O declínio dos meios de comunicação convencionais e a ascensão da importância, alcance e atenção das redes sociais fizeram aumentar a percepção de que vivemos hoje em sociedades fragmentadas e extremistas. Os resultados eleitorais das eleições francesas de 2022 e as últimas eleições nos EUA, e até as últimas eleições legislativas portuguesas com a ascensão da proposta extremista e populista do Chega, parecem confirmar esta tese.

Contudo devemos evitar cair na armadilha do “presentismo”. Na chamada “filosofia do tempo” esta mesma palavra é utilizada para a tese de que nem o passado nem o futuro têm existência real existindo apenas o presente. Nesta interpretação, contudo, o termo não tem este significado aludindo antes à ilusão de que vivemos um momento excepcional em que o que fazemos, nos acontece e de que somos vítimas é inédito e absolutamente sem precedentes. Ora neste contexto da fragmentação, de polarização das opiniões públicas e políticas e na sua tradução nas expressões de voto não estamos portanto perante um novo fenómeno mas perante uma reedição e actualização do mesmo ao mundo actual.

A intolerância pelo “Outro”, a criação e manutenção das nossas opiniões dentro da “bolha” do consenso e do nosso grupo é antiga e recua aos tempos em que se construíam comunidades de caçadores-recolectores (em guerra permanente com os grupos vizinhos como se observa ainda hoje nas sociedades ditas “primitivas” da Papua Nova Guiné) e foi intensificada com a invenção da imprensa e dos meios de comunicação de massas.

Devemos evitar as modas do presentismo e de sermos capazes de decidir e ver para além do imediato e do dia de hoje. É também preciso que a intolerância (que não é novidade dos dias de hoje) que está na base da actual e crescente fragmentação política que assola praticamente todo o mundo desenvolvido e que caminha para torna o país naquilo que na aldeia onde passava as minhas férias de verão, na década de 1970 e 1980, simbolizava a divisão pela via férrea do lado “rico” e do lado “pobre” de Ermidas do Sado: a “Itália” (rica) e a “Etiópia” (pobre). A fragmentação política, a desigualdade (apesar da sua recente diminuição), o “presentismo” das redes sociais intensificado pela perda de influência e capacidade da imprensa e da investigação jornalística aumentam esta intolerância pelo “outro”.

Assim como a divisão da aldeia de Ermidas do Sado simbolizava a desigualdade e a intolerância, a fragmentação política e social da actualidade representa um desafio que precisa ser enfrentado com medidas concretas e eficazes. Através do diálogo, da educação e do compromisso com a verdade, podemos construir pontes entre os diferentes grupos sociais e superar as barreiras que nos dividem. Assim o queiramos fazer e assim o queiram os decisores políticos.

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