Estive uma semana em Cambridge a estudar e descobri logo como sou parecido com um príncipe. Então não é que percebi, pela leitura da literatura especializada, que o príncipe William também se baixa para falar com o “seu mais velho”. Ora, ainda o príncipe William não tinha o “seu mais velho” e já eu me baixava para falar com o meu. É certo que só comecei a fazê-lo depois de ter tentado todas as outras posições, desde deitado até em bicos de pés e, de facto, a posição que funciona melhor é de cócoras. Aliás, depois de se experimentar já não se quer outra coisa, até porque o que custa depois é levantar, com os joelhos todos a estalarem e a lembrarem-nos da ternura dos quarenta.
Todos os dias é o mesmo ritual. Quando chego a casa, abro a porta e faço o mesmo que Portugal faz quando chega à Europa: ponho-me de cócoras e sou deitado abaixo por quem manda lá em casa. O meu filho gosta tanto da sensação de deitar o pai ao chão, que me pede para eu entrar em casa várias vezes, numa espécie de bullying carinhoso, já que o golpe de jiu jitsu vem disfarçado de um abraço encantador. Ainda não pus o pé dentro de casa e já estou de rastos. Literalmente.
Até hoje pensava que esta coisa de me pôr de cócoras, para estar ao mesmo nível que o meu filho e conseguir conversar com ele, era uma coisa minha. Primeiro falava com ele de pé, mas como ele não me ouvia pensei que pudesse ter problemas de audição. Tendo em conta a diferença de alturas, foi então que, para não gritar, que pode traumatizar o menino, passei a falar com ele de cócoras. Eu pensava que era para ele me ouvir melhor, a mim, mas vejo agora, pelo que dizem os especialistas, que esta posição, chamada de “escuta ativa”, é boa é para nós o ouvirmos melhor a ele.
Já estou a imaginar todos os ministros das Finanças do Eurogrupo de cócoras à volta do nosso primeiro-ministro, para ouvirem melhor a fórmula que leva a que, com um aumento de despesas e diminuição de receitas, o défice melhore. E já estou a ver o representante do Eurogrupo a adotar a técnica pedagógica dos livros da especialidade e em vez de dizer “Não podes violar as regras da União Europeia, porque quem manda somos nós”, a dizer antes, com ar doce “Tu gostavas muito de violar as regras, não era? Estás com muita vontade. Olha, então vamos combinar uma coisa. Comes primeiro a sopa e depois já violas as regras, está bem?”.
Cá por casa, a técnica da audição de cócoras está a funcionar lindamente e talvez por isso eu agora saiba perfeitamente o que é que o “meu mais velho” quer, seja não comer o jantar, seja não ir tomar banho, seja não querer dormir. Mas será que ele, estando em pé, me ouve a mim?
Foi por isso mesmo que o príncipe William, que também é adepto de se colocar de cócoras perante o principezinho, levou um ralhete da avó rainha, que ficou com ciúmes por o príncipe estar de cócoras perante o principezinho e não perante ela, numa cerimónia oficial. Claro que o príncipe lá tentou explicar à avó rainha o que estava a fazer, mas como não lhe pediu para ela se pôr de cócoras – com medo que houvesse um brexit do colo do fémur, ali à frente de toda a gente – ela não percebeu por que diabo estava o príncipe de cócoras.
Esta semana vou iniciar uma nova técnica e vou pedir ao meu filho que se ponha ele de cócoras, em posição de escuta ativa, para me ouvir a mim. E tenho tanto para lhe dizer, meu Deus. A primeira coisa vai ser que, agora que usamos a mesma técnica pedagógica que o príncipe William usa em relação aos filhos dele, também quero um Range Rover igual ao dele, para os transportar. E ele que não me venha com a conversa do “Tu querias muito um Range Rover, não era? Gostas muito de jipes verdes com estofos beges, apesar de não viveres em Windsor, mas em Arroios, não é? Olha, então vamos combinar uma coisa…”
Tiago Duarte é advogado da PLMJ