Quando era miúda no Reino Unido, o Dia da Mãe era o único “Dia de alguma coisa”, à parte o Dia de S. Valentim (o qual, naquela época, muitas pessoas consideravam uma invenção americana). Não havia Dia do Pai, nem Dia da Criança, nem Dia dos Avôs, nem Dia dos Irmãos, nem Dia da Terra, nem Dia do Sorriso, nem Dia de Qualquer Coisa De Que nos Lembrámos para Vender Mais Coisas.
Na semana antes do Domingo da Maternidade, as nossas escolas primárias tinham um objetivo fácil. Pôr todas as crianças fazer um presente para as mães. Tal com hoje nos múltiplos dias de “Alguém Especial”, passávamos as tardes dessa semana a fazer cestinhos de cartolina cheios de flores de papel, coisas cortadas de um molde desenhado pelo professor (hoje em dia, descarregado da internet), ou figuras com o formato de uma mãe, ou uma escultura com paus de gelados, todos agrafados e colados, cobertos com algodão, guache, brilhantes, missangas, impressões de mãos, ou desenhos e mensagens para as mães, enfim, coisas para se amontoarem no “armário das coisas que as mães não podem deitar fora”.
Revistar a caixa das coisas que os filhos trouxeram do infantário e da escola gera uma sensação especial.
A sensação é de brilhantes, missangas e algodão que se descolaram e que se prendem entre os dedos, e de guache espesso, seco e estaladiço, sem saber de qual escultura vieram os paus, botões e migalhas que estão no fundo da caixa. É a sensação de culpa e de não sabermos como vamos diminuir este monte de coisas, de modo a podermos manter algumas lembranças desses tempos, sem termos caixas e caixas de presentes desintegrados, sempre a mudar de armário para armário, de sala para sala, e de uma casa para outra casa, ao longo do resto das nossas vidas.
Não é a sensação de “sou amada e apreciada pela sociedade por ser mãe”. Faz-nos lembrar, porém, que há um dia do ano em que, durante uns segundos, a mãe merece uma menção, porque ser mãe é duro.
Primeiro está a gravidez. Ser incubadora durante nove meses, para muitas mulheres, não é essa experiência gloriosa que hoje em dia as revistas da moda nos prometem. Esta nova moda de “estar bem com o corpo durante a gravidez”, de ser fotografada a acariciar a barriga inchada com um sorriso beatífico na cara – não é para todas. Há quem ache que é uma maneira de tornar a maternidade mais especial, uma espécie de experiência pseudo-espiritual. Mas a maternidade não tem de ser assim tão especial.
Estar grávida é também enjoativo, doloroso e desconfortável. É irritante ser abordada por desconhecidos, todos a dar opiniões e conselhos, e a fazer previsões sobre o sexo do feto. Para algumas mulheres, é muito perturbador ter uma espécie de parasita na barriga que acabará, inevitavelmente, por explodir para fora, como o monstro do abdómen de John Hurt no primeiro Alien. E quando explode, a experiência pode deixar cicatrizes — cicatrizes físicas e emocionais.
Quando finalmente o parasita, desculpe, o filho já está cá fora, a mãe é a pessoa que, durante os primeiros anos, aguenta a maior parte do cansaço e tédio que matam a cabeça, ao mesmo tempo que tem de fazer todo o malabarismo necessário para combinar casa e trabalho, de modo a manter a criança viva e cuidada. Isto não é uma experiência espiritual. Não nos faz brilhar. Não nos enche de uma alegria deslumbrante. É uma tarefa dura e mal-agradecida. É simpático, uma vez por ano, ter o pequeno-almoço servido na cama com um cartão cheio de efeitos cintilantes. Mas não chega. Nem de longe.
A maternidade, apesar desta nova moda de tentar torná-la glamorosa, não é glamorosa e não é divertida durante 99% do tempo. Considerando que o futuro da raça humana depende inteiramente dos nossos úteros, é bastante estúpido que ser mãe ainda seja um dos empregos/vocações/trabalhos menos apreciados no planeta. É o único emprego sobre qual todas as pessoas têm uma opinião para dar. Seja sobre a mulher que se torna numa mãe “perfeita” no segundo em que nasce o filho, seja sobre a mulher que sofre depressão pós natal e todo o horror e preconceito que acompanham essa condição, ou sobre a mulher que se pergunta todos os dias se é capaz de cumprir esta tarefa importante de criar filhos: todos têm opinião quanto às capacidades delas para serem mães. Incluídas na lista, claro, estão as mães adotivas, as mães de barriga de aluguer, as mulheres que querem ser mães mas não podem, e as mulheres que não querem. Todos os ângulos estão cobertos. Todas as mulheres incluídas. Todas estão sujeitas a uma opinião apenas porque têm um útero. Todos falam de nós, e mesmo assim a maternidade continua a ser subvalorizada. Continuamos a ganhar menos do que os homens e recebemos pouca ajuda no trabalho, em termos de flexibilidade. Talvez seja melhor para quem ganha uma vida decente como freelancer, mas quem trabalha numa fábrica ou num escritório, como faz quando tem os filhos doentes? Estamos no século XXI e ainda não resolvemos este problema? É ridículo.
A raça humana merece mais.
(traduzido do original inglês pela autora)
Mothering days
When I was growing up in the UK, Mother’s Day was the only “Day of” something, apart from Valentine’s Day which, in those days, people complained was some American invention. There was no Father’s Day, there was no Children’s Day, no Grandparents’ Day, no Siblings’ Day, no Day of the Earth, no Day of the Smile, nor Day of the Whatever We Think Up Next to Sell More Whatevers.
In the week before Mothering Sunday, our primary schools had an easy objective. Get every child to make a thing to give our mothers. Just like today, on the myriad “Days of Someone Special”, we would spend the afternoons of that week making little card baskets of paper flowers, things cut out from a template the teacher had drawn (or these days, downloaded from the internet) or an elaborate card model in the shape of a mother, or a sculpture made from lolly sticks, things all stapled and glued together, covered with cotton wool and poster paint and glitter and beads, handprints and drawings and messages to our mothers, piling up each year in the “cupboard of things that mothers can’t throw out”.
There’s a special sensation when you go through those boxes of stuff your kids bring home from kindergarten and primary school.
The sensation is that of glitter and cotton wool coming unstuck from the ageing PVA glue and getting stuck between your fingers, and the horrid dry, crunchy feel of poster paint on paper, or wondering which sculptures and objects the pile of lolly sticks and buttons and crumbs have fallen from. It is the sensation of guilt and wondering how you might whittle down the pile so that you have a keepsake of your child’s primary school days instead of a pile of disintegrating school ordained “special day” presents to move from cupboard to cupboard, room to room, house to house, for the rest of your life.
It is not the sensation of “I am loved and I am appreciated by society for my being a mother”. It is a reminder, though, that on one day a year, for a fleeting second, people remember that being a mother is worth a mention, because being a mother is damned hard.
First comes pregnancy. Being an incubator for nine months is, for many women, not that glowing experience that we are told these days by the magazines that it’s supposed to be. This new fashion of being at one with your bump, with photographs of you caressing your swollen belly with a beatific smile on your face is not for everyone. Some people think that this is how to make motherhood seen as something special by making it a pseudo-spiritual experience. Motherhood is not that kind of special.
Being pregnant is nauseating, and painful and uncomfortable. It is irritating to have random people come and touch your belly, and give you opinions and advice and unsettling predictions about what the baby will be. For some, it is deeply disturbing to have a parasite in their gut that is going to inevitably burst forth like the alien from John Hurt’s chest. When it does burst forth, the experience can be horribly scarring, both physically and mentally.
Once the parasite, sorry, child, is out, the mother is the one who will do the vast majority of the mind-numbing tiredness and boredom in the first few years, and she will, still, usually be the one who does the vast majority of juggling work and home to keep children alive and safe. That is not a spiritual experience. It does not make us glow. It does not make us joyous. It is hard and it is thankless. Breakfast in bed once a year, or a glittery card… well, they’re nice, but no, they don’t cut it.
Motherhood, even with the new mode of making it glamorous, is not glamorous and it is not fun for 99% of the time. Considering that the future of the human race entirely depends on our wombs, it’s pretty stupid that motherhood is still one of the most underrated jobs on the planet. It is the one job about which everyone has a judgement. Whether she is instantly the “perfect” mother after the birth, or suffers post-natal depression and all the horror and prejudice that comes with that, or wonders every day whether she is up to the extraordinary responsibility that is raising a child, everyone, but everyone, has an opinion about what kind of mother she is. This includes, of course, the adoptive mothers, surrogate mothers, women who want to be mothers who can’t and women who don’t want to be mothers. All bases covered. All women included. All women attracting an opinion, because we are the owners of wombs. Everyone talking about us, yet still underrated. We still earn less and are are given little help in the workplace in terms of flexibility. It’s great if you are able to be self employed and can make a living (yes, rare), but what if you work in a factory or office and your kids are sick? Still, in the 21st century, THAT is a hard thing to solve? Ridiculous.
The human race deserves better.