Quando aqueles que comandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito.” Cardeal de Retz (Jean-François Paul de Gondi), 1613-1679

É (ou era) tradição antiga nas Forças Armadas Portuguesas que primeiro se trata dos soldados, depois dos sargentos e finalmente dos oficiais. Por isso, e por exemplo, é que o oficial de dia era o último, ou dos últimos, a servir-se durante as refeições. A excepção a isto dava-se na Cavalaria, onde as “montadas” ou “solípedes” tinham preferência sobre todos os outros.

Sem embargo, outro princípio, nem sempre escrito, prescrevia que antes de o pessoal tratar de si, tinha que tratar primeiro da limpeza, manutenção e arrumo do equipamento e armamento, por maioria da razão das munições a fim de se poder garantir a sua pronta operacionalidade e resguardo.

São princípios de boas práticas e de comando e liderança e, como tal, não são mutáveis ou adaptáveis.

Finalmente o cumprimento da missão era – e tem de ser – algo intocável, pois está para além dos homens, e está acima do desconforto, do risco, ou das circunstâncias, sobretudo quanto estiver em causa a soberania nacional, a integridade do território ou a segurança das populações.

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Por isso é que o sacrifício da vida faz parte do “contrato” dos militares. Veja-se o que aconteceu ao sargento-ajudante, recentemente falecido num incidente, em Santa Margarida, durante a inactivação de um engenho explosivo. A quem não quero deixar de prestar a minha homenagem.

Tudo entra nos deveres da profissão e da “Condição Militar”, os quais têm sido profusamente aviltados e atacados nas últimas décadas por quem os devia preservar, ou seja, os políticos; e maltratados, por norma, na comunicação social, por gente mal formada ou ressabiada e, ou, com intuitos malévolos; e, ainda, mal compreendida por parte da população, cada vez mais ignorante das coisas e dos homens e em perda acelerada de qualidades cívicas, não se dando conta que os militares são o último reduto da preservação da comunidade nacional.

Sem embargo, só se consegue que todo este “edifício”, que ao longo dos séculos se transmutou numa instituição nacional por excelência, funcione bem se tiver um Moral elevado (não confundir com a Moral), pois é o Moral que permite que o militar possa Ser e não apenas Estar; alimenta o espírito anímico para sofrer sacrifícios e continuar a lutar e garante o suporte espiritual para o desenvolvimento das chamadas “virtudes militares”.

Ora o Moral – que é a pedra de toque de todos os exércitos – deriva fundamentalmente do exercício do Comando e da Liderança (não são a mesma coisa) e permite que todos os militares tenham confiança na cadeia hierárquica e mantenham a força militar coesa.

Dito por outras palavras, os homens acreditam na competência dos seus comandantes (um sargento também é um comandante ao seu nível) e na sua recta intenção e sobretudo no seu exemplo. E não se importarão de operar e combater nas piores condições possíveis (até quebrarem) se acreditarem que a razão que os move e os meios de que se dispõe são o melhor que foi possível obter.

Já agora, nada do que se passa nas Forças Armadas está baseado em estruturas ditas “democráticas”, no sentido em que os comandos não são eleitos e as decisões não são obtidas por votação, muito menos de braço no ar. As ordens são para serem ponderadas antes de serem dadas, mas quando são dadas são para cumprir, não para discutir.

E é em tempo de paz que se prepara a guerra. Quando há guerra, combate-se com o que se tem e não com o que se gostaria de ter. E os militares têm de o fazer – caso não haja decisão superior em contrário – até, pelo menos, ao esgotamento das munições e, ou, viveres.

Fica feito o enquadramento.

Vamos à súmula do que se passou (ou daquilo que já é possível apurar).

O NRP Mondego, um pequeno navio patrulha, comprado em segundamão à Marinha Dinamarquesa, cujo único armamento é uma peça de 20 mm à proa, de 26 homens de guarnição (cinco oficiais, cinco sargentos e 16 praças, de comando de 1º Tenente), estando atribuído temporariamente ao Comando Operacional da Madeira, recebeu ordens para largar, no pretérito dia 11 de Março, a fim de fazer o seguimento de um navio russo (um quebra-gelo de “investigação científica”), a norte de Porto Santo.

Quando o comandante do navio se preparava para cumprir a missão, foi surpreendido pela atitude de 13 membros da guarnição – quatro sargentos e nove praças – que formaram no cais recusando-se a embarcar.

De acordo com as declarações do próprio CEMA, o comandante do navio tentou demover os “renitentes”, para mudarem de atitude, e, sem meios coercivos para fazer cumprir a sua autoridade (ou não os querendo usar), limitou-se a reportar a situação ao escalão superior e a manter os agora “insubordinados” dentro do navio sem licença para saírem.

A missão não foi cumprida, não havendo outro navio disponível que a pudesse realizar.

As razões, logo alegadas, para esta atitude por parte de metade da guarnição, (ignora-se o que pensavam os restantes) foi de que o navio tinha avarias que podiam pôr em risco a segurança da navegação, a saber:

  • Um motor (existem dois) avariado.
  • Ambos os motores tinham uma revisão de manutenção atrasada há 2.000 horas.
  • Um gerador (dos três existentes) avariado, um outro com limitações e o terceiro com algumas fugas de óleo.
  • Limitações no funcionamento da bomba de refrigeração na sala das máquinas o que, aparentemente, também limitaria, por via indirecta, o combate a incêndios numa situação de emergência.
  • Acumulação de óleos nos porões, por razões várias, o que aumentaria os riscos de incêndio.

E até as condições meteorológicas previstas foram apontadas como sendo parte do problema (ondulação de 2,5 a 3 metros, com período de 7 segundos).

De seguida o assunto caiu de imediato na comunicação social. A Associação Nacional de Sargentos vem, quase em simultâneo e publicamente, em defesa do pessoal insubordinado. O Comando da Marinha entra em comoção profunda, emite uma nota a enquadrar a situação, condena o acto e afirma ir levantar um processo disciplinar.

O Chefe de Estado-Maior da Armada vai de supetão à Madeira, visita o navio, reúne-se com a guarnição, passa-lhes uma repreensão e confirma os processos disciplinares. O que diz cai também na comunicação social e uma equipa técnica da Marinha desloca-se ao Funchal a fim de reparar as avarias.

Entretanto PR e PM fazem breves comentários (toscos e inconsequentes) e a Ministra da Defesa, diz que a Marinha é que tem que resolver o problema. Discretamente, o governo diz libertar 39 milhões de euros (a três anos) para manutenção.

A guarnição do navio vai ser substituída – o que não se faz de um dia para o outro. Uma equipa da Polícia Judiciária Militar esteve no Funchal a fim de investigar o sucedido; a partir do dia 20 os militares envolvidos (entretanto chegados ao aeroporto da Portela, em festa), serão interrogados (notícia de última hora fez saber que o Ministério Público fez abortar esta diligência, para melhor avaliar o assunto – o que é no mínimo estranho).

O sucedido é, a vários títulos, muito grave, não pode passar em claro e terá obrigatoriamente de dar origem a muitas acções correctivas, após investigação a ser feita.

Essas acções correctivas aparentam, desde já, ter de ir do marinheiro ao Presidente da República.

O que se passou é uma vergonha pública para a Marinha e para toda a Instituição Militar.

O circo mediático está, entretanto, montado. E, normalmente, “governa-se” para o chamado “quarto Poder”, que ninguém elegeu ou nomeou.

Passemos às considerações e a alguma análise.

Em primeiro lugar a ordem que determinou a missão é legítima e dada pela cadeia hierárquica competente para tal. O comandante do navio, que supostamente terá alertado os seus superiores hierárquicos para as limitações da mesma, não questionou a exequibilidade da missão. A meteorologia não aparenta ser factor que interfira com a mesma.

Tudo isto feito depois de se ponderarem os riscos inerentes ao cumprimento da missão e sua importância pelo escalão superior.

Os regulamentos e a praxis militar são explícitos (e estão maturados por séculos de prática) que as ordens cumprem-se, independentemente de se concordar com elas ou não. No fim da missão qualquer militar pode expôr as suas dúvidas ou críticas pela cadeia hierárquica e tudo fica expresso no relatório da mesma.

Em caso de algum erro ou falha grave, o militar que disso der conta tem até o dever de o reportar e por escrito. Num caso extremo, que afecte profundamente a sua consciência, qualquer militar pode, a título pessoal, decidir não cumprir uma ordem mas, naturalmente, sujeita-se às consequências.

Não há volta a dar a isto.

Por isso e em primeiro lugar, independentemente das razões alegadas, os agora insubordinados têm que ser julgados e punidos.

Se assim não for, a tropa passa a ser um bando descomandado, como ocorreu, aliás, durante o PREC, mais propriamente entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, com as consequências absolutamente desastrosas e dramáticas que teve para as Forças Armadas e para o País. E de que a Instituição Militar, que é algo maior do que a soma das partes, a saber Exército, Força Aérea e Marinha, ainda hoje não recuperou totalmente. E podem acreditar que eu sei do que estou a falar.

O comandante do navio, um jovem Primeiro-tenente, que tinha tomado posse apenas há poucas semanas, também não sai bem na fotografia, o que certamente trará consequências.

A responsabilidade do que se passa ou deixa de passar no navio é sempre dele e, no mínimo, demonstrou que não conseguiu comandar metade da guarnição.

Não há, também, volta a dar a isto.

E não devia, outrossim, ter sido autorizado a fazer declarações públicas.

A guarnição deveria ter sido imediatamente detida e posta incomunicável, o que as actuais leis e regulamentos não permitem. Voltaremos a isto que é também da maior gravidade.

Havendo indícios claros da prática do crime de insubordinação, tal justifica a presença da Polícia Judiciária Militar (órgão também há muito tempo debilitado).

Em simultâneo, avança-se com o processo disciplinar, que cabe ao comando de quem o navio depende e tinha determinado a ordem, neste caso, o Comando Naval.

Neste âmbito podem levantar-se dúvidas, sobretudo devido à última reorganização superior das Forças Armadas e às novas atribuições do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), dado o navio estar temporariamente atribuído à Zona Marítima da Madeira, e esta estar integrada no Comando Operacional daquela região autónoma e tal comando depender directamente do General CEMGFA.

Serve isto para lembrar que as linhas hierárquicas de autoridade, em termos militares, têm de ser absolutamente claras.

Entendeu, porém, o Chefe do Estado-Maior da Armada, no seu superior julgamento, avocar a si este processo, talvez pela gravidade de que se reveste, sem embargo de se expor publicamente, talvez prematuramente.

Presumivelmente o processo seguirá o seu curso e irá desembocar rapidamente – apesar da controvérsia que já se estabeleceu em termos públicos, ouvindo-se as mais desvairadas opiniões, quer de condenação, quer de absolvição – em tribunal, a fim de os 13 militares serem julgados, sob pena de a autoridade do Estado ruir como um castelo de cartas. Ora a Instituição Militar tem como Missão (não escrita) ser o Último garante da unidade do Estado. Não há volta a dar a isto.

E aqui começa outro busílis (isto de puxar o fio da meada às coisas, é o diabo…), e que é este: qual é o tribunal que está apto a julgar este caso no país? Dirão que todos; direi que nenhum.

Tal deriva da leviana decisão de acabar com os tribunais militares, em tempo de paz, nos idos dos anos noventa, por razões nunca verdadeiramente explicitadas, o que obrigou até a uma revisão constitucional, em 1997, e culminou em 2004 – e obrigatória revisão do Código de Justiça Militar, versão de 1977 (o primeiro dos quais existiu, sob uma forma moderna, desde 1875) que foi sujeito, digamos assim, a uma “civilização compulsiva”. Não há memória de nenhuma chefia militar se ter oposto a este descalabro.

Dir-se-á que existem “juízes militares” em 1ª Instância e na Relação de Lisboa e Porto e ainda no Supremo Tribunal de Justiça, para também julgar os casos que envolvam militares e crimes “estritamente” militares, mas direi que é curto e vou ficar por aqui.

A agravar toda esta situação, reviu-se e aprovou-se um novo Regulamento de Disciplina Militar, muito diferente do anterior (última versão datada de 1977) onde se cerceou e condicionou descaradamente a capacidade de punir – generalizando o acesso a advogado e substituindo a pena de prisão por multas, acrescentando morosidade ao processo, como exemplos – o que ajudou a descaracterizar a condição militar.

Ora as mudanças feitas nestas duas áreas – justiça e disciplina – fundamentais no mister das armas, veio degradar irremediavelmente a capacidade da cadeia hierárquica em manter a autoridade de comando.

Esperemos, entretanto, que a investigação apure eventuais antecedentes e se a decisão dos infractores foi ditada por circunstâncias pessoais e do momento, ou se há alguma “estrutura”por detrás, a apoiá-los, ou, até, a “orientá-los”. Já que não se entende muito bem a “motivação” para esta atitude.

Alguns “pormenores” são de molde a levantar dúvidas sobre este último ponto.

Em primeiro lugar a circunstância em si: a formatura no cais, a calma como tudo decorreu e a existência de um “comunicado” de três páginas, logo distribuído à imprensa, estão longe de indiciar que a atitude tenha sido fruto de uma actuação extemporânea ou impulsiva, ou de um acontecimento inopinado. Aliás o comunicado está escrito com uma qualidade que dificilmente está ao alcance (sem desprimor) do espectável nível cultural dos militares em questão.

Logo no mesmo dia, a Associação Nacional de Sargentos fez declarações públicas a defender a acção dos que se recusaram a embarcar e acrescentou, em tom pouco apropriado, que “não se pensasse em levantar processos disciplinares”, numa clara atitude que extravasa em muito o âmbito das suas atribuições e competências, enquanto associação. O que também deveria ter consequências. Convém ainda ter presente que é do conhecimento público a afinidade de muitos dos elementos desta associação (e não é a única) com os “ideais” propalados pelo Partido Comunista.

E não deixa de ser curioso verificar que ainda antes de os elementos protagonistas da acção chegarem a Lisboa, já possuíam, como advogado, um conhecido militante de extrema-esquerda, que logo ameaçou processar o próprio Almirante CEMA (quem lhe irá pagar os honorários?)!

E quis o destino, e por coincidência, que a missão impedida de ser cumprida pela atitude dos 13 membros da guarnição era a de fazer o seguimento de um navio russo (suspeito de ser “espião”), no âmbito de uma operação ligada à Aliança Atlântica.

O que torna este “incidente” não só uma vergonha nacional como, também, internacional.

Importa, porém, continuar a puxar o fio à meada.

As queixas sobre as avarias e falta de manutenção dos navios – apesar de não justificarem a atitude de insubordinação – são procedentes.

E tanto assim é que, mal o incidente ecoou, rapidamente uma equipa técnica da Marinha foi enviada de Lisboa para reparar o navio, e o governo desbloqueou logo 39 milhões de euros (distribuídos por três anos, o que apenas representa uma gota de água no oceano das necessidades) para a rubrica da manutenção da Marinha; só faltou dizer, como é hábito, que já estava prevista.

Toda a oficialidade da Armada, aliás, todo o pessoal da Marinha, sabe disto. O mesmo se passa na Força Aérea, no Exército, já agora, também no EMGFA!

Ora este conhecimento foi agora tornado público – depois de rebentar a guerra na Ucrânia e só depois disso – pelos próprios políticos que passaram a falar no “desinvestimento na Defesa”.

Não quero deixar de dizer que o termo “desinvestimento” é apenas um eufemismo, pois o que aconteceu foi uma acção deliberada (com nuances em cada país) dolosa e irresponsável, por parte da generalidade dos políticos, não só em reduzir todas as forças militares à ínfima espécie, como de descaracterizar a própria condição militar e ainda de rebaixar e desprestigiar socialmente a própria “profissão das armas”.

Isto é de uma evidência claríssima, que levo já 40 anos a denunciar.

E isto notou-se em Portugal, sobretudo a partir do 1º Governo do Professor Cavaco Silva, e desde então nunca deixou de piorar.

Assistiu-se a um asfixiamento continuado em três grandes áreas: financeira, pessoal e administrativa, com esvaziamento de autoridade, competências e flexibilidade de acção das chefias militares. A que se tem de acrescentar uma constante degradação das condições remuneratórias e de assistência social, relativamente a outros grupos profissionais de referência.

As chefias militares sempre tiveram muita dificuldade em lidar com toda esta situação, por razões que não vou agora explicitar.

É certo que sempre foram alertando a tutela para a situação cada vez pior para que tudo caminhava, mas raramente, creio, tal se revestiu da veemência necessária. E muito poucas vezes os alertas foram feitos no Parlamento, ou públicos, dada a delicadeza do assunto. As poucas demissões (por iniciativa própria ou provocadas, e nunca com explicação pública adequada) de chefes militares ocorridas, a maioria por questões menores, fora de tempo ou até incompreensíveis, não mudam o panorama.

A única acção que teve alguma expressão, mas rapidamente abafada, foi a do saudoso Almirante Vieira Matias, quando mandou quase todos os navios regressar a portos, sem embargo de só o ter feito já no fim do seu mandato.

E conceder entrevista a órgãos de comunicação social, como sucedeu, por exemplo, com o Almirante Silva Ribeiro, a meio do seu primeiro mandato como CEMGFA, dizendo que a situação do pessoal nas Forças Armadas, e cito, “ser insustentável” (e era), e do seu anterior na chefia da Armada, Almirante Macieira Fragoso, também já no fim do seu mandato, dizendo quase ipsis verbis isto: “neste momento não existe nenhum elemento da Marinha que possa ser dispensado; se alguém sair alguma coisa vai ficar por fazer” (também não tenho dúvidas que estava certo) e depois ficar tudo na mesma, isto é, não haver consequências, quando logo no dia seguinte houve diminuição de pessoal e tal não parou até hoje, é que não nos parece que possa continuar a acontecer!

Há anos que as Forças Armadas não conseguem recrutar os contingentes mínimos para satisfazer as suas necessidades em quantidade e qualidade, apesar do número de efectivos autorizados ser cada vez mais ridículo. Ninguém quer olhar para tudo isto com olhos de ver.

Ora, neste momento, a falta de pessoal é gritante e põe em risco o cumprimento das missões; além do que sobrecarrega o pessoal, pois o que resta está quase sempre de serviço e não pode gozar as respectivas folgas (entre muitas outras coisas). Ora pedir continuadamente sacrifícios ao pessoal, que tem que fazer missões de risco, complexas de vários pontos de vista, que requerem espírito de missão e profissionalismo e depois pagar-se a um marinheiro menos do que ganha um caixa de supermercado, não parece ser uma equação que dê certo. É mais uma “inequação”…

As “Leis de Programação Militar” (LPM) (e vou ficar por aqui) são outra pedra de toque, já que representam o verdadeiro empenhamento que qualquer governo põe na prioridade em que tem as capacidades das Forças Armadas. Ora até hoje nenhuma das LPM – onde nunca consta o número de equipamentos, armamento e munições de que o país necessita, face a ameaças previsíveis e ao cumprimento das missões atribuídas pelos órgãos de soberania, às Forças Armadas – foi cumprida, estando consecutivamente as suas verbas cativadas; os orçamentos derrapam; os concursos prolongam-se, são diferidos no tempo, ou simplesmente cancelados – como é flagrante exemplo o caso do navio polivalente logístico, que já consta há dezenas de anos na LPM e ainda não passou do papel.

Numa palavra, a LPM é uma mentira política, demagogicamente gerida, e financeiramente uma trapaça, camuflada de engenharia financeira.

É neste âmbito que o NRP Mondego foi aumentado ao efectivo e se arrasta, como o resto da esquadra, numa indigência logística e já nem vou falar no desastre em que se transformou o Arsenal do Alfeite.

O navio não estava em nenhum planeamento para ser adquirido. O que estava previsto era os estaleiros de Viana do Castelo (que eram outro desastre até serem privatizados – talvez a única coisa bem feita no consulado do Ministro Aguiar, traço, Branco), construírem 10 Patrulhas da classe “Viana do Castelo”, de que o País precisa bastante, mas até hoje apenas foram construídos quatro e dois ainda nem dispõem de armamento (quero aqui lembrar que um navio de guerra sem armamento não serve para nada e não ser para ser um alvo). Ora em desespero de causa – os chefes militares por vezes fazem coisas menos adequadas por quererem “desenrascar” as situações e por norma fazem-no de boa mente – viram uma oportunidade de preencher, mesmo que temporária, mas rapidamente, um vazio que existia, e conseguiram convencer o Governo a comprar os agora três patrulhas da “classe Tejo” à Marinha Dinamarquesa, em 2014.

Só que os navios foram construídos para navegarem no Báltico, que é um mar fechado, pouco profundo, onde as condições de navegação não são tão exigentes como aquelas do Oceano Atlântico, nomeadamente as da nossa ZEE, possuindo um fundo chato, de fibra de vidro e alumínio. Ainda se terá pensado em utilizá-los em águas mais calmas, como o Algarve, mas depois a realidade fez o resto…

Com todo este pano de fundo o exercício da Disciplina, não só na Marinha, como em todos os Ramos, tem vindo a ser relaxado; como há falta de pessoal, fecham-se os olhos a muitas infracções e permitem-se certas liberalidades pouco apropriadas ao ambiente militar. O “abandalhamento” acelerado e já longo, da sociedade civil envolvente, ajuda a tudo isto.

Os sinais exteriores de falta de disciplina notam-se logo no aspecto das Portas de Armas; no aprumo; na linguagem; no atavio e uniformização, nos atrasos ao serviço, nas baixas à enfermaria e em outros muitos sinais de que qualquer oficial e sargento que perceba um mínimo do que anda lá a fazer e tenha uns anos de tarimba logo se apercebe.

Vou com regularidade às instalações onde se situa o Estado-Maior da Armada e outros órgãos da Marinha e o que vejo, por exemplo na displicência com que são encaradas as normas de segurança à porta de armas; muitos militares andarem de cabeça descoberta e na falta de cumprimento militar, onde as praças não fazem continência aos sargentos, estes aos oficiais e quase todos só cumprimentam os Almirantes, não indicia nada de bom. E sabe-se de muitos outros pequenos “incidentes” que têm sido reportados a bordo, incluindo em missões de âmbito internacional.

Aliás, não foi por acaso que os paióis de Tancos foram assaltados; já do anterior e de outros mais pequenos, tinham desaparecido armas…

Tudo isto está ligado e convém, a quem tem responsabilidades, não andar distraído ou a assobiar para o lado.

Mas, no fundo, a Marinha (e, já agora, o país) não tem que se queixar, ou ficar surpreendida com o que se passou. Na freguesia do Feijó existe um monumento construído sob a égide de uma vereação comunista, do município de Almada, que é dedicado ao… “Marinheiro Insubmisso”. Assim mesmo.

Na altura correu também uma petição, alegadamente ligada à Associação de Praças, a fim de se instituir o Dia dos Praças das Forças Armadas (presumo que à semelhança do Dia dos Sargentos que, apesar de não ser institucional, é evocado todos os anos, o dia 31 de Janeiro de 1891 – aliás, uma infeliz data), que seria o dia 8 de Setembro (de 1936) – data da revolta que consubstanciava um acto de traição à Pátria, em que “sovietes” de marinheiros, a mando do Partido Comunista, prenderam os oficiais e apoderaram-se dos contratorpedeiros Bartolomeu Dias, Afonso de Albuquerque e Dão, com o objectivo de zarpar para Espanha onde iriam apoiar o governo da “República Espanhola”. Os dois últimos navios foram bombardeados por ordem do Governo de então, pelos fortes de Almada e do Alto do Duque e renderam-se. Registaram-se cinco mortos. Este lamentável episódio deu origem à construção do Presídio do Tarrafal a fim de albergar 34 dos marinheiros condenados. Houve 208 militares da Marinha presos ou demitidos.

Ora, aquando da inauguração do dito monumento, em 30 de Maio de 2009, o Estado-Maior General das Forças Armadas fez-se representar por dois oficiais superiores, um da Força Aérea e outro da Marinha e a Armada emprestou à cerimónia a respectiva banda e uma guarda de honra.

Nos anos seguintes, nas comemorações anuais, sempre se fez representar; havia oradores convidados e estava presente até falecer o último marinheiro que tinha estado preso no Tarrafal.

Depois disto o que é que se pode esperar?

O País anda há muito tempo desorientado e sem norte.

Os militares agora acusados de insubordinação vão ter que ser punidos em nome da Disciplina – sem o que nenhum “Exército” pode existir ou funcionar – independentemente das razões que lhes possam assistir. Mas as responsabilidades maiores encontram-se a montante e chegam ao “Comandante Supremo”.

E, aí, duvido que alguém vá ser incomodado.

Por isso é que há muito tempo, que estou com o Cardeal De Retz.