Nos últimos dias, um pouco por todo o mundo se verificam fenómenos climáticos extremos, que acarretam a perda de vidas humanas e a alocação de fundos humanitários e económicos. Numa sociedade cada vez mais atenta, a primeira palavra de ordem surge com as “alterações climáticas”, que, segundo relatam, vêm a criar fenómenos de destruição sem precedentes.

Ainda que se esteja a verificar um aumento da temperatura, que a comunidade científica tende a atribuir à causa humana (dando-se particular ênfase ao “tende”, uma vez que muitas pesquisas apresentam também como causas inversas, como por exemplo o efeito D/O – sendo assunto para um outro artigo), a intensidade dos fenómenos e a sua gravidade em respeito à perda de vidas humanas pouco ou nada têm a ver com o clima – de facto, têm a ver única e exclusivamente com a má construção, fruto de um planeamento urbano abusivo e pouco sustentável. Mas, então, o que o planeamento urbano tem a ver com um fenómeno de chuvas intensas e de enchentes?

Os cursos de água, de um ponto de vista genérico, correspondem a zonas escavadas no maciço rochoso, possuindo sempre as cotas altimétricas mais baixas, com declives relativamente suaves ao seu redor – as planícies aluviais. Estas zonas, extremamente férteis e procuradas para a construção, pela sua platitude e facilidade de edificação, na realidade, correspondem ao leito de cheia destes cursos de água, que com maior ou menor frequência pode vir a ser alagado, fruto de um período sazonal ou extraordinário de precipitação. Ora, a tendência que se tem vindo a verificar nas últimas décadas, um pouco por todo o mundo, corresponde à progressiva artificialização das planícies aluviais, impermeabilizando-as e desprovendo-as de vegetação.

De um ponto de vista bioclimático, se as zonas das planícies aluvias correspondem a zonas de baixos declives e alta fertilidade, por norma, correspondem a zonas de alta vegetação arbórea/arbustiva e herbácea. A vegetação, por si só, possui uma elevada capacidade de retenção das águas pluviais, inserindo-as nos sedimentos e, assim, nos lençóis freáticos, servindo como “esponja” para a intensa precipitação. Se a vegetação é removida e, no seu lugar, se constroem edifícios, levando à dita impermeabilização do solo, as águas pluviais que outrora se viam infiltradas, escorrem para o curso de água mais próximo, seguindo o princípio da gravidade. Estes cursos de água, deste modo, sofrem um incremento elevado de água no sistema hídrico, atingindo rapidamente o seu leito de cheia e, assim, invadindo a planície aluvial, levando a inundações e perda de vidas humanas.

Mesmo que, nos últimos anos, se tenham construído vários diques e barragens que servem, entre outras razões, para controlar os níveis de água e as variações sazonais, estas acabam por muitas vezes, agravar as situações de cheia locais – variando com o tempo de resposta dos cursos de água. Neste quesito, urge questionar – como parámos as inundações nos leitos de cheia? A resposta é óbvia e simples – não se pode parar. Os cursos de água possuem variações de milhares de anos, possuindo dinâmicas que em muito antecedem a vida humana, sendo regidos pelas leis da física. Apesar de aprazível a construção nos seus leitos de cheia, o Homem deve manter uma postura crítica e de previsão a fenómenos climáticos extraordinários, como grandes frentes ciclónicas, que levam a grandes precipitações. Em par, deve procurar efetuar um estudo importante do solo, compreendendo a sua espessura e caraterísticas, evitando, assim, movimentos em massa (como o que aconteceu em Petrópolis, no ano de 2022).

O Sistema Climático, com todas as suas componentes, é extremamente complexo e imprevisível. Quando se dão fenómenos extremos, como frentes ciclónicas ou incêndios, é incorreto atribuir imediatamente a uma causa climática, uma vez que o próprio Sistema Climático se desenvolve em resposta às dinâmicas de ocupação e utilização do solo, seja a escalas locais, sejam a escalas globais. Em situações isoladas, com importante componente da utilização do solo local, como no caso do Rio Grande do Sul, o Sistema Climático tem as suas atividades normais agravadas, pela ocupação abusiva e insustentável do solo, numa completa alineação do mundo antrópico para com o mundo natural.

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