Início do Parque Eduardo VII, Lisboa, 7 de Maio de 2023.
Às 10:00 em ponto rompe a marcha o Batalhão Colegial, com o seu Estandarte Nacional à frente (como que a guiá-lo).1
Estamos a falar da manifestação pública das comemorações dos 220 anos da fundação do Colégio Militar (CM), em1803, uma das instituições públicas portuguesas mais antigas, ainda existente e um notável estabelecimento militar de ensino, tutelado pelo Exército Português. 2
O Colégio Militar absorveu as alunas do prestigiado Instituto de Odivelas que para lá se quiseram transferir quando uma mais do que infeliz decisão governamental (mais uma!) encerrou tão vetusta escola, em 2015, que foi fundada em 14 de Janeiro de 1900, pelo Infante D. Afonso, Duque do Porto.3
De facto, as comemorações do aniversário do CM ocorrem, por norma, no domingo mais próximo ao dia 3 de Março, que é o dia da sua fundação, pelo saudoso Marechal Teixeira Rebelo, ao tempo Tenente-coronel.
Para além de várias cerimónias internas que ocupam todo o fim-de-semana, faz parte o desfile do Batalhão Colegial, incluindo a escolta a cavalo, Avenida da Liberdade abaixo – com ponto de continência em frente ao Monumento aos Mortos da Grande Guerra – Restauradores, com destroçar no Largo de S. Domingos, após circundar o Rossio.
Segue-se um intervalo que é aproveitado para convívio e confraternização entre familiares e ex-alunos, junto às típicas “Ginjinha” e “Eduardinho”, e que sempre aparecem em grande número e acompanham o desfile com imensa alegria, saudades “do seu tempo”, saudando e incentivando os elementos das quatro Companhias e Escolta, a que o Exército empresta uma banda de música (e a GNR, os cavalos), e soltando ainda o grito de “Zacatraz” que é o grito do Colégio.4
Após o que se segue, pelas 11:30, uma missa tradicional portuguesa, na Igreja de S. Domingos, com idiossincrasia própria, e bem concebida, baseada na tradição colegial. Está sempre a abarrotar e não cabem lá todos.
A gente sai disto (e eu não fui “menino da luz”), de alma lavada e retemperada e com esperança no futuro, que vem do passado e se perpetua na renovação das gerações. E no sentido que tudo isto faz e tem e que é um bom sentido para a vida e da vida.
Por razões que não foram explicitadas devidamente, as cerimónias passaram do dia 4 de Março para o dia 7 de Maio e oficiosamente o que se conseguiu apurar foi que tal se deu em razão do infeliz acidente num exercício militar, em Santa Margarida, que vitimou o Sargento-Ajudante de Engenharia Carlos Mota.
Uma curta fita do tempo ajuda a perceber os eventos: no dia 1 de Março tomaram posse os novos CEMGFA, General Fonseca e CEME, General Ferrão; no dia 2, ocorre o acidente com a morte do já citado militar; no dia 3 são canceladas as cerimónias do CM (mais tarde adiadas para o dia 7 de Maio, que calhou no dia da Mãe).5
Fica, porém, a pergunta: se assim foi, o que é que uma coisa tem a ver com a outra?
Houve no Exército ou nas Forças Armadas, mais alguma actividade suspensa? O General CEME intentaria ir às duas cerimónias (presidir ao desfile e estar presente no funeral do malogrado militar) e tal não era compatível? Mas para isso existem mais oficiais generais no Exército, a fim de se poderem desdobrar (aliás, no dia 7, as cerimónias foram presididas pelo Vice-CEME); terá havido alguma interferência política nos bastidores? E a que propósito?
Surgiu alguma contrariedade inopinada e inultrapassável a nível do CM, que impedisse a cerimónia?
Se há Instituição que tem de saber continuar a funcionar quando, à sua volta, tudo se desmorona e a saber “encaixar” baixas, essa instituição é a Militar, constituída pelos seus diferentes Ramos.
E isto não tem nada a ver com falta de respeito por quem, porventura, possa ter falecido.
Vergonha é, hoje em dia, já não haver sequer efectivos para prestar as devidas honras militares a quem a elas tem direito!
Quero apenas recordar que durante a guerra que travámos nos nossos territórios em África e na Índia, entre 1961 e 1974, morria gente quase todos os dias (média de 1,9 homem/dia, em 14 anos) e nunca nada ficou por fazer ou foi suspenso.
No próprio Colégio Militar, quando tombava um ex-aluno (que era evocado) era mantido nesse dia alguma circunspeção e respeito, mas a vida continuava.
Porque é que então, neste particular, se decidiu adiar a cerimónia, ainda por cima, truncando-a de um elemento fundamental que foi a já citada cerimónia religiosa, na Igreja de S. Domingos? Porque é que também não se realizou a missa, não houve entendimento com as autoridades eclesiásticas?
Pois a questão radica, aparentemente, na decisão do “Comandante Supremo”, em cancelar uma reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional, prevista para aqueles dias.
Terá sido assim, uma decisão “por simpatia”.
Lamento que assim tenha ocorrido até porque já havia muitas pessoas com a sua vida organizada. E são “simpatias” destas que depois levam, por exemplo, Secretários de Estado a querer mexer nos horários dos aviões da TAP para agradar ao “Sr. Presidente”. Valeu-lhe de muito…
O desfile foi bom, o que demonstra que a rapaziada continua em forma (“um pormaior”, porém, não deve voltar a acontecer: o porta-estandarte deve perfilar no ponto de continência, mas não deve inclinar o estandarte).
Constatámos ainda com agrado, que as baionetas caladas não faziam uso da bainha que “alguém” certamente por “excesso de zelo”, há poucos anos mandou usar.
É pena ainda que a Banda do Exército não acompanhe em marcialidade e “panache” o Batalhão Colegial, o que infelizmente é uma pecha nacional.6
E alguns cidadãos continuam, certamente por “distracção”, a não tomar uma posição respeitosa, a levantarem-se, ou descobrirem-se, quando passa o Estandarte Nacional, ou toca a “Portuguesa”, Hino Nacional Português.7
De resto o Colégio Militar está de parabéns e, espero, recomenda-se. E faço votos para que não se deixe cair na desgraça do desconchavo em que se encontra a esmagadora maioria do ensino em Portugal.8
Que se mantenha uma escola de valores, com grau de exigência elevado, onde o Mérito prevaleça, a Ciência abunde e a ideologia fique à porta.
Restam hoje à Nação Portuguesa, muito poucas instituições que possam garantir a sobrevivência de Portugal, como tal.
O Colégio Militar, como os Pupilos do Exército (e como era o Instituto de Odivelas) fazem parte dessas poucas.9
Não é por acaso que são atacadas. Há políticos no País capazes de tudo.
1 Como curiosidade refere-se que a formatura arrancou ao som da marcha “Cidade Invicta” de autoria de Amílcar Morais, marcha que aparentemente foi banida, durante anos, após o dia 25/4/74, por ter sido tocada na última cerimónia do 10 de Junho, no Terreiro do Paço…
2 As mais antigas são as Misericórdias a primeira das quais foi fundada, em 1498, pela Rainha D. Leonor.
3 O despacho que manda encerrar o Colégio que tinha por divisa “Duc in altum” (cada vez mais alto) é de Abril de 2013, da responsabilidade do Ministro Aguiar traço Branco e de nada valeram os justificados protestos então ocorridos. Que fique registado, para que a “culpa” seja responsabilizada.
4 “Zacatraz, Zacatraz, Zacatraz”;
– “Traz, traz”;
– “Zacatraz, Zacatraz, Zacatraz”;
– “Traz, Traz”;
– “Ala, ala”;
– “Arriba”;
– “Ala, ala”;
– “Arriba”;
– “Aller, aller, à votre santé”;
– “Allez”.
A origem do grito mantêm-se um mistério.
5 O Dia da Mãe, comemorava-se, e bem, a 8 de Dezembro, dia da Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. A decisão de o mudar para o 1º domingo de Maio foi mais uma infeliz e cretina decisão.
6 Parece cromossomático; de facto, não é raro ver uma postura pouco marcial; passo firme; movimentos pouco vincados; conversa entre músicos; deficiente alinhamento; demasiados movimentos, sobretudo na posição de “descansar, à vontade”, e até, “falta de ganas” em atacar os instrumentos.
7 Já era tempo de voltar a haver censura social sobre estes comportamentos e intervenção das autoridades policiais, multando os prevaricadores.
8 O dislate da frase propalada de “estamos perante a geração mais bem preparada de sempre” ganhou jus a ser considerada, não só uma piada de mau gosto, como o estatuto de “mentira de Estado”…
9 As instalações do Instituto de Odivelas estão hoje ao abandono e a detiorarem-se rapidamente (sendo parte delas monumento nacional). Esperemos que um dia não venha a acontecer o mesmo aos terrenos onde está instalado o CM, que são muito cobiçados por valerem milhões no mercado imobiliário.