Nas duas últimas temporadas, tanto o Sporting como o Porto ganharam o campeonato com a seguinte particularidade: metade das suas equipas – ou até mais de metade – eram compostas por jogadores da formação ou jogadores provenientes de clubes portugueses de menor dimensão. E não só ganharam, como foram capazes de o fazer com justiça. O Sporting, após 19 anos a seco, e o Porto, que talvez tenha feito a sua melhor época com Sérgio Conceição, depois de estar sob a alçada do Fair Play Financeiro da UEFA, ficando impedido de contratar e vender jogadores. Resumindo, antecipando uma aparente contradição segundo os cânones contemporâneos, foram épocas de pouquíssimo investimento financeiro para os clubes que, sem espinhas, foram campeões.
Este simples facto convoca-nos a refletir com urgência: por que caminhos querem ir os clubes portugueses nos próximos anos?
Portugal é hoje um país com muito menor capacidade financeira e estrutural para afrontar os grandes clubes europeus. O fosso, infelizmente, está a adensar-se. Do estrangeiro, contratam-se jogadores com menos qualidade do que no passado e, na maioria dos casos, somos ultrapassados porque os tubarões comem as futuras estrelas do futebol mundial, coisa que antes ainda éramos capazes de fazer com regularidade. Aquelas equipas do Benfica de Jorge Jesus e do Porto de Villas-Boas – que, consecutivamente, competiram taco a taco com os melhores do mundo –, estão longe de ser casos vulgares e, atualmente, os clubes portugueses pertencem ao patamar médio na hierarquia do desporto rei.
É verdade que o futebol em Portugal não fez ainda as reformas necessárias para se desenvolver no caminho certo: o caminho da prosperidade, da qualidade do produto, do investimento na formação, na literacia dos seus dirigentes e em tantas outras matérias onde seria necessária uma mudança de paradigma. Mas, diante desta conjuntura, brota uma oportunidade perfeita: transformar Portugal no grande país formador, mimetizando projetos como o do Ajax que, tal como o Porto, o Sporting e o Benfica, reúnem condições perfeitas para o fazer.
Caso ainda não tenham reparado, não sou um romântico nacionalista, cegamente crente em equipas vencedoras apenas com jogadores nacionais. E também não faço aqui uma apologia da pobreza como oásis da liberdade e da lucidez. Oxalá que todos os clubes portugueses fossem multimilionários, estivessem recheados de academias e sobrevivessem por causa dos seus extraordinários projetos sustentados. Mas não é o caso. Por isso, o empobrecimento financeiro e estrutural dos últimos anos pode permitir alargar a razão: ou se aproveita como deve ser a realidade e esta humilde condição em que vivemos como mote para transformar profundamente o nosso futebol, ou continuamos a viver à deriva.
Assim, para quem tanto aprecia o chavão “equipa que ganha não se mexe”, aqui está uma verdadeira oportunidade para se refletir a partir de significativas vitórias do Sporting e do Porto. O grande problema nos casos mencionados, destes clubes que, a par do Benfica, vivem com a responsabilidade de liderar o desporto em Portugal, é que apenas olham para a formação, para o mercado interno, para a construção de projetos duradouros quando, por força das circunstâncias, se vêem impedidos de cometer loucuras. Loucuras essas que, como se vê, por serem loucuras, leva os clubes e o desporto à ruína, e não necessariamente às vitórias.
Não foram escolhas livres que levaram o Sporting e o Porto ao título, foram condicionamentos, foi a própria realidade. Se pudessem, teriam escolhido outro caminho: o das contratações sonantes, o empréstimo de todos os seus jovens e o endividamento. Mas ainda bem que a realidade inventou barreiras, que clarificou o olhar. É que a partir de hoje, se os clubes assim o entenderem, se os clubes não quiserem negar o que está diante dos seus próprios olhos, esse olhar poderá ser finalmente uma escolha livre.