Num episódio mitológico antigo, o rei da Frígia, Midas, presta um serviço ao deus Dionísio. Agradecido, este concede-lhe como recompensa um desejo. Midas, depois de muito pensar, pediu para ser capaz de transformar em ouro tudo o que tocasse. Este desejo é lhe concedido. Após perceber que não consegue comer ou beber, pois tudo em que toca se transforma em ouro, Midas dirige-se a Dionísio e pede para que o desejo seja anulado ou devolvido. Dionísio recomenda a Midas que lave as mãos no rio.

Por volta de 600 anos antes de Cristo, o rei da antiga Lídia, Giges, cria uma das primeiras moedas, feita de ouro e prata. A abundância de ouro que tem ao seu dispor vem do fundo do Rio Pactolo. Segundo consta, foi neste rio que Midas lavou as mãos para se livrar do “desejo tornado feitiço”.

Mais tarde, nos tempos pré-romanos e da Roma antiga, os rios Ibéricos (Tejo e Douro), eram também generosos em ouro, dando assim o seu contributo para as primeiras moedas dos povos mediterrânicos e do sul da Europa, como o Denário ou Dinar e o Quinário, mais tarde o Morabitino, talvez a primeira moeda da nação portuguesa.

Quase dois séculos depois, viajando até ao oceano Pacifico, na Ilha de Yap, situada na Micronésia, descobrimos que o equivalente a uma moeda de troca ou dinheiro eram grandes pedras circulares feitas de calcário. Havia pedras de vários tamanhos e eram usadas em negócios entre os habitantes da ilha. Uma história curiosa registada por um antropólogo que passou algum tempo a estudar este povo relata que num negócio feito entre dois homens dessa ilha, na venda de uma casa ou terreno, um deles viajou de canoa com a pedra para poder fazer o respetivo pagamento. Dado o peso e dimensões da pedra, a canoa não aguentou bem, baloiçou, e a pedra caiu para o fundo do mar. No entanto o negócio avançou na mesma, ficando o vendedor com a pedra que estava no fundo do mar sem nunca a poder retirar.

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Outro antropólogo, David Graeber, diz com muita graça que quase todos os livros sobre a história económica do dinheiro começam numa aldeia pré-histórica onde por algum motivo já existia uma mercearia e a partir daí começa a história do barter. Um dos habitantes da aldeia tinha muita batata e outro habitante da aldeia não tinha peles para se aquecer e então trocam de bens. Mas se o habitante que tinha batata e também peles e não necessitava de receber mais peles, como é que faziam? Assim, foi necessário criar uma forma de troca com algo que não se degradasse e todos pudessem reconhecer como útil e valioso. Isto é talvez a história da moeda mais do que a história do dinheiro.

Outros exemplos curiosos também com alguma relevância neste tema da moeda são os Gettone Italianos ou as pastilhas gorila individuais. Os Gettone eram uma espécie de moeda ou ficha como hoje existem para os carrinhos de choque ou os carrinhos de supermercado. Eram especificamente para as cabines telefónicas, mas adquiriram eventualmente um valor superior ao valor de compra para a dada função e eram por vezes usados em trocas de outro tipo. E quem, em miúdo, nunca foi à mercearia ou café comprar qualquer coisa e recebeu o troco, caso fosse pequeno, em pastilhas gorila?

O dinheiro e a moeda têm uma longa e curiosa história e, como muita coisa, parecem estar a desenvolver um padrão semelhante à arte: começou por ser mitológica, depois muito realista, depois ficou mais impressionista e depois termina com a abstração. Nos dias de hoje fala-se em dinheiro fiduciário e moeda papel, e muito se tem falado em criptomoedas e em Bitcoin. Analisando bem o conceito de o que é Bictoin somos levados a uma outra tecnologia, e é necessário perceber um pouco o que é uma tecnologia blockchain. Imaginem por exemplo enviar um PDF para um amigo, após o envio esse mesmo PDF chegou ao email do nosso amigo, mas continua também no email de quem o enviou e também no próprio computador. Uma tecnologia blockchain permite o envio definitivo desse PDF, como sendo propriedade digital. Blockchain é uma corrente de informação, onde cada nova entrada é verificada de uma forma descentralizada e democrática por pessoas espalhadas pelo mundo e não por uma entidade tipo banco ou governo. Os incentivos estão presentes para manter o funcionamento e evolução da rede. A Bitcoin é no fundo a ficha ou unidade dessa rede.

Toda a evolução do dinheiro e da moeda está cheia de episódios curiosos onde entra a mitologia, antropologia, tecnologia e até abstração. Todas são fascinantes e todas são o que são. Apesar de tudo, talvez Graeber tenha razão, a história da moeda não é a história do dinheiro. A dívida, o favor, e até a prenda vêm primeiro. Nascemos neste mundo já com a dívida da graça da vida!