Todas as histórias possuem verdades, mas, acima de tudo, as antigas continuam de tal forma atuais que continuam a contar o que se passa, agora, no presente. Falamos hoje muito em fenómenos climatéricos e crises, mas também evocamos milagres económicos, génios das finanças ou especialistas de tudo um pouco. Se não houver entendidos por perto, então pode-se sempre convocar uma “task force”.

Noutros tempos, pessoas com capacidades especiais eram consideradas milagreiros, profetas ou mágicos. Na categoria dos milagreiros, existiu Honi, que vivia na Judeia antiga, poucos anos antes de Jesus Cristo. Ainda dentro da categoria dos milagreiros havia aqueles que eram capazes de alterar o rumo do mundo natural. Uma das perícias ou habilidades mais procuradas era a capacidade de pôr fim a períodos de seca prologados ou, mais concretamente, conseguir que chovesse através do recurso à oração.

Honi era de tal forma bom neste ofício que chegou a fornecer serviços às autoridades locais. Devido à sua fama e capacidade, foi chamado para trazer chuva aquele território num ano difícil de seca. Diz-se que o milagreiro desenhou um círculo no chão e colocou-se dentro dele, pedindo a Deus que fizesse chover. E começou a chover, mas pouco. Então Honi pediu a Deus mais intensidade. A sua pretensão foi aceite e começou a chover bastante mais. Clamou então Honi a Deus que reduzisse a intensidade pois talvez fosse demasiada chuva e a pluviosidade abrandou.

Talvez Honi desejasse cerca de dez ou vinte litros por metro quadrado, penso que este valor seria uma boa quantidade, que podemos considerar razoável e produtiva. O curioso também desta história, é que ter a capacidade de poder quebrar períodos de seca poderia ser ainda hoje uma excelente profissão, dado que, passados mais de dois mil anos, em toda a bacia do Mediterrâneo ou mesmo até em Portugal e Espanha, continua a haver grandes secas.

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Os sábios e os mestres das histórias do passado não se dedicavam a assuntos sofisticados e abstratos, isso era tema para os filósofos, que, mesmo assim, por vezes também eram práticos. Estes dedicavam-se, sim, a matérias concretas. As designações deles eram curtas e os temas em foco normalmente relacionados com geografia, elementos de física natural ou agricultura.

Uma fórmula com graça e rápida que podemos utilizar para fazermos esta diferenciação é contar às nossas avós o título profissional de um especialista, se as nossas avós disserem “o quê?”, “repete lá” já será mau sinal, mas se o nome for curto e não uma conjugação de palavras longas as nossas avós irão dizer, “sim, sim, já sei!”.

Thales de Mileto, matemático, astrónomo e homem de negócios viveu na Grécia antiga, cerca de seiscentos anos antes de Cristo. Era inteligente, considerado um grande sábio. Certo ano, conseguiu prever com alguma antecedência uma grande campanha de azeitona na sua região, ao contrário da maioria das pessoas que não estavam tão otimistas quanto às colheitas que se aproximavam. Thales de Mileto arrendou com antecedência grande parte ou até eventualmente todos os lagares da região. Mais tarde, no outono, o grande ano de azeitona já era evidente e todos ficaram surpreendidos, todos menos o próprio. Thales fez muito dinheiro com contratos de subarrendamento dos lagares, tão necessários para processar tanta azeitona.

Zeus nascera numa montanha em Creta. A sua mãe, Rhea, escondera-o no interior de uma gruta para o poder manter a salvo e distante do seu pai, Cronos. Decide proteger Zeus desta forma pois o seu pai já teria devorado os seus outros filhos, todos eles mais velhos. Foi na envolvência natural e bela desta ilha que o futuro deus dos céus cresceu, alimentando-se com mel e leite de cabra, auxiliado, protegido e cuidado por ninfas. Quando chorava, como os bebés habitualmente o fazem, os pastores da zona faziam soar os chocalhos das suas cabras para desta forma abafar o som do pranto do infante Zeus, protegendo-o do terrível destino de ser comido vivo pelo seu próprio Pai.

Não sei se os factos desta maravilhosa história estão corretos, mas os chocalhos dos rebanhos introduzem aqui um elemento de beleza natural. Zeus, era irmão de Deméter, Deusa das colheitas e da agricultura e com isto, o mel, o leite de cabra e os chocalhos ganham ainda mais sentido neste texto.

Antigamente não se colhiam os cantos dos pomares, não se ceifavam os cantos das searas e não se colhiam todas as uvas ou azeitonas de um campo. Há quem diga que os primeiros armazéns de excedentes agrícolas deram origem à governação e até aos registos, e eventualmente ao dinheiro. Os excedentes agrícolas permitiram talvez que outras profissões surgissem, pois já não era necessário que todos os que compunham uma sociedade produzissem os seus alimentos. Se calhar, se hoje alguém pode ter uma ocupação totalmente distante da produção de alimentos, imaginemos algum tipo de especialista, por exemplo, e ao mesmo tempo achar que não precisa da agricultura, só o pode fazer por esse motivo.

Tal como a montanha protegeu Zeus também a produção de alimentos teve como primeiro objetivo a proteção das pessoas. Na história de Thales, dá para perceber como as colheitas agrícolas vendidas antecipadamente foram a primeira versão dos contratos de futuro e os cantos dos campos não colhidos eram uma espécie de banco alimentar ou seguro conta roubos. As crises sociais ou económicas eram relacionadas com fenómenos simples, como as secas, e não com juros altos ou juros baixos ou outros conceitos sofisticados financeiros.

Podemos encontrar paralelos de muito do que praticamos hoje, em termos sociais ou económicos, nas referências agrícolas das histórias do passado. Talvez também pudéssemos encontrar nelas soluções. Um Thales para sabermos se o próximo ano será bom ou mau economicamente falando, um Honi para nos dar chuva e travar um pouco as secas. E se chovesse de enxurrada poderíamos sempre pedir-lhe um abrandamento na intensidade para que não existissem constrangimentos em demasia no nosso mundo urbano e moderno. Seria demais também contratá-lo para se colocar algum travão nas eventuais alterações climáticas? Por fim quase apetece evocar os rebanhos com chocalhos, precisamos deles e em grandes quantidades, conduzidos por bons pastores para nos protegerem de todos os tiranos.