Li diversos textos de jornalistas portugueses sobre as eleições francesas, tanto antes como depois dos resultados. Infelizmente, muitos colunistas (em Portugal e não só) apresentavam uma visão ligeiramente enviesada da situação: havia o Bom, o Mau e o Vilão. O “Bom” era, naturalmente, Macron e os seus candidatos da coligação Ensemble. O Mau, previsivelmente, era o Rassemblement National (RN), representante da temida extrema-direita, pronto a calçar botas de couro e a marchar sobre Paris, envergando fatos pretos Hugo Boss. O Vilão, neste caso, foi atribuído pela primeira vez à extrema-esquerda liderada pelo “tribuno” Mélenchon. Visão demasiada simplista, pois houve uma verdadeira transformação das ideologias políticas dos principais partidos nos últimos 10 anos. Já não vivemos nos anos 80, com o RPR de direita conservadora, a Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen, partido nacionalista, ultraconservadora, liberal economicamente, e um PS de centro-esquerda.
Assim, o RN já não é um partido de extrema-direita — se é que alguma vez o foi — nem sequer de direita radical, tendo progressivamente abandonado a sua vertente identitária, anti-UE e anti-imigração para moderar e limpar a sua imagem. Mesmo no plano económico, o RN apresenta um programa mais à esquerda do que alguns partidos socialistas europeus, podendo-se dizer que é tão ou mais à esquerda do que o PS em termos económicos (se tiverem dúvidas, consultem o programa no site). No programa do RN encontramos um Estado assistencialista, apoio às PME, proteccionismo económico, nos antípodas da visão ultraliberal da maioria dos partidos ditos “de direita” no Ocidente, mas também da maioria dos partidos supostamente de esquerda (incluindo o PS). Socialmente, a moderação levou o partido a abandonar a oposição ao aborto e ao casamento homossexual, e, geopoliticamente, já não pretende sair da UE, mas apenas reformá-la.
Os Republicanos (Les Républicains) estão em vias de desaparecer, reduzidos a um grupo restrito de notáveis que apenas desejam manter o “tacho”. O PS conseguiu uma recuperação que será certamente breve, encontrando-se ideologicamente vazio, ora adoptando uma visão “wokista” da sociedade, ora moderando o seu discurso para tentar recuperar parte do eleitorado perdido. Os Verdes e Ecologistas mantêm-se inalterados: pouca ecologia, muito marxismo e “wokismo”. A coligação Ensemble, do presidente Emmanuel Macron, continua a ser o que sempre foi: uma mistura de ultraliberalismo com esquerda “wokista” e uma pincelada de “arrogância burguesa” tipicamente característica da alta burguesia parisiense. Quanto ao partido LFI (La France Insoumise), anteriormente considerado de esquerda radical pela maioria dos politólogos franceses, deslizou cada vez mais para a extrema-esquerda anti-democrática, tornando-se, para alguns, um verdadeiro “perigo para a democracia”. Nunca condenaram abertamente os massacres de 7 de Outubro perpetrados pelo Hamas, mas falam em genocídio em Gaza. Organizaram várias manifestações frequentadas por islamistas. Os membros do LFI chegaram a insultar o cabeça de lista para as eleições europeias do Partido Socialista, Raphaël Glucksmann, filho de um conhecido jornalista francês de confissão judaica, que, por ser um acérrimo defensor do Estado de Israel, foi apelidado de “sionista” e “apoiante de genocidas” (o que não impediu Raphaël Glucksmann de se aliar ao LFI contra o suposto “perigo fascista”).
Eis a realidade política dos partidos que se apresentaram às eleições legislativas deste ano. Contudo, a situação é muito mais complexa. Quem quiser realmente compreender a situação política francesa — que é, de facto, preocupante — deve considerar o estado social em que se encontra a sociedade francesa. As transformações sofridas pelos partidos em França devem-se, em grande parte, às mudanças sociológicas e demográficas em curso, que levam certos líderes políticos a adaptar o seu discurso de forma oportunista e calculista, com o objectivo de alcançar o poder através do voto comunitário. Não se deixem enganar pelo espectáculo dos Jogos Olímpicos; existe uma fractura francesa que ameaça a própria existência do país. E a fractura política é apenas o reflexo da grave fractura social.
Das Trente Glorieuses às Trente Piteuses
Em 1997, o jornalista francês Nicolas Baverez escreveu um livro intitulado Les Trente Piteuses (As Trinta Lamentáveis), numa clara alusão à expressão Trente Glorieuses, que designa os 30 anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial, marcados por um boom demográfico, económico e tecnocientífico. Eis o que ele afirmava na introdução: “A França é hoje o homem doente de uma Europa decadente. À crise económica seguiram-se a crise social e, posteriormente, a crise institucional. Encerrada no desemprego estrutural em massa, no malthusianismo económico e na desregulação do seu sistema político, a França entrou novamente numa espiral de declínio comparável à dos anos 1930. Perante a aceleração da história desencadeada pelo pós-Guerra Fria e pela globalização, a sociedade francesa permaneceu estática. E às Trinta Gloriosas seguiram-se as Trinta Lamentáveis.” (Les Trente Piteuses, de Nicolas Baverez, Flammarion, 1997). Se, naquela época, Nicolas Baverez se referia principalmente ao estado económico (mas também à ciência, à tecnologia e às infra-estruturas), em 2024 surge uma nova problemática em França, para além das já mencionadas: o comunitarismo. A França já não é uma nação com um único povo; é, cada vez mais, um território habitado por vários povos que, parafraseando o antigo ministro do Interior Gérard Collomb, poderão acabar por se confrontar (a frase exacta era: Aujourd’hui on vit côte à côte… Je crains que demain on ne vive face à face). A imigração massiva que a França tem experienciado apenas agrava a problemática do comunitarismo. A crise política e a radicalização de uma parte da esquerda — com políticas cada vez mais focadas em identidades comunitárias — são apenas uma consequência da deplorável situação social francesa, e não a sua causa. A França mudou; o país está doente. Está doente socialmente, economicamente, politicamente, mas também em termos de segurança e identidade.
Economicamente, a França é o terceiro país da União Europeia em termos de endividamento, apenas atrás da Itália e da Grécia. Este facto faz com que uma das duas nações mais importantes da Europa, juntamente com a Alemanha, ambas fundadoras da União Europeia, não respeite as cláusulas do Tratado de Maastricht. Com efeito, uma das cláusulas do Tratado de Maastricht estipula que os países da zona euro não podem ter uma dívida que ultrapasse os 60% do Produto Interno Bruto (PIB) e que o défice anual deve ser inferior a 3%. Estes limites foram há muito ultrapassados, com a dívida francesa a alcançar 110% do PIB e o défice a situar-se em 5,7% no ano passado. A produtividade francesa tem vindo a diminuir ano após ano, e as estimativas apontam para mais um ano negativo no que toca à produtividade. A indústria francesa, outrora uma das mais poderosas do mundo durante as chamadas “Trinta Gloriosas”, tem sofrido imenso com a globalização ultraliberal. Muitas indústrias foram deslocalizadas, quando não foram simplesmente vendidas a grandes consórcios estrangeiros (muitos deles chineses, indianos e americanos), resultando em despedimentos em massa. Mesmo indústrias estratégicas de transformação, como a siderurgia, a metalurgia, a construção de maquinaria e a fabricação de veículos, foram sacrificadas em nome da globalização neoliberal. Os presidentes franceses sonhavam com uma economia de serviços. Durante a crise da Covid-19, surgiram milhares de artigos que analisavam este facto, constatando que o país não dispunha de uma indústria têxtil capaz de produzir máscaras, nem de uma indústria de construção de equipamentos hospitalares, e até a indústria farmacêutica se encontrava bastante debilitada.
Quanto à imigração, tema que foi considerado tabu até há pouco tempo, tem sido um dos mais debatidos recentemente em França, assim como o tema da identidade, que está estreitamente ligado à imigração e à segurança. A conclusão tem sido quase sempre a mesma: há um problema com a imigração em França. De facto, enquanto uma parte da esquerda continua a evitar abordar o tema e a acusar qualquer pessoa que o discuta de “racista” ou até de “nazi-fascista”, a realidade é que não são apenas os intelectuais, políticos e jornalistas associados à direita que levantam esta questão. À esquerda, começam a surgir vozes que tratam do assunto, como Michel Onfray, filósofo de esquerda (girondino), e Philippe Val, antigo director do jornal Charlie Hebdo. Muitos investigadores, políticos, intelectuais e académicos também apelam a um controlo das fronteiras e expressam preocupação com a situação migratória em França. A França recebe anualmente entre 500 mil e 600 mil pessoas — dependendo se contamos apenas os imigrantes legais ou ambos, legais e ilegais — sendo que uma grande parte destes imigrantes provém de países não ocidentais: Norte de África, África Subsaariana, Médio Oriente e Índia. Durante anos, a intelligentsia política afirmou que esta imigração criava riqueza e ajudaria a “pagar as nossas reformas”, mas os números oficiais desmentem tal afirmação. O investigador francês Jean-Paul Gourévitch estimou que a imigração em França custa muito mais do que aquilo que cria em riqueza, estimando o seu custo em 40 mil milhões de euros (fonte). Outros apresentam custos de 50, 60 ou 90 mil milhões. O investigador André Posokhow editou vários livros sobre o tema, estimando que o custo da imigração é muito negativo: a imigração teria um custo de 193 mil milhões de euros por ano (fonte). Segundo Posokhow, vários factores explicam este custo exorbitante. Em primeiro lugar, as ajudas sociais. Muitos imigrantes beneficiam da facilidade em obter ajudas sociais sem nunca terem contribuído para a segurança social. Certos imigrantes, oriundos de países onde é tradicional ter muitos filhos, conseguem receber quantias tão significativas que nem precisam trabalhar, especialmente se têm famílias numerosas com 5 ou 6 filhos. Há também um número crescente de famílias polígamas, onde um homem é oficialmente casado com uma mulher, mas tem outras três esposas que são registadas como mães solteiras e recebem ajudas exorbitantes da segurança social. Para além das ajudas sociais, temos também de ter em conta as fraudes sociais e a imigração ilegal. Por fim, as ajudas que as ONG pró-imigração e as associações de apoio aos imigrantes recebem do Estado também têm impacto.
Se o custo económico da imigração se tornou uma problemática significativa, outro aspecto importante é o custo identitário desta imigração. A imigração massiva provoca uma diluição cultural que ameaça a identidade francesa. Parte dos estrangeiros extra-europeus não pretende integrar-se, mas apenas beneficiar do nível de vida ocidental, continuando a viver de acordo com os costumes do seu país de origem. A imigração massiva de extra-europeus desafia não apenas o modelo social francês, mas também a cultura nacional gaulesa. Com a imigração massiva, surgiram problemas graves, como a islamização de certos bairros. As comunidades fecham-se em guetos voluntários. A explosão da criminalidade ocorre precisamente nos bairros transformados em guetos, onde famílias inteiras vivem à custa do crime e onde as obrigações “clânicas” confinam certos imigrantes — que gostariam de se integrar — a um ciclo de violência que os impede de escapar ao controlo do clã. Finalmente, a islamização e a criação de guetos voluntários aumentam o risco de radicalização. Em 2020, um estudo realizado junto de 2.000 mesquitas, infiltradas por jornalistas e investigadores, concluiu que nada menos do que 119 delas estavam sob controlo de salafistas fanáticos, um aumento de 50% em 10 anos (fonte). Um estudo do IFOP para o Instituto Montaigne revelou que, em 2016, 28% dos muçulmanos poderiam ser considerados ultraconservadores, ou seja, com uma visão religiosa radical. Destes, a maioria desejava a implementação da sharia em França. Segundo a investigadora Bergeaud-Blackler, é actualmente muito provável que, devido à forte propaganda dos salafistas junto a uma parte dos muçulmanos franceses, esta percentagem seja ainda maior. Outro jornalista, Étienne Delarcher, infiltrou-se durante 3 anos em 70 mesquitas diferentes (fazendo-se passar por muçulmano), todas elas consideradas “moderadas” pelo governo francês. A conclusão é preocupante: a maioria dos imãs é a favor da implementação da sharia em França e de punições corporais, como cortar as mãos dos ladrões (14 em 15 imãs a quem perguntou) ou espancar a mulher quando esta não respeita o marido (fonte).
Se a islamização de bairros, bem como a radicalização de uma parte dos muçulmanos, é motivo de grande preocupação, a criminalidade é outro tema amplamente debatido. Os dois maiores criminologistas franceses, Alain Bauer e Xavier Raufer, concordam quanto ao diagnóstico: a criminalidade e a violência explodiram em França. Segundo Alain Bauer, a violência em França ultrapassa em muito qualquer período do século XX e, infelizmente, o Estado francês tem ocultado a realidade. De acordo com ele, há… “(…) uma progressão inquestionável de um fenómeno. Paradoxalmente, as estatísticas de que dispomos em França são ao mesmo tempo parciais, fragmentadas e tendenciosas e, em todo o caso, feitas para dizer tudo menos a verdade. É um pouco como os indicadores de audiência, que se podem sempre manipular um pouco… (…) Em relação aos homicídios, percebe-se que há um retorno massivo da violência. Neste país, pelo menos desde a criação do registo civil, contamos muito bem os cadáveres. Constatamos que houve uma inversão de uma tendência muito longa. Matava-se cada vez menos. Não só isso nunca diminuiu, como até aumentou durante os períodos de confinamento, o que era inesperado (…) É um fenómeno de descivilização.” (fonte). Em Julho de 2024, foi publicado um artigo no Le Figaro que apresentava os números da criminalidade nos últimos 12 meses: 117.000 casos de violência e agressão sexual; 9.053 assaltos com utilização de armas de fogo; 259.290 roubos de veículos; 622.717 assaltos sem utilização de violência; e 1.114 homicídios (fonte). Em 2023, registou-se um aumento de 5% nos homicídios e de 13% nas tentativas de homicídio, bem como um aumento de 8% nas agressões sexuais, especialmente nas violações (fonte). Há cada vez mais casos de tiroteios em bairros de Paris, Lyon, Toulouse e Marselha, onde armas automáticas de calibre de guerra (AK-47, M16, FAMAS) são usadas por máfias cada vez mais violentas. Há bairros completamente dominados por máfias étnicas — argelinos, marroquinos, tunisinos, sírios, curdos, comorianos, congoleses, turcos, nigerianos — onde a polícia é recebida com pedras, petardos, foguetes e cocktails molotov; pouco falta para serem recebidos com tiros de AK-47. Esta triste realidade tem levado alguns franceses a emigrar para países considerados mais seguros, como os da Europa Central (Hungria, Polónia) ou mesmo para Portugal. Enquanto isso, o governo de Emmanuel Macron parece ignorar a situação. E nada parece indicar que a situação possa melhorar, bem pelo contrário.
A França tem um futuro?
Eis, em resumo, o estado em que se encontra a França: economia debilitada; indústria enfraquecida; infra-estruturas degradadas; criminalidade e violência cada vez mais descontroladas; imigração extra-europeia massiva; islamização; violência política e terrorismo; ensino cada vez mais fraco, com alunos semi-analfabetos incapazes de compreender um texto; constantes ataques à História nacional por parte da extrema-esquerda; identidade (local e nacional) a esvanecer pouco a pouco, com os jovens nativos a receberem como ensino escolar o ódio à sua cultura, aquilo a que o intelectual francês de direita radical Guillaume Faye chamava de “etno-masochismo”; aliança entre islamistas e extrema-esquerda; políticos de origem extra-europeia próximos de grupos islamistas ou que colaboram com governos estrangeiros; universidades em queda livre nos rankings, ocupadas por militantes de extrema-esquerda e islamistas; descristianização, que levou a uma perda de fé num futuro teleológico; fuga de cérebros; e, por fim, quebra da natalidade. Não é de admirar, um povo sem esperança no futuro não quer ter descendência. Este é o estado da França. É também a razão pela qual o RN foi o partido mais votado – contrariamente ao que foi apresentado pelos meios de comunicação, tendo alcançado 8.7 milhões de votos, ou 10 milhões se contarmos a aliança com os republicanos do Ciotti (contra 7 milhões para a Nova Frente Popular de esquerda e 6,3 milhões para os macronistas). Não é a figura de Marine Le Pen ou de Jordan Bardella que levou 10 milhões de franceses a votar no RN, nem o suposto “racismo” dos franceses nativos — um argumento tão pobre que quem o utiliza deveria ter vergonha. Não, os franceses que votaram no RN fizeram-no com a diminuta esperança de que o partido nacionalista pudesse reverter a situação de declínio que se faz sentir. Provavelmente, muitos acreditam que o RN falhará na tarefa, mas ao menos quiseram sentir que, por uma vez, as coisas poderiam mudar (sem grandes ilusões).
A sociedade francesa nunca esteve tão dividida. A crise económica tem sido cada vez mais ofuscada pelos debates sobre identidade e violência. Uma parte dos imigrantes extra-europeus e dos seus descendentes — filhos, netos e bisnetos — não pretende integrar-se. Mais preocupante ainda é o facto de que muitos desejam impor o seu modo de vida e religião (principalmente o Islão sunita) à sociedade francesa. Quanto à criminalidade, não vou afirmar que existe uma ligação directa entre esta e a imigração, pois não há estatísticas étnicas ou religiosas em França (ao contrário dos EUA e do Reino Unido). No entanto, há cada vez mais investigadores que estabelecem essa ligação, afirmando que, à medida que a imigração aumenta, a criminalidade também tende a aumentar, dado que a imigração traz consigo membros de gangues e máfias ultra-violentas (fonte) e que hoje em dia a parte de criminosos estrangeiros, a maioria deles africanos, é bem maior em termos de percentagem que a dos franceses (fonte).
Nem tudo é dramático: a França continua a ser um país rico, com um nível de vida bem superior ao de, por exemplo, Portugal. O país mantém algumas das melhores universidades do mundo, centros de investigação excelentes e cientistas de renome, vários dos quais venceram Prémios Nobel nas últimas duas décadas. A nível tecnológico e científico, o know-how francês continua a ser respeitado e procurado em todo o mundo, desde a tecnologia nuclear até aos caças Rafale. Contudo, a situação actual não augura nada de bom. Longe estão os dourados anos 60, em que a França tinha uma economia tão forte quanto a da Alemanha, um PIB per capita que rivalizava com o do Luxemburgo e da Suíça, o melhor sistema de saúde do mundo, segurança, uma das melhores universidades do mundo (Sorbonne), uma autonomia nuclear total e invenções tecnológicas como o TGV, o Concorde e o terceiro programa espacial (após o americano e o soviético). Não se trata de uma crise política num país rico, seguro do seu lugar no mundo, com uma sociedade pacífica. A polarização da sociedade francesa apela à necessidade de um governo forte, liderado por um líder inteligente e estável. Pequenos jogos políticos, como os de Macron, verdadeiro bluff de irresponsável, podem acabar muito mal. Não se trata de um jogo de poker, mas do destino de uma grande nação de 67 milhões de habitantes, dotada de armas nucleares.
Não posso deixar de pensar, enquanto escrevo estas linhas, que os males que afligem a França — a crise social, económica, identitária e a quebra demográfica — não serão apenas características daquele país. Será que em Portugal estamos melhor? E no Reino Unido? Poderão aquelas manifestações também ser causadas por esses mesmos problemas? E na Alemanha? A subida da AfD e o aumento do sentimento anti-imigração e anti-wokismo entre os jovens alemães não serão frutos destas situações? E nos EUA? A radicalização de uma parte da população não será também causada pelos mesmos males? Ao examinar com atenção, não posso deixar de afirmar que, de facto, é provável. Os mesmos infortúnios parecem afligir todo o Ocidente, de Seattle a Viena. Neste cenário, uma inquietação me assola, uma ideia que me tem perseguido há vários anos. Ao contemplar as nações que integram aquilo a que denominamos “Ocidente”, uma pergunta ressoa incessantemente na minha mente, uma questão para a qual ainda não encontro resposta: terá Oswald Spengler, afinal, tido razão?