Por uma questão de fé, celebrou-se uma missa vermelha e a crença numa revolução que “provavelmente só será materializado para além das nossas vidas”, como disse o próprio Jerónimo de Sousa no discurso de encerramento do Congresso do PCP. Como todos estaremos mortos nesse longo prazo, enquanto a revolução não chega é preciso ir tratando da vidinha e, no imediato, isso significa arranjar maneira de prolongar a vida ao Governo do PS sem fazer grande mossa ao Partido Comunista e à sua base de apoio.

A linguagem que o PCP teve de inventar para justificar o suporte a António Costa revela bem as dificuldades que o partido tem em explicar “às massas” — como os comunistas dizem –, este conluio com a burguesia. Jerónimo de Sousa está condenado a prolongar a governação socialista e as “políticas de direita”, só não se sabe agora em troca de quê. A “posição conjunta” está quase esgotada e este Orçamento do Estado já abriu uma exceção: as medidas a la carte como o aumento das pensões. Quais serão as exigências para 2018 em cima das eleições autárquicas? O próximo momento-chave deste Governo será no outono que vem. À cabeça estarão reivindicações para mudar o Código Laboral e o ministro Vieira da Silva poderá ter de fazer uma certa ginástica para não ter de reverter algumas das suas próprias reformas. O salário mínimo nos 600 euros depende da Concertação Social, portanto, não está só nas mãos do Governo. E a renegociação da dívida ou a saída do euro são inegociáveis.

Será então preciso dramatizar, coreografar, pressionar e parecer lutar para que tudo fique na mesma. Se o PS continuar a subir nas sondagens e se aproximar da maioria absoluta, o PCP não tem qualquer interesse em provocar eleições. Se o PS estiver perto da maioria absoluta e precisar de um partido para governar, os comunistas perdem força: neste cenário, os socialistas podem ir buscar apoio ao BE ou ao PCP conforme convier (ou à direita) e o panorama continua a não ser o melhor para Jerónimo de Sousa. A alternativa é o PCP voltar à sua zona de conforto na oposição tradicional no Parlamento e na rua.

Este seria o congresso em que o PCP tinha mudado. Não foi. As circunstâncias são outras, haverá sempre um antes e um depois da “geringonça”, mas o PC não muda. Não há críticos e neste congresso não houve um sequer a fazer pequenos reparos ao apoio do partido à “direita”. Mal se fizeram críticas ao PS. O PCP não está “domesticado”, como disse o secretário-geral, mas continua a ser mestre da domesticação. As diferenças para o congresso do Bloco de Esquerda neste capítulo são enormes. Os quatro militantes que votaram contra a composição do Comité Central ou não falaram ou calaram o que tinham a dizer. A votação foi supostamente feita por voto eletrónico, mas os jornalistas não puderam ir ver as máquinas. A comunicação social teve de sair do recinto quando houve (se é que houve) a discussão que antecedeu a eleição. Todas as moções foram aprovadas por unanimidade, com este pormenor: junto a cada fila havia jovens com um zero desenhado em folhas para mostrar à mesa que não havia votos contra. Elucidativo.

Em 2016, o PCP ainda é o mesmo, ainda é mais do mesmo, sobretudo quando tenta justificar a sua mudança no jogo partidário com a tradicional “novilíngua” comunista. Continua a ser o partido bolchevique, que comemora os 100 anos da Revolução de Outubro e celebra a União Soviética como paraíso na terra como se nada tivesse acontecido ao longo daqueles 70 anos. É o partido que continua a elogiar ditadores com Fidel Castro e a dizer que, pelo contrário, Cuba não é uma ditadura.

O PS continua refém de um partido que continua a fechar os olhos aos direitos humanos mais básicos nos países governados por amigos. Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, disse numa entrevista ao Observador que estava mais próximo do modelo de sociedade do PCP que do PSD e do CDS. Depois deste congresso, isso não pode ser para levar a sério. O PS poderá ter o triste destino de estar dependente do PCP, enquanto assiste à morte lenta da União Europeia. Os comunistas sabem o que querem: o fim da UE e a implosão do euro, que pode desmoronar-se sem que eles movam uma palha. E vão começar a colocar na agenda com mais força esses problemas. O PS terá de dar uma resposta a essa crise muito diferente dos comunistas. Essa falha tectónica na “geringoça” poderá não ser fatal por puro pragmatismo, mas veremos no fim deste ciclo como é que o PS se recompõe da influência destas companhias.

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