Marcelo Rebelo de Sousa, na versão presidencial, fala menos que na antiga atividade de comentador. A entrevista à SIC que assinalou um ano da sua eleição demorou apenas 36 minutos, que não lhe chegavam para analisar os acontecimentos de uma semana na televisão. Primeira conclusão: Marcelo quer falar, mas quer falar pouco. Ele sabe que pode falar todos os dias a jornalistas de microfone esticado, através dos quais comunica diretamente e em permanência com os portugueses sem grande contraditório. Portanto, prefere que o escrutínio dos entrevistadores seja breve. Segunda conclusão: com a escassez de tempo, condensou a mensagem, e resumiu o que disse ao essencial. E aquilo que afirmou reforça a sua principal linha de ação, o apoio ao Governo e as críticas veladas à oposição.
Parecia que estávamos perante um primeiro-ministro quando falou da Taxa Social Única e quando se assumiu como parte ativa da solução encontrada na concertação social. Deve ser uma tentação difícil de conter, mas logo nesse assunto largou a primeira farpa a Pedro Passos Coelho, como só Marcelo sabe fazer: “Isto era um sinal, é um sinal”, não apenas para as empresas “mas para o crescimento” e ainda “para o investimento”. António Costa não diria melhor.
Quando falou de números, o Presidente também dava a ideia de trabalhar em São Bento e não em Belém. Ao achar que o défice vai ficar abaixo do que o Governo previa e que até o crescimento poderá ser um pouco maior, continuava a dar força a Costa, a antecipar-se a Costa e a aumentar as expetativas sobre Costa. Mais uma vez, a pequena crueldade de Marcelo estava reservada para Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque: “Ouvi dizer: défice? Não vão [cumprir] nem pensar nisso… Qual cumprir o défice… É matematicamente impossível cumprir…” Ainda acrescentou ser preciso uma oposição que se afirme — algo que vai repetindo nas suas intervenções pelo país –, e assim parecia estar a dar ideia que esta não se afirmava grande coisa. A ambiguidade é amiga de Passos Coelho.
Mas Marcelo também é otimista. No último ano, a “descrispação” na sociedade e na política deve-se a ele, segundo o próprio, e por causa do seu estilo — apesar da violência do debate partidário, que não se pode classificar como “descrispado”. O único recado que deixou a António Costa, foi assim uma espécie de resignação no caso de a “geringonça” emperrar. A frase foi esta: “O que o Presidente da República pode desejar é que se afirme uma solução governativa. Enquanto afirmarem afirma. Quando deixarem de afirmar não afirmam”. O Presidente somou aqui mais ambiguidade e deixou-nos perguntas por responder: com o chumbo da TSU a “geringonça” afirma-se ou questiona-se? Com a cada vez maior dissonância em vários assuntos PCP e Bloco afirmam o apoio ao Governo ou questionam-no? Não percebemos.
No final, ficámos a saber que até setembro de 2020 Marcelo decidirá se avança para a reeleição. Quatro anos em Portugal é uma eternidade. Teremos então garantidas, para já, mais três breves entrevistas de meia hora.