O projeto de despoluição do Rio Leça vai avançar. São 4 milhões de euros aplicados não só na sua limpeza imediata, mas também na monitorização e controlo dos focos de poluição com um importante objetivo: devolver o rio enquanto espaço de qualidade aos habitantes e aos seus municípios.
Este processo de limpeza, somado às obras já em curso que visam a valorização paisagística das suas margens, através da criação de novos percursos pedestres, percursos cicláveis, pontes e da sua reflorestação, são excelentes notícias para o ambiente, para os municípios e, claro, para os cidadãos, que terão no futuro mais um espaço verde para usufruir, de proximidade, atuando como um verdadeiro pulmão numa área maioritariamente urbana.
De acordo com Artur Branco, diretor da Associação de Municípios Corredor do Rio Leça, fundada em 2016 pelos municípios de Santo Tirso, Valongo, Maia e Matosinhos, através deste investimento é expectável “ainda conseguir criar uma estrutura de sondas fixas para monitorizar o rio em contínuo, que era algo que em muito nos ajudaria a controlar os focos de poluição” com a intenção também de reabilitar os ecossistemas ao longo das suas margens, criando condições para a sua recuperação e desenvolvimento.
São excelentes notícias, recordo que o Rio Leça já foi considerado um dos rios mais poluídos da Europa (1) devido às descargas das inúmeras atividades industriais localizadas ao longo do seu percurso e só pela ambição de o recuperar este projeto merece aplausos. Porém, confesso que encaro o tema da resolução dos focos de poluição com um otimismo desconfiado – é que na área do ambiente, historicamente, a lei está do lado dos infratores.
Apesar de ao longo dos últimos anos ter vindo a ser desenvolvido um trabalho relevante ao nível da fiscalização ambiental, este esbarra de frente na justiça: em 2016 apenas metade dos processos de contraordenação relacionados com infrações ambientais foram confirmados; dessa metade, isto é, das coimas efetivamente aplicadas, das duas uma, ou foram reduzidas ou transformadas em reprimendas (2) , situação que levou Matos Fernandes a classificar como “desolador” o resultado final do trabalho fruto de inspeções, auditorias e de denúncias, dando como exemplo as coimas administrativas de 100 mil e 50 mil euros que acabaram numa doação de 500 euros a uma instituição de bombeiros. (3) Também em Leiria, de dez processos remetidos para o Ministério Público pela GNR entre 2018 e 2020 por suspeita de crime ambiental relacionados com descargas no Rio Lis e nos seus afluentes provenientes da indústria agropecuária, sete foram arquivados. (4)
Ainda em matéria de descargas ilegais, o dossier porventura mais impactante e seguramente mais ultrajante é o caso da Celtejo, empresa de celulose acusada de ser responsável por cerca de 90% das descargas que deram origem a diversos episódios de poluição no Rio Tejo. O próprio ministro (à data) Matos Fernandes declarou publicamente que “não foram cumpridos [pela empresa] os limites de descarga de efluentes a que estava obrigada” (5) resultando em níveis de celulose na água 5 mil vezes (!) acima do recomendado. (6)
A penalização? Uma coima de 12 500 euros que posteriormente o tribunal reduziu para 6 000 euros, para no final substituir o pagamento por uma admoestação – ou seja, uma repreensão escrita.
Casos idênticos vão-se acumulando e enquanto os crimes ecológicos continuarem a ser tratados com esta leviandade e a dimensão económica de quem os pratica for argumento para fazer tábua rasa da lei, podemos continuar a despejar rios de dinheiro em projetos promissores que demorará anos até que surtam o efeito desejado.
Não tenho dúvidas, ou começa a haver coragem de atuar com seriedade sobre as infrações ambientais, ou começa a ser difícil alguém levar a sério a intenção de proteger o ambiente.
Referências:
- https://www.publico.pt/2022/03/31/local/noticia/quatro-milhoes-euros-despoluir-rio-portugues-ja-poluido-europa-2000861
- https://observador.pt/2018/02/21/multas-ambientais-duplicam-para-125-milhoes-mas-muitos-processos-caem-em-tribunal/
- https://www.dn.pt/portugal/reducao-de–coimas-nos-crimes-ambientais-e-desoladora-9223971.html
- https://www.jn.pt/justica/suspeitos-de-descargas-ilegais-escapam-quase-sempre-a-justica-13470870.html
- https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/tejo-tribunal-substituiu-multa-a-celtejo-por-admoestacao?=/local/vila-real
- https://www.gqportugal.pt/tejo-nosso-rio-quem-te-poluiu