Na semana passada, última sessão plenária antes da pausa para férias, a Assembleia Municipal de Lisboa discutiu um Voto de Protesto apresentado pelo PAN contra o Festival de Yulin, na China. Não sabemos ao certo quando se tornou regular esta barbaridade anual: a maior parte das fontes aponta para 2009, algumas apontam para a década de 1990. Sabemos que durante o festival as pessoal celebram o solstício comendo carne de cão – entre outras “tradições” aberrantes que o documento do PAN, com um pé no sadismo e outro na pruriência, descreve detalhadamente. Para todos os efeitos, a declaração óbvia: o Festival de Yulin é repulsivo. Não conheço ninguém que pense o contrário, nenhum grupo municipal mostrou pensar o contrário, e já isto é sintomático: se uma ideia política não contraria ninguém, ela não é política nem é uma ideia. Aproxima-se de um facto, ou de um desejo. O PAN representa na política portuguesa o papel daquele sábio para quem mais vale ser rico e feliz do que pobre e doente, e apresenta nos órgãos da democracia Votos de Protesto contra a pobreza e o sofrimento. Isto mostra uma parte da demagogia do PAN, se não quisermos reconhecer nele a personificação do populismo.

Mas há mais, e por isso o episódio merece mais umas linhas de relevância. Ele mostra o fanatismo animalista do PAN. É curiosa a maneira como o PAN recusa limitar o espectro potencial dos seus eleitores, decretando sobre si próprio “nós não somos de esquerda nem de direita”. Mas não vemos o PAN apresentar Votos de Protesto pela maneira como os cidadãos são tratados na Coreia do Norte, ou em Cuba, na Venezuela, ou nos outros países comunistas. Não vemos o PAN apresentar Votos de Protesto pela maneira como os homossexuais são tratados na Rússia do sr. Putin, ou no Irão, ou na confusão islâmica da Palestina. Nem sequer vemos o PAN apresentar Votos de Protesto pela maneira como os animais são tratados nas tribos primitivas de África ou da Amazónia, onde o PAN não tem repórteres de teclado nem representação municipal, e onde suspeito que os animais não serão respeitados como se respeitam aqui, nos países ocidentais.

Olhamos a toda a volta, com minúcia e atenção, e não vemos o PAN mexer um dedo por nenhuma destas abominações. Mas vemos o PAN esgravatar a actualidade à procura de maus-tratos animais escolhidos a dedo, os mais mediáticos, divulgados em vídeos pelos adolescentes e pelas celebridades, para o PAN se juntar à procissão.

O PAN nunca arrisca nada. Não enfrenta nem desafia os poderes instalados do pensamento dominante. No fundo, o PAN não faz política, faz sentimentalismo. Um sentimentalismo de má qualidade e um sentimentalismo perverso, porque usa em seu proveito os sentimentos que as pessoas desenvolvem pelos animais de estimação. O PAN faz o pior tipo de sentimentalismo, numa sociedade empobrecida e envelhecida, onde o desespero das pessoas solitárias as transforma em alvo apetecível das atenções do demagogo. O PAN não se interessa pelos animais, interessa-se pelos votos dos donos dos animais.

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Para se defender, dirá o teórico do PAN, com o seu arzinho de seminarista inter-espécies, que esta é uma visão antropocêntrica. Tem razão. É, de facto, uma visão antropocêntrica do mundo e, ao contrário do que lhe convém a ele, nós devemos continuar antropocêntricos a pensar as coisas da política e do mundo. Porque a alternativa é descermos à civilização dos animais irracionais.

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P. S.: Farei uma pausa nas próximas semanas. Desejo a quem estiver de férias umas boas férias, e a todos um bom mês de Agosto. Regresso em Setembro.