1 O País tem assistido ao longo dos últimos anos à “dança” que a Lei da Eutanásia tem gerado, entre o Parlamento, o Presidente da República (P.R.) e o Tribunal Constitucional (T.C.). Trata-se de uma Lei onde está em causa viver ou morrer.
Cada um, porque não somos tolos, tem ajuizado das deficiências/erros que os diferentes projectos de Lei têm apresentado (largamente explanado nos Acórdãos do T.C.).
2Não cabe aqui repetir esse historial, mas não podemos deixar de reconhecer que, quando a Lei foi pela primeira vez ao T.C., este se prenunciou pela inconstitucionalidade, porque o requisito essencial para que possa praticar-se a Eutanásia, é a definição de “sofrimento”.
Disse o T.C. que este conceito, para respeitar a Constituição tem de ser “densificado”. Isto é, tem de ter parâmetros que não o deixem como algo etéreo e vago, com interpretações ao sabor de cada um (Ac. 123/21 do TC).
3Também o Presidente da República vetou a Lei em Novembro de 2021, com fundamento no facto de que tinha deixado de se exigir que a doença fosse terminal. Alargando-se a sua aplicação, esta era agora a mais radical das legislações conhecidas.
4 Foi de novo aprovado Decreto que o P.R. enviou ao T.C., por no seu entender haver falta de determinação dos conceitos – “sofrimento de grande intensidade”, “lesão definitiva de gravidade extrema”, etc.
O T.C. no Ac. 5/2023 voltou a declarar a inconstitucionalidade por, de novo, não estar claro o tipo de sofrimento exigido para ser permitida a Eutanásia – físico, psíquico e espiritual. Havia que definir qual ou quais eram exigidos (em alternativa ou cumulativos).
5O Parlamento, voltou ao diploma e contra tudo e contra todos, foi de novo aprovado sem densificar o conceito de sofrimento. Voltou a repor um “conceito aberto”. Não se sabendo agora se o sofrimento terá de ser físico, ou psíquico, ou apenas espiritual. Tudo será possível. Abriu-se “porta larga” para pôr fim a qualquer vida.
6O P.R., uma vez recebido este Decreto da Eutanásia, devolveu-o ao Parlamento pedindo que se aclarassem alguns aspectos, nomeadamente “quais os médicos competentes para diagnosticar as incapacidades no recurso ao suicido assistido e para supervisionar este processo”.
7Aqui chegados, concluímos que desde que tem sido sujeita ao crivo das outras instituições (P.R. e T.C.) o diploma da Eutanásia tem um conjunto de erros, inconstitucionalidades, má técnica legislativa e perigos para cada um de nós, que o Legislador teima em ignorar e em manter o texto.
8Contra todos os pareceres do P.R. e do T.C. (e de todas as instituições da Sociedade Civil) a maioria (128 deputados na última votação) anunciou que irá agora impor a sua vontade. Isto é, não se respeita a Constituição, não se respeita o T.C. e não se respeita o P.R.
Esta “governança” que deixa o país cada vez mais pobre, sem uma Justiça apta, sem Escola capaz, sem SNS a funcionar e sem reformas, tem uma obsessão – mostrar que impõe e que manda! – fazendo passar uma “Lei de morte”.
9Haverá situação mais clara de “falta de respeito pelo normal funcionamento das Instituições” do que a teimosa e obstinada aprovação da Lei da Eutanásia?
Que precedente cria a aprovação desta lei para o Futuro? Que papel fica reservado ao Tribunal Constitucional?
Basta o cumprimento da forma? Ou a preocupação do Regime e da Constituição é a defesa do bem comum e de um “edifício jurídico” que tutela efectivamente cada um dos cidadãos, em especial nas situações de maior vulnerabilidade?
10Ficamos a saber que com uma maioria parlamentar, não precisamos do Tribunal Constitucional nem do Presidente da República.
A Lei da Eutanásia, se vier a ser aprovada, desta forma, será para além do mais, a Lei da arrogância, da prepotência e do despotismo político.