O Brexit foi para mim um dos dois choques de 2016. O outro foi a eleição de Donald Trump como presidente dos EUA. Ainda em Julho desse ano recordei um belíssimo livro de Philip Roth, ‘The Plot Against America’, onde se ficciona a possibilidade de, em 1940, Charles Lindbergh ser eleito presidente norte-americano com uma agenda isolacionista. O livro é impressionante não só pela força narrativa de Roth, mas porque, publicado em 2004, relata algo semelhante ao que veio a acontecer em 2016. Quanto ao Brexit, este foi o meu outro choque desse ano porque o Reino Unido é uma referência de pensamento e de prática política, cultural e humanista e também porque as premissas foram as erradas. Podemos dizer que o Brexit se revelou um autêntico ‘tiro no pé’.
Estima-se que a saída dos britânicos da UE seja responsável por uma redução da economia do Reino Unido em grande escala. As implicações são enormes, com menos empregos, piores salários, redução do investimento, menor capacidade do Estado em cumprir as suas funções essenciais. E só me refiro às económicas, esqueço as políticas como a possibilidade da Escócia sair do Reino Unido. O cenário britânico é delicado e estranho num país que se tornou num exemplo de progresso desde dos mandatos de Margaret Thatcher.
Por estas razões fiquei surpreendido com o Relatório da Emigração 2021 apresentado na última quarta-feira. De acordo com este documento, cerca de 60 mil portugueses emigraram, dos quais 15 mil foram para o Reino Unido. Atenção que não me espantou a quantidade de portugueses que sairam de Portugal. Valor aproximado foi apresentado pelo mesmo relatório relativo a 2020. O que surpreende é o número de portugueses que foi para o Reino Unido, mesmo com os problemas que este país tem e com uma economia em quebra. E como os dados relativos ao Reino Unido não são falsos (os britânicos têm um sério problema para resolver) o certo é que são muitos os portugueses que preferem a crise britânica à portuguesa. Porquê? A conclusão que nos resta tirar é simplesmente esta: a crise em Portugal com o PS é pior que a britânica com o Brexit.
Torna-se, não digo importante, mas urgente que tomemos consciência deste facto extraordinário cada vez que olhamos com comiseração para o Reino Unido. É curioso que já o Estado Novo utilizava este truque de chamar a atenção para os problemas no estrangeiro com vista a tornar os nossos mais aceitáveis. Nessa altura não havia imprensa livre. Hoje a realidade é outra e não o justifica. A fuga de tantos e tantos portugueses é sinal de algo que não está bem entre nós e que a forma como falamos e olhamos para os outros se encontra desajustada.