Mais odioso que um debate desportivo, mais odioso que um debate político, mais odioso que um reality show, é um programa de apanhados. Nos dois primeiros tipos de programa espanta a protuberância enorme de quem fala, o tempo que demora a fazê-lo, e a ideia exaltada em que se tem; espanta o modo como cada pessoa se reduz às suas opiniões, e a maneira como essas opiniões são parecidas com reflexos fisiológicos, com piscadelas, refluxos gástricos e arrepios. No terceiro tipo de programa espanta, além do precedente, o facto de as opiniões serem expressas em quartos que parecem lojas de móveis; em hortas que parecem mapas; e por pessoas que parecem minerais.
Nos programas de apanhados, pelo contrário, exerce-se uma caça cruel. O seu êxito depende de uma conspiração venatória contra terceiros; depende da ideia de que caçar o próximo é uma actividade humana elevada. Mas não só: depende também de um público que encontra refúgio e consolação na noção de que há outros que estão a ser apanhados, enganados e ridicularizados. Se nos fosse garantido que em nenhum caso seríamos alvo de conspiração ou troça, quase todos gostaríamos de assistir ao êxito de uma conspiração bem urdida contra terceiros; somos afinal apreciadores de comédia.
Acredita-se que uma situação tem tendência para ser cómica sempre que não nos diz respeito. E por isso o ponto mais alto de um programa de apanhados é proporcionar a única forma de humilhação que nos deixa em paz: a humilhação daqueles que sabem menos que nós; a humilhação dos ignorantes, dos bons, dos distraídos, dos cúpidos, e dos pobres de espírito. Um pobre de espírito vai pela rua fora e encontra um artista televisivo que lhe pede falsamente para tirar uma fotografia a um marciano, comer uma pedra, ou salvar um cego da forca. Naturalmente faz-lhe a vontade. Verifica-se porém a certo ponto não haver na realidade marcianos; as pedras não serem comestíveis; e ter sido há muito extinta a pena de morte. O público ri. O pobre de espírito, confuso, aquiesce.
O efeito mais sério dos programas de apanhados, de facto, não é simplesmente a humilhação de terceiros; é o modo insidioso como todos aqueles que são apanhados apanham os defeitos principais de quem os apanhou. Um apanhado não fica, depois de apanhado, igual ao que era; muito poucos seguem pelo seu caminho, a rir ou a chorar, até que venham a ser apanhados outra vez. Pelo contrário, a maior parte decide adoptar daí para a frente um ar desconfiado. Verifica-se assim que a consequência principal desta actividade horrível é os pobres de espírito decidirem que aprenderam com a experiência. Uma vez apanhados, deixarão para sempre de tirar fotografias a marcianos, de comer pedras, e de salvar cegos da forca. Os apanhados ficam mais espertos; o mundo fica mais pobre.