No dia 1 de Setembro, o Doutor Domingos Faria publicou no Observador uma crónica intitulada Os erros da ética sexual da Igreja católica, a que aqui respondi no passado dia 10: “A ética sexual da Igreja católica está errada?”. Cinco dias depois, Domingos Faria voltou a dizer que “Sim, a ética sexual da Igreja Católica está errada”, a que agora replico, dizendo: “Olhe que não, Doutor Faria, olhe que não!”. A vantagem destas polémicas é que se começa a corresponder com um ilustre desconhecido, mas depois o interlocutor é já como se fosse um velho amigo, que cordialmente saúdo.

Domingos Faria presume que a sua tese é “partilhada por um grande número de cristãos” e que “uma maioria significativa” de fiéis aceita as “relações sexuais entre casais LGBT”, bem como “o recurso ao preservativo e à pílula, tal como utilizados por grande parte dos casais católicos, entre outros”. Para esse efeito, cita “The principles of renewed sexual ethics”, do caminho sinodal da Igreja católica da Alemanha.

Ao afirmar que “o Padre Gonçalo está completamente equivocado quando diz na sua crónica que esta é uma mera preocupação de ‘não cristãos’”, de facto confirma uma estranha obsessão de muitos não cristãos por esta temática. Sim, não cristãos, porque quem defende “as relações sexuais entre casais LGBT”, bem como “o recurso ao preservativo e à pílula” não é cristão de verdade, embora talvez o seja de nome. O mesmo se diga do pouco católico texto do caminho sinodal da Igreja alemã.

O Doutor Domingos Faria não só afirma, insistentemente, que “a ética sexual da Igreja está errada”, como diz que, “ao contrário daquilo que o Padre Gonçalo pensa, a realidade católica e cristã não é de todo ‘preto e branco’”. Ora eu, que graças a Deus não sou daltónico, não penso, nem nunca disse que a doutrina da Igreja católica é toda ‘preto e branco’. Aliás, até esclareci que, não obstante a ilicitude moral dos anticoncepcionais e do preservativo, pode haver casos em que seja lícito o seu uso.

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É curioso que Domingos Faria, que no seu primeiro texto afirmava categoricamente que do ‘ser’ não se pode derivar o ‘dever-ser’, agora invoque um suposto “número bem significativo de pessoas genuinamente católicas que não se identifica com a atual ética sexual da Igreja Católica”, para desse suposto facto (ser), deduzir uma nova ética (dever-ser). Esquece, porém, que não é a moda que faz a norma, porque a fonte da moral católica não é a atitude maioritária, nem a opinião generalizada dos cristãos, mas a revelação sobrenatural e a razão natural.

Numa visão maniqueísta da Igreja católica, Domingos Faria considera que “alguns padres têm feito um trabalho realmente evangélico no acolhimento dos casais LGBT”, entre os quais cita o jesuíta James Martin, conhecido pela sua heterodoxia nestas questões. Os ‘maus da fita’ são, como não poderia deixar de ser, os que, por serem fiéis à doutrina e tradição da Igreja, são tidos por “tradicionalistas, como parece ser o caso do Padre Gonçalo”. Também é, decerto, o caso de São Paulo VI, autor da profética encíclica Humanae vitae; de São João Paulo II, que revolucionou a ética sexual da Igreja com as suas catequeses sobre a teologia do corpo; de Bento XVI, autor principal do Catecismo da Igreja Católica e um dos maiores teólogos católicos contemporâneos; e do Papa actual. Francisco, querendo uma Igreja aberta a todos, compara-a a um hospital de campanha, a que todos os fiéis, enquanto pecadores que somos, precisamos de recorrer, para que nos sejam proporcionados os meios necessários para a salvação, que Jesus oferece aos que, estando arrependidos, comprometem-se a não voltar a pecar (cfr. Jo 8,11).

Segundo Domingos Faria, é princípio central da ética sexual da Igreja Católica que, “se um acto é moralmente lícito, então com esse acto pretende-se ou visa-se realizar os propósitos naturais ou biológicos dos órgãos”. Ora, se assim fosse, não seria moralmente aceitável a extracção de um órgão, pois essa acção não pretende, nem visa, realizar o propósito natural ou biológico do membro extraído, que até frustra definitivamente. Contudo, essa acção justifica-se, em termos éticos, quando assim o requer o organismo, como quando se amputa um membro gangrenado, para salvar a vida.

A moral católica é, na sua base, uma moral natural, porque Deus, o Autor da graça, é também o Criador da natureza. Portanto, segundo a ordem natural, cada órgão do corpo humano existe para uma função determinada (cf. 1Cr 12, 12-26): compete ao sujeito usá-lo com esse propósito, como convém para o fim último do homem que, como já dizia Aristóteles, é a felicidade.

A pessoa casada que decide não ter relações sexuais com quem, sendo do sexo oposto, não é o seu cônjuge, faz uma opção eticamente razoável, preferindo o bem maior, como é o da sua alma, em detrimento de um bem menor, como seria o prazer que, no momento, essa infidelidade matrimonial lhe proporcionasse. Não basta, portanto, que os órgãos realizem as operações para que são naturalmente aptos, como acontece numa relação adúltera, pois é também necessário que essas acções sejam meios para a felicidade, terrena e eterna, do ser humano.

Os relacionamentos sexuais que a Igreja considera pecado não o são apenas por desrespeitarem a funcionalidade própria, ou natural, dos órgãos correspondentes, o que só acontece nos acções “contra natura”, mas por inviabilizarem o fim último. Por isso, não obstante a bondade natural dos actos próprios dos órgãos, são eticamente más as acções ‘naturais’ que contrariam esse fim: “se o teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o para longe de ti, porque é melhor para ti que se perca um dos teus membros, do que todo o teu corpo seja lançado na geena” (Mt 5, 29).

É verdade que o uso da pílula ou do preservativo, em circunstâncias normais, é antinatural e contraditório. Porquê? Pois bem, a relação sexual entre pessoas casadas entre si deve ser expressão de uma doação recíproca, a que não pode faltar a abertura à vida. Ora, tudo o que impede a geração diminui o acto conjugal, desrespeitando a sua dignidade. Como afirma Christopher West, os anticonceptivos recordam o procedimento que praticavam os comensais nas orgias romanas, em que, para poderem continuar a comer, provocavam o vómito. Essa sua atitude era incoerente: não se come para vomitar, como também não se realiza o acto procriativo para não procriar, ainda que esse acto tenha também um propósito unitivo e, nem sempre que há união sexual, tenha necessariamente de haver geração.

Os actos contrários à natureza e, por isso, ditos “contra natura”, não apenas comprometem a salvação, como desrespeitam a funcionalidade própria dos órgãos correspondentes. Sobre o respectivo juízo moral, a Sagrada Escritura é inequívoca: “Por isso é que Deus, de acordo com os apetites dos seus corações, os entregou à impureza […]. Foi por isso que Deus os entregou a paixões degradantes. Assim, as suas mulheres trocaram as relações naturais por outras que são contra a natureza. E o mesmo acontece com os homens: deixando as relações naturais com a mulher, inflamaram-se em desejos de uns pelos outros, praticando, homens com homens, o que é vergonhoso, e recebendo em si mesmos a paga devida ao seu desregramento” (Rm 1, 24-27).

Por último, o Doutor Faria confunde evolução moral com o desenvolvimento da ciência ética e acusa-me de ser imobilista em relação à moral católica. Contudo, já na minha anterior crónica dei, em relação à pena de morte e ao duelo, exemplos desse desenvolvimento, sem que tenha havido evolução moral. Na Idade Média pensava-se que, nos primeiros meses da gestação, o feto ainda não tinha alma e, portanto, era moralmente viável, no início da gravidez, o aborto provocado. Hoje, a genética sabe que, desde a concepção, há um novo ser humano e, portanto, atentar contra a vida intrauterina é, sempre, um assassinato. Não foi a moral que evoluiu, mas a ciência ética, graças ao desenvolvimento do conhecimento científico.

Não obstante dois mil anos de Cristianismo, o ser humano continua dividido entre a sua ancestral fraqueza original, que alguns justificam e até idolatrizam, e a ânsia de redenção, que a Igreja a todos propõe e realiza nos seus fiéis. Só em Jesus Cristo, que assumiu na sua carne humana a nossa condição, é possível a salvação, porque a sua ressurreição gloriosa é a definitiva redenção da nossa humanidade ferida.