Não é novidade que a sociedade contemporânea vive dominada pelos ideais da juventude e do sucesso visível, pelo que afastámos do domínio público tudo o que contraria esta imagem de montra que pretendemos manter em detrimento do lado mais desconfortável da realidade. É por isso que tantas vezes recusamos olhar de frente a doença, a dor, o ciclo vital, a morte; desviamos os olhos à passagem dos pedintes; não gostamos do cheiro do hospital; traumatizamo-nos com um funeral. E nesta negação da verdade do que somos, do que seremos e do que poderíamos ser, acabamos por perder o que nos tornava humanos: a capacidade de compaixão.

Ocupamo-nos com passatempos supérfluos e mesquinhos; dedicamos o nosso tempo na persecução constante de coisas para as quais não temos sequer espaço; vivemos a vida enquanto afastamos dos nossos olhos e corações quem primeiro nos ensinou o que era vida, por nos limitarem os objetivos e entorpecerem os passatempos. Ora, o resultado é que, por este estilo de vida que promove um mundo de aparências e nega e afasta de si tudo o que não encaixa nele, temos desenvolvido uma ética da apatia e uma moral da indiferença. E, por isso, tantos idosos, pais e Avós (cujo dia amanhã se comemora), vão morrendo sozinhos, pela calada da noite, sós entre uma multidão familiar que se tornou distante e fria.

Desejaríamos que o estridente silêncio dessas mortes rasgasse de lucidez a última lucidez que tivermos; que o seu grito de dor e solidão nos acordasse e nos fizesse notar o vazio em que se está a converter a nossa existência individual e coletiva. Desejaríamos que os idosos, pais e Avós, não fossem encarados como monos ou empecilhos descartáveis, mas fossem tratados com a dignidade que merecem. Desejaríamos que, na nossa incessante procura de tudo o que não é verdadeiramente essencial, compreendêssemos que a marca que em nós é deixada e o cunho que deixamos nas pessoas são os verdadeiros bens que deveríamos perseguir. E os Avós, muitas vezes órfãos de filhos e netos vivos, fossem finalmente percebidos como bens imateriais de primeira necessidade, pelo seu tempo de vida e experiência adquirida, pela paciência sem fim e pelo amor sem limites, pela gratidão que lhes devemos e que é dívida que nunca conseguiremos apagar ou pagar.

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