Desculpem-me os puristas do português pelo uso, logo no título desta crónica, do anglicismo, quando não faltam, na nossa língua, palavras sinónimas. Também carece de justificação outra cedência ao jornalisticamente correcto, no uso das iniciais J.C., em vez de Jesus Cristo, como seria, decerto, menos moderno, mas mais curial.

Foram vários os erros de ‘casting’ de J.C. Com efeito, aquela equipa de doze apóstolos tinha muito que se lhe diga, pois não só o seu capitão, Simão, a quem chamou Pedro, negou por três vezes o Mister (Mt 26, 69-74), como era também do grupo o infame Judas Iscariotes, que não só era ladrão (Jo 12, 6) como também foi o traidor (Mc 3, 19). Ora se, como especificam os evangelistas, ele bem sabia, desde o princípio, quem o havia de entregar (cf Jo 2, 25), porque o escolheu então? Decididamente, J.C. não servia para director de recursos humanos, nem para selecionador nacional!

Mesmo no que se refere às mulheres que o acompanhavam, também não parece que J.C. tenha acertado nas suas escolhas. De facto, pelo menos de uma delas, Maria de Magdala, ou, simplesmente, Madalena, consta que expulsou sete demónios (Lc 8, 2), o que, sendo sete o número da perfeição, permite supor que era uma perfeita endiabrada!

Maria Madalena foi a primeira a anunciar a ressurreição do seu Mestre e Senhor, mas essa sua descoberta não se ficou a dever a uma especial perspicácia, nem a uma mais esclarecida fé. Com efeito, quando lhe aparece o próprio ressuscitado, não o consegue identificar, pensando tratar-se de um jardineiro. É preciso que J.C. a chame pelo seu nome, para que Madalena o reconheça. A sua imediata e instintiva resposta – Mestre! – é expressiva do seu imenso respeito e veneração por Jesus (Jo 20, 1-18). Alguém que se trata com tanta deferência é por demais evidente que não é um amigo íntimo, nem muito menos um amante, que, obviamente, nunca o foi, excepto na ridícula e infundada imaginação de alguns autores de romances de cordel.

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Não obstante a primazia de Madalena em relação ao anúncio pascal, pelo qual mereceu o título de apóstola dos apóstolos, dois mil anos volvidos sobre este episódio, e mesmo apesar da sua canonização, há católicos que ainda a referem com alguma relutância. Por isso, a sua igreja parisiense é conhecida, apenas, por Madeleine, como a homónima paróquia da Baixa-Chiado, nunca dita de Santa Maria Madalena, que é o seu nome oficial, mas apenas Madalena, à conta dos seus duvidosos antecedentes…

Que as companhias de J.C. não eram recomendáveis, também se prova pelo facto de ter sido publicamente criticado, pelos fariseus, por conviver com pecadores (Lc 15, 1-2), sem falar das mulheres de má reputação, que encontravam nele quem, sem branquear os seus pecados, as compreendia e estimava (Jo 8, 3-11). Aliás, por essas e por outras atitudes farisaicamente escandalosas, acabará por ser crucificado entre dois ladrões, o bom, que foi o que se converteu, e o mau, cuja salvação não consta (Lc 23, 33-43).

Foi precisamente quando J.C. foi crucificado, com os dois ladrões, que cometeu o seu último erro de casting. Com efeito, não se explica que, nessa altura, tenha dito ao bom ladrão: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Também não se compreende que as últimas palavras que dirigiu a sua Mãe, referindo-se ao também presente João, “o discípulo que amava”, tenham sido: “Mulher, eis o teu filho!” (Jo 19, 26).

Em relação ao bom ladrão não tinha havido nenhum erro judiciário, como o próprio reconheceu, quando interpelou o outro criminoso, quando este pediu a Cristo que se salvasse e os salvasse também: “Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? Nós estamos na verdade justamente, porque recebemos o castigo que merecem as nossas acções, mas este não fez nenhum mal” (Lc 24, 40-41). Tendo em conta que o ladrão reconheceu a sua culpa, era justo que o Mestre lhe tivesse imposto uma penitência pelos seus delitos, como exigia a justiça, ou, pelo menos, alguma expiação no purgatório, que para isso, com efeito, serve. Esta absolvição instantânea e incondicional, bem como a imediata canonização do que, desde então, passou à História paradoxalmente como ‘o bom ladrão’, parece ter sido, de facto, um lamentável erro de casting.

A outra injustificada declaração de J.C., também naquela ocasião, foi a feita a sua Mãe (Jo 19, 26). Estando de pé, junto à Cruz, Maria teria merecido uma palavra de elogio ou, pelo menos, de reconhecimento. Esse agradecimento era-lhe tanto mais devido quanto contrastava com a ausência dos apóstolos, salvo a honrosa excepção do discípulo que o Senhor amava. Contudo, em vez de J.C. premiar a sua Mãe pela sua heróica fidelidade, impôs-lhe, precisamente naquele momento, uma enorme cruz, ao fazê-la mãe não apenas daquele apóstolo, mas também de todos nós.

Para quem já era nada menos do que Mãe de Deus (Lc 1, 43), uma tal condição nada tinha de honroso, antes pelo contrário. Pior ainda, atribuindo-lhe essa nova maternidade, a que ia anexa a urgente missão de procurar, reencontrar e animar os seus discípulos, Maria ficava obrigada a permanecer mais algum tempo na terra. Assim sendo, não poderia, como certamente tanto desejava, seguir Jesus na sua ida para o Céu, onde já a esperavam o seu marido, São José; os pais dela, São Joaquim e Santa Ana; a sua prima Santa Isabel, o marido Zacarias, bem como o filho de ambos, São João Baptista; entre tantos outros. Que humilhação e que desilusão para Maria! Que pena não poder ainda subir ao paraíso, com Jesus, ela que, mais do que qualquer outra criatura, tanto merecia a bem-aventurança celestial!

Estes dois últimos erros de casting tinham fácil solução, pois bastava que J.C. tivesse dado a cada um deles o destino que deu ao outro! Com efeito, teria sido muito justo que tivesse dito ao bom ladrão que o curava e, até, libertava da cruz, mas para que servisse os seus irmãos, os homens, e assim expiasse os seus crimes, antes de ser admitido no Céu. Por sua vez, a Maria, Jesus deveria ter dito o que então disse ao bom ladrão: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43).

Não quis Deus que fosse assim, para que Maria fosse não apenas sua Mãe, mas também nossa. E, com o mesmo desvelo com que amou J.C. até ao fim, também nos quer a nós, convidando-nos, com a sua vida e palavra, a fazermos tudo o que Jesus nos disser (Jo 2, 5).