A recente polémica à volta das declarações do Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, relativamente ao número de casos de abusos sexuais alegadamente perpetrados por membros da igreja católica, são um manifesto e claro aproveitamento político, assim como uma imagem da mesquinhez de algumas pessoas na sociedade portuguesa.
Sejamos claros!
Ninguém no seu juízo teria a ousadia de minimizar tal crime, muito menos o mais alto representante da nossa República. Tendo sido mal interpretado, o que pode acontecer a qualquer um, ainda mais a quem está diariamente no escrutínio público, veio de imediato clarificar as suas palavras. Ora, pelos vistos, tal não chegou e muitos comentadores, políticos e outros continuam a tentar subjugar e a recriminar tal atitude! É momento para nos questionarmos se, enquanto cidadãos, não temos coisas mais importantes com que nos preocupar? Afinal se o assunto foi devidamente esclarecido pelos meios próprios, inclusivamente pelo emissor da mensagem original, porque continuamos a gastar energia, tinta, papel, ecrãs e conversas inúteis? A única resposta que encontro é que queremos encontrar um bode expiatório que, de alguma forma, “pague” indiretamente pelos erros de outros.
Na verdade, estes crimes hediondos, que durante anos e anos foram ocultados pela hierarquia da Igreja, devem ser justamente julgados, e os envolvidos devem ser, provados os factos, responsabilizados severamente de acordo com a lei vigente. Não transformemos a “nossa” sede de justiça (vingança, será a palavra mais adequada em muitas cabeças), em faits divers jornalísticos e politizáveis. Deixemos a lei fazer o seu caminho (ainda que com a lentidão lusitana a que estamos já habituados) e apresentar os resultados ao País, assim que possível. Mas uma coisa é certa, não podemos deixar incólumes estes crimes de quem tem a obrigação moral, ética e religiosa de defender a pessoa.
Esta questão leva-nos a outras mais amplas, como, por exemplo, o dogma da Igreja em manter o celibato para os membros do clero. Ainda que o Papa Francisco já tenha declarado que o celibato não é um dogma, abrindo a possibilidade de que a Igreja católica poderá um dia permitir o casamento dos sacerdotes, a verdade é que a Igreja não é apenas o Papa, mas um entrançado e complexo labirinto de interesses pessoais de alguns membros e de algumas instituições que nela habitam ou ou em volta da qual pairam, tornando esta possibilidade uma miragem nos próximos anos (diria, décadas). Portanto, deixemo-nos ficar pela atualidade, onde os casos de abusos sexuais se vão somando à medida que vamos levantando o tapete, e demos espaço de atuação a quem tem esse dever de intervir. Não nos distraiamos com semânticas presidenciais para não termos de bater no peito, enquanto sociedade que somos, evitando dizer mea culpa!