1. Que se abrigará de tão raro na cabeça das pessoas que opinam sobre a direita para não acertarem uma? E insistirem em não acertar ? É um mistério: não podem ser todos assim tão pouco dotados, era coincidência forte demais (ou numa versão mais optimista era too good to be true); também não pode ser falta de informação e ninguém nasceu ontem: nem os que opinam nem os que são opinados. Só se for assim mesmo, de propósito… Senão como explicar erros de, como dizer?, “análise” tão grosseiramente desfocados? Às vezes pensa-se que será simplesmente, banalmente, trivialmente a preguiça: há um guião feito de clichés fora de prazo e toca a aviá-lo e escrevê-lo vezes sem conta. Não dá trabalho e há gente que a tudo se presta, da deficiente prestação televisiva à crónica ácida. Lembram-me até uma peça teatral que está em Londres há mais de oitenta anos, “A Ratoeira” que deve ser baratíssima: o mesmo teatro, o mesmo autor, o mesmo cenário, e os actores passando de geração em geração ou de pais para filhos como no governo socialista , sempre a dizerem o mesmo, o mesmo, o mesmo. Coitados.

2. Dizem-me que o ressentimento tudo explica e indo – como se deve ir – à natureza humana, ele está lá bem inscrito, em “gordas”, como nos jornais. Mas a verdade é que custa a crer que mesmo um grande, um imenso ressentido – alguém que tenha por exemplo sonhado ser o inspirado e inspirador guru intelectual de alguém e tenha afinal ficado longe disso, trocado por suposta (mas só suposta) menor figura – não se importe de, mais que ressentido, passar sobretudo por pouco sério ou por politicamente inverosímil, o que pode ser mau para quem tanto tempo, afinco e afã dedica à análise (?) dos comportamentos políticos dos outros. Contudo, é o que aí anda e o que aí está: as mesmas insinuações de péssimo gosto, falsidades disparadas como certezas, clichés mal alinhavados sem sombra de sentido e ainda menor conexão com a realidade. Ouve-se este realejo sobre a direita, ou as direitas, e tanto faz que passem dias ou anos: que ela é o que não é; que quer o que nunca disse querer; que aspira ao que já mostrou renegar, etc, etc. Espantoso que nenhum dos arautos se canse de si mesmo ou do guião, como os tais actores a repetirem há décadas a mesma peça. E é triste que nunca no debate político ocorra à esquerda avaliar o adversário pelos valores do mérito, da responsabilidade, da iniciativa, do currículo, mas sim pelo insulto político ou o acinte pessoal (caramba).

3. Vem isto a propósito dos desastrosos comentários sobre o Movimento 5.7. Nuns casos a idade mental explicará o desastre, noutros a indigestão provocada pela grosseria analítica terá aguda responsabilidade em tão patética empreitada. Já me habituara a esta má fé como reacção quase exclusiva a qualquer ideia, medida, proposta, intervenção, contributo do PSD ou do CDS, da Aliança ou de outro qualquer “alguém” fora do perímetro da geringonça, logo chutado para fora da área consentida pelas esquerdas. O mau gosto e a arrogância têm porém subido de grau, desqualificando obviamente os seus autores mas com isso desqualificando o país e o seu regime e os seus políticos.

Agora com o Movimento 5.7 a coisa ficou talvez com ainda pior cara. Não é que tenha muita importância mas aguça a curiosidade: porque se incomodam tanto — a ponto de terem de ser inexactos — com uma gente que mal conhecem? Porque os atemoriza que entre em cena uma nova geração que não está atarrachada ao domínio da esquerda, não se comove com os seus mandamentos culturais, não pertence ao grupo dos consentidos pelo grupo dos vigilantes consentidores, não pratica o Estado como único pulmão, nem depende “do” partido para respirar na vida? Outro mistério. Sucede porém — e este para mim é o ponto – que o comportamento de muitos destes protagonistas, actores principais ou segundas e terceiras figuras, pode ser fatal (já esta a ser). É que ao nivelar o debate político por tão baixa exigência, usando de manipulação e fazendo do poder uma coisa própria e privada, inviabiliza-se qualquer diálogo politicamente racional com a oposição. Em não havendo, há o que há: um regime exausto, improdutivo e malsão. O nosso.

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4. Se virmos a obsessão non stop com Passos Coelho (além de lhes ter ganho as eleições têm assim tanto medo que volte?); se ouvirmos a falsíssima narrativa que a esquerda não desiste de impôr na opinião publicada sobre os anos da coligação PSD/CDS e que qualquer ser normalmente constituído em Portugal sabe ser isso mesmo, falsíssima; se atentarmos nos esforços ciclópicos para reduzir a fortíssima herança reformista de Cavaco e o próprio Cavaco ao puro esquecimento — o único lider, em 43 anos de regime democrático, com quatro maiorias absolutas no país — já devíamos ter aprendido: a esquerda não olha a meios para refazer a história e ter o exclusivo de tudo. Do poder, do Estado, do império do seu partido sobre o resto dos partidos, do funcionalismo público, da cultura, dos costumes, das narrativas. E agora do pensamento que ela quer único (e por este andar da nossa alma).

Nada disto é novo? Não. Mas a razão hoje é espantar-me — desculpem a insistência — com a confrangedora argumentação escolhida pela esquerda contra a direita de que as atoardas contra o desafio cultural e político que o Movimento 5.7 encarna são a mais nítida radiografia. E, claro, com a falta de respeito que obviamente não pode deixar de suscitar quem assim prefere comportar-se politicamente: nada consentindo apenas insultando, nada contra-propondo, antes mentindo. Faz pena, mas isso é o menos. O mais é o que dá que pensar.

5. Ricardo Araújo Pereira passou há dias umas imagens embaraçantes (e em certo sentido destrambelhadas) de Marcelo Rebelo de Sousa, que eu inteiramente desconhecia. Em cada uma dessas imagens Rebelo de Sousa, embora em circunstâncias diferentes, diz sempre só uma coisa: “os portugueses são os melhores do mundo”, quer fossem bombeiros ou professores ou já não me lembro o quê. Uma pessoa distraída dirá que é um tique, um observador razoável acertará: o homem precisa de ser amado, amado até à exaustão, mimado, louvado. Senão, perde o pé. E por isso ama também, e louva e mima; para ter a certeza que lhe devolvem, se possível intacto, o “afecto”.

Deixo uma pergunta: se os portugueses são assim de uma penada e em tudo, os melhores e logo “do mundo”, porque é que atrás de nós só há, numa União Europeia que conta vinte e oito pátrias, dois países a crescer menos que Portugal (e daqui a pouco só haverá um, visto já ser certo que a Grécia nos ultrapassará)? Mais: e porque é que dos cinco países que a partir de 2011 foram sujeitos a duros programas de ajustamento – Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal e Chipre –, os outros quatro crescem saudavelmente e a olhos vistos e nós não? E ainda por cima “estando a economia a andar tão bem” como há pouco tempo nos lembrou solicitamente o Presidente dos “portugueses todos os melhores do mundo?

6: Ninguém tem vergonha? Mesmo sendo muito difícil escolher qual a vergonha, alguém tem alguma?

PS. Um dia ainda me hei-de entreter a rever a herança de Cavaco. Aquela sobre a qual as esquerdas se têm afanosamente ocupado em passar um rolo compressor por cima. Infelizmente para elas é facílimo fazer essa lista, além de que parte dessa boa herança está até muito à vista.