Não difamei a Escola da Ponte nem o seu fundador. Num artigo publicado no Observador (12-06-2019) admiti que as teorias e práticas do Movimento da Escola Moderna, que porventura inspiraram José Pacheco e a sua escola, «ajudaram a combater o ensino elitista, magistral, teórico, confessional, misógino, empedernido e repressivo de outros tempos». E ainda que essas pedagogias «abraçaram extraordinários desígnios humanistas já incorporados nos sistemas educativos contemporâneos».
Disse, porém – e mantenho o que disse –, que, no atual sistema educativo português, parecem-me românticos e lunáticos os que asseveram conseguir aplicar «pedagogias construtivistas sistemáticas» e asseguram poder ofertar um «ensino lúdico e individualizado» a todos os alunos de todos os níveis e anos da escolaridade obrigatória, pelas razões que expliquei no artigo atrás citado. E, sim, reconheço que tenho dificuldades em imaginar, hoje, a viabilidade de uma escola sem divisão de ciclos de ensino, sem turmas, nem aulas, sem testes, nem reprovações, onde os alunos brincam a aprender e são felizes. Pelo que acompanho diversas críticas a esta visão idílica da educação feitas por personalidades tão diferentes como Gramsci, Karl Popper, Inger Enkvist, Daisy Christodoulou, Marçal Grilo, Carlos Fiolhais, Filomena Mónica, Nuno Crato, entre muitas outras.
Este meu «delito» de opinião levou o professor inclusivo José Pacheco a chamar-me ignorante e mentiroso outras coisas mais, no espaço dos comentários do leitor ao meu artigo do Observador, e depois a responder-me num texto ressentido publicado no mesmo jornal (17-06-2019).
Surpreende-me José Pacheco referir que anda meio mundo a dizer «tolices» e a alvitrar «alarvidades» sobre as ciências da educação. Ora, se tanta gente – onde se incluem também milhares de professores do ensino básico, secundário e superior, que, na mundividência de José Pacheco, ignoram o seu métier — persiste em apodar esta área do conhecimento de «ciências ocultas», não será porque a linguagem e as metodologias das ciências da educação tardam em demonstrar clareza, objetividade, evidência científica e viabilidade prática? Aliás este embaraço não é assunto novo, pois remonta pelo menos aos anos 60 do século XX. Nessa época, já muitos professores e até alunos contestavam o discurso e certas práticas das pedagogias ditas «progressistas», enquanto advogavam que o verdadeiro pedagogo seria aquele que conseguisse conciliar o seu elevado conhecimento científico com a capacidade para compreender e comunicar com os alunos. Hoje creio que esta visão permanece válida. Ainda que, agora, o Ministério da Educação que engendrou a autonomia e flexibilidade escolar se preocupe pouco ou nada com o conhecimento e a formação científica dos seus professores.
Diz também José Pacheco que eu teço calúnias à Escola da Ponte por nunca ter lido os relatórios de avaliação externa, que provam a excelência académica e a inclusão social que essa escola produz. Sobre isso direi que tenho lido muitos relatórios externos de outras escolas que José Pacheco classificará como tradicionais e retrógradas, onde também são reconhecidas a excelência académica e a inclusão social. Todavia atrevo-me a dizer que não devemos atribuir demasiada importância ao jargão tecnocrático e por vezes tão árido vertido nesses relatórios. Sugiro que seria bem mais interessante monitorizar o percurso escolar dos alunos da Escola da Ponte (e de outras escolas) nos ciclos de ensino finais — secundário e superior — com vista a avaliar a fiabilidade das suas aprendizagens e a excelência do seu sucesso educativo.
Censurou-me ainda José Pacheco por alvitrar no domínio das ciências da educação. Concluí um mestrado e depois um doutoramento em História Contemporânea, na Universidade de Coimbra, os quais permitiram-me investigar e publicar livros e artigos sobre Fátima, o republicano intransigente António Machado Santos e o republicano, socialista e anticlerical José Tomás da Fonseca, adepto fervoroso da escola inclusiva e prosélito de uma «escola moderna». Mas é no terceiro ciclo do ensino básico, no secundário e na formação de adultos que tenho cumprido um percurso educativo de 28 anos, vivido sempre no «árduo chão da escola» e, acrescento, no esgotante soalho da sala de aulas. Será que tal currículo não me confere legitimidade para pronunciar-me sobre educação?
Por fim, caro José Pacheco, permita-me confessar-lhe que tenho sempre um enorme gosto em aceitar um «fraterno convite». Mas tenho o mau hábito de desconfiar de convites fraternos precedidos de insultos infundados e desbragados. Caso encerrado.
Professor de História em Oliveira do Hospital, mestre em História Económica e Social Contemporânea e doutorado em Estudos Contemporâneos pela Universidade de Coimbra. Investigador colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20). Autor dos livros O sol bailou ao meio-dia. A criação de Fátima (2015), Tomás da Fonseca. Missionário do povo (2016), Fátima. A (des)construção do mito (2017).