Há ainda demasiados animais abandonados e maltratados. Há ainda demasiados cães e gatos deixados nas ruas, e, na aldeia onde vivo, há ainda muitas velhotas que depositam, em cima dos caixotes de lixo, montinhos nojentos de espinhas de peixe e restos para os gatos comerem. Na aldeia vizinha, há um gangue de 20 ou 30 gatos que recebe almoço de um senhor simpático. À hora de comer, esses gatos e os seus pratos enchem a rua estreita e é impossível passar durante meia hora. Nos arbustos da Arrábida, existe uma matilha de cães abandonados, sempre a aumentar.
Mas as famílias portuguesas estão cada vez mais acolhedoras para cães e gatos.
Os animais ditos de estimação costumavam comer ossos e restos. Hoje, já há corredores nos supermercados dedicados a ração de animal. Antigamente, eram só os estrangeiros malucos que fundavam abrigos de animais. Hoje, há recolhas frequentes de rações, em frente dos supermercados, promovidas por muitos abrigos. Antes, quase nunca se viam pessoas a passear o cão, preferindo-se antes o método de abrir a porta e soltar os animais. Hoje, as pessoas a passearem cães disputam a rua aos ciclistas de meia idade, vestidos de lycra.
A questão dos direitos dos animais rebentou aqui recentemente. Pelo menos na internet, sente-se um fervor religioso que me faz lembrar os anos 80 na Grã-Bretanha, quando os direitos dos animais se tornaram, entre os estudantes “politicamente correctos, uma causa tão importante como a luta contra o apartheid (um dos rituais de iniciação estudantil consistia então em ver filmes de terror sobre a experimentação em animais). Hoje, se alguém sugere apenas que um cão maldoso seja eutanizado por ter matado uma criança, há activistas dos direitos dos animais, virtuosos como todos os “born-again”, que atacam, e atacam maldosamente, o autor de um pensamento tão criminoso… e esses activistas não são estudantes, mas senhoras de meia idade que frequentam o facebook.
Tenho ideia que uma razão para esta mudança está no novo culto dos gatinhos e cachorros na net. Quem passou três minutos no facebook, já certamente viu um gatinho. Felizmente, há de vez em quando uns posts (normalmente postados por mim) com aranhas ou répteis, para compensar a fofice. Mas a torrente de bebés animais teve certamente impacto nos costumes portugueses, porque ao lado dos gatos fofinhos, há já animais oferecidos por adoção, denúncias de crueldade, e pedidos de dinheiro para abrigos. E mais: há pessoas a exprimir o amor que têm pelos seus animais de estimação, e a exaltar as virtudes de ter um cão ou um gato. Está a tornar-se um hábito tão comum como é na internet britânica, sendo os britânicos um povo famoso pelo seus amor dos animais. É um hábito tão irritante como postar fotos sem fim de bebés. Fotos de cães adoráveis, gatos a fazer de … gatos, bichos vestidos de camisolas, cadelas a usar fraldas durante o cio… coisas que, como dizemos em inglês, me dão comichão nos dentes.
Toda esta treta fofinha pode ser muito irritante para mim, mas é um sinal de que há mais cuidado e respeito pelos animais. Por isso, é uma coisa boa, mesmo que a situação esteja ainda longe de ser perfeita. Esta semana, a filha de uma amiga minha, enfermeira veterinária, acolheu uma família desconfiada de que o seu novo e muito adorado cachorro era surdo. Ficaram todos muito consternados quando o veterinário confirmou que sim, o cachorro era de facto surdo.
Vinte minutos depois, a enfermeira recebeu um telefonema de uma loja de animais situada nas vizinhanças da clínica veterinária: “Acabaram de nos entregar um cachorro para adoção. Achamos que é surdo, podemos levá-lo aí para confirmar?”
(Tradução do original inglês pela autora)
The dogs and cats of Portugal have put on sweaters.
There are still plenty of animals abandoned and mistreated. There are still plenty of dogs and cats who hang around on the streets and, here in the village, there are still plenty of old ladies who place revolting little piles of fish bones and leftovers on top of the communal bins as a meal for the cats. In the next village, there is a gang of 20 or 30 cats who are fed every day by a kind gentleman, the cats and their various receptacles making his tiny street impassable for half an hour each day. Amidst the gorse bushes of Arrábida, there is an ever expanding pack of abandoned dogs.
But Portugal is making dogs and cats part of the family more ever before.
Animals used to be fed bones and leftovers. There are now supermarket aisles dedicated to animal food. It used to be that the only animal shelters were run by a handful of crazy foreigners. Now, there are frequent dogfood bank rallies in front of the supermarkets. It used to be that you would almost never see people out, personally walking their dog (instead of opening the front door and leaving it to its own devices). Now, they are competing for the streets with the middle aged men in lycra on bicycles.
The question of animal rights has exploded here very recently. Suddenly, a religious fervour, on the internet at least, has reared its head, reminiscent of the 1980s in Britain, when animal rights became as big a cause as anti-apartheid amongst “right thinking” students, and one of our unofficial rites of passage was to sit through gruelling films of grisly animal testing. Now, should anyone suggest anywhere that a vicious dog be destroyed because it has killed a child, the newly born and righteous dogs’ rights internet activists pounce, and pounce viciously, on the perpetrator of such thought crime… and these activists are not students but middle aged facebook frequenting women.
The only thing I can put the change down to is the new religion of kitten and puppy adulation on the net. If you have spent more than three minutes on facebook, you have seen a kitten. Luckily, there is the occasional spider or reptile (usually posted by me) to counteract the fluff, but the torrent of baby animals must have had its effect on Portugal. Next to the fluffy kittens, there are now animals offered for adoption, denouncements of animal cruelty, requests for money for animal shelters. Ever more abundant on the Portuguese net are the people expressing their love for and extolling the virtues of having a dog. It is becoming as common as it is on the British net, that famously animal-loving people. It is a habit as irritating as posting endless photos of one’s own babies. Photos of dogs being adorable, cats being… cats, tiny overbred beasts in sweaters and in-season bitches in nappies… all things that make my teeth itch.
All this fluff and nonsense might be annoying to me, but it is a sign that more animals are being cared for, so in the end it is a good thing, even if the picture is still not perfect. This week, a friend’s daughter, a veterinary nurse, received some owners in the surgery, suspecting that their much loved puppy might be deaf. The family was distraught to hear the vet confirm that yes, the puppy was deaf.
Twenty minutes later, the nurse received a phone call from a nearby pet store. “We have just been given a puppy to put up for adoption. We think it might be deaf, can we bring it in to confirm?”