Após o polémico prolongamento do quebra-mar do Porto de Leixões, a controvérsia volta novamente a pairar motivada pela entrevista de Robert Yildirim, o líder do grupo turco Yilport, na qual “propõe investir entre quinhentos e mil milhões de euros” para uma nova expansão da estrutura portuária, desta vez na margem norte, em Leça da Palmeira.

Corria o ano de 2018 quando a Comissão de Avaliação travou a intenção da APDL de acabar com um dos principais portos de pesca do país para dar lugar a um novo terminal de contentores. Acabar com a pesca em Matosinhos, imagine-se! Apesar dos melhores esforços da administração para levar a sua avante, viram-se forçados a rever o projeto e a incluir o porto de pesca nos seus planos – pelo menos por enquanto.

A partir desse momento as regras do jogo ficaram claras: os contentores em primeiro lugar e a qualquer custo. Razão suficiente para que a comunidade entre imediatamente em sobressalto assim que toma conhecimento de um projeto que passa pela destruição da já centenária Marina Porto Atlântico, em Leça da Palmeira, para dar lugar a “um novo terminal de contentores e carga geral”.

Importa dar nota ao leitor de que a mencionada marina é uma das mais importantes do norte do país e garantidamente a mais segura. Alberga mais de duzentas embarcações de recreio, quatro clubes náuticos, a UPTEC Mar, centros de mergulho recreativo, é a casa de vários atletas federados de pesca desportiva, é palco de importantes competições nacionais e internacionais de vela, e ainda vários projetos e atividades de relevante importância para a comunidade.

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Mas desengane-se quem acha que será apenas mais um terminal. Este ambicioso projeto tem como intenção criar um terminal “state of the art” equipado com “pórticos super-post-panamax” com “dragagens e fundos para trazer os maiores navios do mundo” (sic)

Os maiores navios do mundo? Para o porto urbano de Leixões? Meter o Rossio na Betesga?

A que custo? Que adaptações e sacrifícios terá que fazer o concelho de Matosinhos, e neste caso em particular Leça da Palmeira, do ponto de vista estrutural, cultural, ambiental e social para que o Porto de Leixões continue a sua senda para se tornar Sines do norte? Existe a real necessidade de receber os maiores navios do mundo? Qual o impacto na qualidade de vida e na saúde dos habitantes dos centros históricos de Matosinhos, Leça e Guifões? Perdoem-me tantas questões, mas considero que para um projeto desta dimensão, que acarreta várias alterações irreversíveis, questionar é essencial. Está em causa uma putativa transformação da orla costeira, a entrada e permanência de mais navios e por conseguinte de mais poluição, uma maior industrialização do nosso mar, ferir de morte a diversidade marítima de uma terra umbilicalmente ligada ao oceano, e o emparedamento do centro histórico de Leça com contentores.

Nestes processos o modus operandi para lidar com a contestação costuma ser dividir para reinar, acenando com indemnizações e promessas de mundos e fundos a meia dúzia de organizações, anunciando-se com pompa e circunstância a sua anuência – oxalá esteja enganado e que todas as partes interessadas defendam a história e a memória coletiva da qual fazem parte, acima do seu interesse individual.

Do ponto de visto político e cívico, é pertinente revisitar as recentes declarações da presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) – e também presidente da Câmara de Matosinhos – a propósito da discussão da localização do novo aeroporto, em que defende que as decisões de interesse nacional que tenham um profundo impacto nas comunidades locais deveriam ser tomadas com a participação dos representantes eleitos das autarquias e da sociedade civil. Estou totalmente de acordo. Agora basta aplicar a mesma lógica às obras de expansão do porto e poderemos dar início a um importante debate: qual é o limite do crescimento saudável do Porto de Leixões?

A discussão não será simples, muito menos pacífica ou consensual, mas terá de ser feita sob pena de um dia os matosinhenses deixarem de se sentir confortáveis na sua própria casa e que esta simbiose tão saudável um dia deixe de o ser.