Abrir os jornais da semana passada e deparar-me com a notícia que a TAP está em processo de privatização levantou em mim um misto de espanto, de vergonha alheia e de apreensão.

Há mais de 7 anos, enquanto secretário de Estado do XX Governo Constitucional, com a minha colega Isabel Castelo Branco, concluímos o processo de privatização da TAP. Um processo em que o Estado deixava de ter encargos, mas que obrigava o privado a regras claras: manutenção do HUB em Lisboa, remodelação da frota, capitalização da empresa em mais de 300 milhões de euros e não menos importante a garantia que a sede social da empresa se manteria em Portugal. Era um caminho que teria evitado muitos dissabores para colaboradores e clientes da empresa e claro, para os contribuintes portugueses.

Porém esta decisão, este caminho, esta solução sofreram um enorme revés. Qual D. Quixote, o Governo de António Costa, resolveu lutar contra os moinhos da privatização. Renacionalizou a TAP e bradou no ar bandeiras de demagogia, mascaradas de ideologia. A TAP é uma companhia de bandeira e tem de ser pública, argumentavam. O contributo da TAP para as exportações nacionais é insubstituível, acrescentavam.

Hoje a realidade bateu de frente com os dogmas ideológicos. Não assumiram o erro, mas as suas ações, este novo processo de privatização, demonstram a clara assunção da asneira.

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Depois de 7 anos, de 3 mil milhões de euros que saíram do bolso dos portugueses, depois de se perderem slots no aeroporto de Lisboa, depois de muitos funcionários serem votados ao desemprego, o Governo está e privatizar a TAP.

A ideologia justificou, a demagogia sustentou enquanto pode, mas, e como sempre, a realidade impôs-se. Se há marca maior deste último ano de Governo de António Costa é este evidente choque com a realidade.

A habitual Silly Season, é disso sinónimo, os tempos de acalmia de agosto, foram difíceis para o governo e infelizmente, vezes demais  dramáticos para o país. Os incêndios consumiram património natural como não havia memória. Milhares de hectares da frondosa Serra da Estrela resultaram em cinzas. A incapacidade de prevenir e de proteger foi iluminada pelas chamas. Enquanto bombeiros lutavam heroicamente para remediar aquilo que o Estado não preveniu, muito valor natural e económico nacional ardia.

Em paralelo, o Serviço Nacional de Saúde não conseguiu esconder mais as suas fragilidades. Serviços de urgência fechados, mais gritantes na obstetrícia, foram o resultado de um SNS gerido numa visão dogmática também ele, alegoricamente, quase que saído da pena de Cervantes.

As PPP’s na saúde foram um outro “moinho”, destruídas e transformando serviços de excelência em crassos exemplos de ineficiência. Sobrou a de Cascais, a realidade mais uma vez obrigou o governo a esquecer a narrativa. Não esqueçamos que hoje Portugal tem uma taxa de mortalidade 4 vezes superior à média europeia e que os portugueses são obrigados a recorrer ao serviço privado, não por escolha mas, por ser a única opção real. A ministra, não sobreviveu ao calor do Verão e o Primeiro Ministro dá também sinais de congelar a sua política, a realidade obriga-o a mudar e a indicar para ministro um Secreário de Estado do governo Sócrates, pai das PPP’s da saúde.

Mas setembro inicia com mais demagogia, engano e logro. Políticas de combate às consequências da inflação que pouco mais são do que propaganda. 125 euros para todos os que ganham até duas vezes o salário médio nacional, a assunção política de que somos um país de pobres. Uma antecipação agora do aumento legal das pensões, que significa afinal a perpetuação de um corte de 1000 milhões de euros de 2023 em diante. Um conjunto de medidas que sorriam simpáticas mas que rapidamente se expuseram cínicas e enganadoras.

É este o paradoxo atual do nosso país. Uma maioria absoluta que lentamente descobre que os seus monstros não são mais que moinhos, enquanto os portugueses que trabalham, ouvem fábulas que não os alimentam, nem que viessem da pena de Cervantes.