenho dúvidas, que quem assumir este risco estará daqui a alguns anos numa qualquer comissão de inquérito a responder por rendas excessivas!