Bob Dylan, Greta Garbo, Daniel Day Lewis e Banksy são algumas das maiores estrelas das últimas décadas. Há neles, em comum, uma particularidade que me agrada bastante e que deve ser perpetuada pela sua raridade. Apesar de serem todos conhecidos por toda a gente, ninguém os conhece. São, paradoxalmente, indefiníveis para além dos seus méritos ou conquistas. Raramente falam (falavam, no caso de Greta Garbo) em público, raramente dão opiniões, raramente dão entrevistas – e, quando as dão, mentem como crianças pequenas –, e subsiste, em cada uma destas figuras, além de tantas contradições ocultas, uma inacessibilidade, uma certa incerteza, que conserva um estatuto quase divino, cujo mistério continuamos sem conhecer. É um enigma que os próprios não nos revelam, nem fazem questão: e esse segredo faz parte do seu sucesso. O que sabemos deles está presente nas obras de arte que fizeram ou que continuam a fazer. Depois disso, porque a missão está cumprida, saem de cena.

Mas esta virtude não está ao alcance de qualquer um. É, de facto, necessário, para que isso aconteça, para que duvidemos da humanidade desta gente, que sejam pessoas especiais, envoltas num estatuto particular que lhes permita, de quando em vez, vir ao mundo e desaparecer, sem grandes impressões digitais que não apenas as do seu trabalho.

Por essa razão, porque considero que são raros os casos de atletas que podem viver nesse pedestal, vejo com preocupação o desaparecimento público dos jogadores de futebol, e tenho cada vez mais razões conspirativas para desconfiar de que os jogadores de futebol em Portugal não são seres humanos. Os seres humanos cozinham, riem, pensam, dizem coisas parvas, dizem coisas acertadas, aparecem sem máscaras ou guiões previamente escritos. Os jogadores de futebol, em Portugal, ao contrário dos seres humanos, não fazem essas coisas mundanas. Fora aqueles que conheço pessoalmente e que não vivem dentro de redomas ou academias – que talvez sofram da regra confirmada pela exceção –, é muito invulgar avistar jogadores de futebol em público, a não ser naqueles ambientes protegidos e encubados, como os canais de comunicação dos próprios clubes onde jogam. Acerca deles, os profissionais de futebol em Portugal, não sabemos verdadeiramente quem são, o que pensam, se têm sentido de humor e se gostam mais dos surrealistas ou dos modernistas. Nem é preciso ir tão longe, para não ser ambicioso demais: acerca dos profissionais de futebol em Portugal, não fazemos ideia das suas opiniões sobre, imagine-se, futebol.

Com isto, não é meu desejo que, de hoje em diante, todos os extraterrestres que jogam futebol neste planeta dissertem qualquer rol de opiniões que têm sobre a vida do mundo em geral e do país em particular. Não pretendo, nem recomendo, que haja uma desmedida saída do armário, e que de repente passemos a ver uma metade como rostos da campanha penosa do Livre nas próximas eleições e outra metade no Vale Tudo, da SIC, ao domingo à noite. Mas gostava, em parâmetros equilibrados, no caso daqueles jogadores com a pretensão legítima de serem seres humanos livres, que os clubes não fossem tão paternalistas com eles, que não os protegessem tanto como na creche e que não os condicionassem a cada passo que dão, como se de um jardim zoológico se tratasse, na vida pública a que têm direito.

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O futebol português clama com urgência por proximidade. Os adeptos, nos quais me incluo, gostariam de conhecer mais os bastidores e as pessoas que ao fim de semana rematam uma bola. Se isso fosse possível, metade dos preconceitos enraizados sobre futebol e quem o pratica desapareceriam.

A familiaridade passível de ser gerada entre um jogador de futebol e um admirador de um jogador de futebol tem um potencial social tremendo, como acontece com algumas pessoas que aparecem na televisão: atores, cantores, políticos ou empresários. Além disso, contribuiria imenso para reaproximar os adeptos do jogo, coisa que, como sabemos, faz falta.

Por isso, se o próprio sistema, se os próprios clubes e instituições continuam a fazer dos futebolistas que jogam em Portugal pequenos imitadores de Dylan, estão a contribuir para que o futebol se afaste cada vez mais das pessoas. Todos nós, menos muitos dirigentes, já percebemos que o caminho não pode ser esse.

A relação entre quem vê e quem joga está na génese do futebol. Matar propositadamente essa relação é matar o jogo aos bocadinhos.