Estamos a cerca de duas semanas das eleições para Presidente dos EUA e as sondagens e estudos econométricos mostram os candidatos empatados, com uma ligeira vantagem de 2-3 pontos para os Democratas. Já os mercados financeiros estão à espera de uma vitória do Trump.[1]

É importante debruçarmo-nos sobre quais serão as políticas económicas dos dois candidatos, pois elas diferem de forma radical, e terão implicações bastante diferentes para nós na Europa e em Portugal. É também importante analisar as propostas concretas e as suas possíveis implicações fora da gritaria e hiperbolismo, e o wokismo e populismo dos comícios e de muitas declarações.

1 Porque é que os votantes americanos se sentem mal com a situação económica atual?

A performance da economia americana está em níveis normais. Com o PIB a crescer este ano a 2% e a taxa de desemprego em 4.4%, a economia está na sua tendência de longo prazo, embora a inflação esteja ainda nos 2,3%, mas com acentuada desaceleração e a economia esteja a arrefecer na criação de novos empregos. Contudo, as famílias confrontam-se com a elevada subida dos níveis de preços, que desde dezembro de1999 atinge 22%.

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Mas a fonte de insatisfação é a evolução dos salários reais, o que efetivamente representa o poder de compra do trabalhador médio. Durante a administração Biden-Harris deverá cair 5.2%, enquanto na administração Trump cresceu 12.8%! Baseando-nos nos dados do FED é possível concluir que não foi devido à queda da produtividade (esta subiu 7,5% desde inícios de 2020). O que se tem verificado é uma forte subida das margens de lucro das empresas. Desde já manifesta um forte problema de concorrência e de maior desigualdade, que era importante aprofundar. A taxa de pobreza subiu 4.6 pontos percentuais em 2022 e o número dos “sem abrigo” atinge níveis record, à medida que os programas durante a pandemia acabaram.

Os grandes projetos de despesa federal, bandeiras da administração Biden (CARES Act contra o Coronavirus; Build Better Act, Inflation Reduction Act e o Chips Act) provocaram, em conjunto com a política orçamental prosseguida, um aumento da dívida pública de 108 para 123% do PIB (dados do FMI), entre 1999 e 2024, e Biden deixa um défice primário estrutural de 4% do PIB, o que revela que a sustentabilidade da dívida no longo prazo é uma preocupação não menos importante, embora os EUA tenham um estatuto de emissores de reserva monetária.

2 As propostas dos Democratas: continuação das políticas de Biden [2]

Apesar de uma grande parte do eleitorado ser influenciado no seu voto pela situação económica atual e uma maioria não estar satisfeita com a situação económica deixada pelos Democratas, as propostas de Harris não parecem ser suficientemente convincentes para estes votantes. As políticas propostas pela atual vice-Presidente são relativamente vagas, não suficientemente fundamentadas e continuam dominadas pela ala esquerda do Partido, apesar da candidata se ter afastado de propostas mais radicais que defendeu antes da atual legislatura. Estas são algumas das razões por que Harris não se distancia claramente de Trump, que é um candidato envolto em sérias controvérsias.

Políticas Fiscal e Orçamental orientadas para apoiar a classe média e de baixos rendimentos

A política fiscal de Harris pretende reduzir a pobreza, subsidiando as despesas dos pais com as creches e escolas das crianças em 7% do rendimento daqueles, e reintroduz o crédito fiscal às crianças. Para facilitar o acesso à habitação estabelece um crédito fiscal de $25 mil para as pessoas que queiram comprar uma casa pela primeira vez. Também promete promover a construção de 3 milhões de casas sociais. Quanto aos empresários de pequena dimensão, propõe subir a dedução fiscal de $5 mil para $50 mil. Propõe ainda a continuação da redução de impostos introduzida por Trump para as famílias que ganhem menos de $400 mil por ano.

Quanto ao sistema de saúde, Harris apoia o Obamacare, com extensão dos poderes da administração para negociar os preços do Medicare com os privados.

Para ajudar a pagar estas medidas, os Democratas propõem subir a taxa do imposto sobre as sociedades de 21 para 28% que tinha sido fixada pelo Tax Cuts and Jobs Act de Trump em 2017. Simultaneamente subiriam a taxa de imposto sobre mais valias a longo prazo de 20 para 28%, para valores superiores a $1 milhão. Harris propõe aplicar a proposta de Biden de fixar um Mínimo de Imposto sobre o Rendimento para os Bilionários de 25% para quem aufere mais de $100 milhões.

Política Industrial vaga

A vice-Presidente propõe criar um crédito ao investimento para a indústria, designado por “America Forward” para promover investimentos e a criação de emprego em indústrias estratégicas como ferro e aço, biotecnologia, semicondutores, aeroespacial, IA, automóveis e agricultura. Propõe ainda investimentos em I&D de $100 mil milhões financiados pela reforma fiscal internacional ainda no Congresso.

Propõe uma política antitrust mais vigorosa, sobretudo de fusões e aquisições, bem como de combate aos preços excessivos sobretudo nos oligopólios. Propõe aumentar para o dobro o número de estágios e promover o recrutamento com base nas qualificações profissionais.

Apoia o fracking e uma redução significativa dos gastos na economia verde, dando sinais de menor ênfase na transição energética.

Políticas de Comércio Externo e Segurança com preocupação geoestratégica contra a China e continuidade com Biden

Segundo as declarações feitas por Harris e seus consultores não haverá alteração substancial das políticas externas em relação a Biden. Procurará manter a concorrência estratégica com a China sem completo decoupling. Vai manter a tarifa de 100% sobre os veículos elétricos importados da China, e manter as restrições ao investimento direto nos EUA da China e de investidores americanos na China.

Fará pressão para que os aliados da NATO gastem pelo menos 2% do PIB na defesa (23 dos 32 já o estão a fazer). Continuará as alianças atuais, assim como os pactos de segurança multilateral como o Quad e AUKUS (mas manter-se-á fora do Trans-Pacific Partnership), assim como as relações bilaterais com a Índia e Filipinas. Irá manter os EUA no acordo de Paris de redução das emissões com efeitos climáticos.

Quanto à imigração apoia a proposta de lei para restringir a imigração ilegal bi-partidária que foi bloqueada por pressão de Trump no Congresso.

Que implicações terá para a UE?

As políticas de Harris, como veremos abaixo, continuarão a manter um défice público elevado e não reduzem a trajetória ascendente da dívida pública, podendo causar alguns efeitos inflacionistas devido ao seu caráter expansionista. Assim, poderão inverter a tendência para a inflação e juros baixarem nos EUA, com spillovers para a UE.

Não será de esperar grandes alterações nas políticas de comércio externo nem de segurança em relação a Biden, embora Harris também insista na subida das despesas para segurança na Europa.

3 As propostas dos Republicanos: continuar com as políticas do primeiro mandato de Trump mas ainda mais radicais (pero non-tropo) [3]

Para estudarmos as políticas que Trump poderia implementar num segundo mandato, é essencial revisitar o que foi o seu primeiro mandato, e retirar toda a hipérbole que envolve os seus comícios. Por outro lado, continuamos a acreditar que o balanço do poder entre as instituições manterá a democracia, embora aqueles poderes tenham de redobrar a sua vigilância.

Política Fiscal orientada para a promoção do investimento, mas fortemente regressiva

Trump prometeu estender os cortes de impostos do seu Tax Cuts and Jobs Act de 2017, nomeadamente as isenções e deduções fiscais no imposto sobre rendimentos. Também prometeu reduzir a taxa de imposto sobre os lucros de 21 para 15% – mas só para as empresas que produzem nos EUA, que presumimos envolva a definição do nível de incorporação de produtos nacionais. Também prometeu tornar dedutíveis os juros pagos em empréstimos para compra de automóveis. Também propõe o teto de 10% aos juros pagos dos cartões de crédito.

Trump opõe-se ao Inflation Reduction Act de 2022, no que respeita às medidas ambientais e promete cancelar todos os fundos que ainda não foram gastos. Também se opõe a grande parte das medidas climáticas, prometendo acabar com a “guerra” que Biden declarou à produção de energia americana.

Propõe compensar a queda de receitas dos impostos sobre o rendimento com o aumento das tarifas no comércio externo, política que é regressiva, pois as tarifas são pagas por todos os consumidores, independentemente do seu rendimento. É o regresso às políticas fiscais do século XIX.

Políticas de imigração: controle e expulsão de imigrantes ilegais

As estimativas de imigração líquida (legal) (Figura 1) mostram um forte aumento nos últimos anos. Durante o período de Biden os imigrantes legais residentes subiram entre 3,9 a 4,7 milhões, e no período de Trump entre 1,3 e 2,7 milhões. Segundo o departamento de Homeland Security, em 2023 e 2024 terão entrado cerca de 2,6 milhões imigrantes legais (em termos brutos). Qualquer destes números marca um record nos níveis de imigração. A estes valores há ainda que adicionar a imigração ilegal que deve ter atingido cerca de 600 a 800 mil, por ano, nestes dois últimos anos. Não surpreende que estes níveis estejam a preocupar os votantes americanos.

Numa manobra eleitoral, Trump conseguiu que os Republicanos rejeitassem novas leis para controlar a fronteira com o México, para agora endurecer as medidas propostas para este controle. O candidato começou por propor medidas de expulsão imediata de criminosos imigrantes utilizando o Alien Enemies Act. Já em fevereiro deste ano começou a ameaçar em deportar em massa os imigrantes ilegais.

Figura 1

Fonte: Census Bureau, Pew Center e Brookings

O economista Warwick McKibbin da Brookings estimou que a deportação de 1,3 milhões de trabalhadores imigrantes provocaria um aumento de 1,3 pontos percentuais na inflação por aumento dos salários médios, e uma queda no PIB de 2,1 pontos percentuais, o que teria um impacto bastante negativo na economia americana. A Goldman Sachs estimou que a entrada anual de imigrantes seria 1,2 milhões inferior no caso de Trump ganhar com uma governação dividida, em contraste com a vitória de Harris. No caso de uma grande vitória republicana, a imigração bruta seria reduzida a níveis ínfimos.

Em contraste, Trump prometeu dar a “green card” a todos os estudantes estrangeiros que se graduassem nas universidades americanas.

Política de comércio e investimentos externo centrados nas preocupações geoestratégicas

Numa entrevista, Trump afirmava recentemente, “NATO was busted until I came along,” Trump said. “I said, ‘Everybody’s going to pay.’ They said, ‘Well, if we don’t pay, are you still going to protect us?’ I said, ‘Absolutely not.’ They couldn’t believe the answer.”

Num ensaio para o Economist, Nadia Schadlow, que serviu brevemente na administração Trump, sugere uma interpretação mais amena da política externa, afastando a hipótese de abandono da NATO e dos parceiros europeus, provavelmente uma repetição do seu primeiro mandato: ameaça de imposição de tarifas e réplica nas que forem impostas pelos parceiros comerciais, forçar a Europa a consumir mais produtos energéticos americanos. No que se refere às relações com a China, a “América e Europa deveriam apresentar uma frente comum. A China tenta forçar a desindustrialização de ambos através de concorrência desleal”. E, nós acrescentaríamos: além da China procurar a fragmentação de opiniões entre Estados Membros e o desmembramento da EU.

De entre as propostas de Trump está o plano de fasear em 4 anos as importações de bens essenciais da China, bem assim como evitar que a China compre empresas americanas, em particular proibindo que invistam em setores estratégicos como energia, transportes, tecnologia, telecomunicações e recursos naturais, assim como forçar a venda de ativos que detenham nestes setores. Também pretende desencorajar o investimento das empresas americanas na China.

Quanto à política tarifária, a sua maior arma de arremesso numa possível guerra comercial, Trump considera impor tarifas adicionais às importações da China até 60%. Outra medida seria impor uma sobretaxa de 10-20% em todas as importações. Outra medida seria impor uma tarifa de 100% nos carros importados do México, para desencorajar as marcas chinesas de montarem fábricas no México para evitar as tarifas de entrada nos EUA.

Com base nos cálculos da Goldman Sachs, estima-se que a imposição da tarifa sobre todas as importações leve a uma subida da inflação de 1 a 2 pontos percentuais.

O Peterson Institute, um dos mais prestigiados think-tanks de economia internacional, estima uma redução do PIB entre 1 e 1,4% devido à imposição das tarifas, apenas no curto prazo (Quadro 1). Mais ainda, esta medida levaria a uma redução do rendimento da metade mais pobre na distribuição do rendimento em 3,5%. Cada família típica da classe média pagaria pelo menos $1.700 em impostos adicionais cada ano, devido às tarifas aduaneiras.

Quadro 1

Fonte: Kimberly and Lovely, Why Trump´s Tariff Proposals would Harm Working Americans, May 2024

Que implicações para a UE?

As políticas de Trump ainda acentuariam mais o impacto inflacionário do que as de Harris. Continuarão a manter um défice público elevado e acentuarão a subida da dívida pública, fazendo subir as taxas de juro a nível mundial. Implicarão uma maior despesa em defesa, sobretudo para os países que ainda não atingiram os 2% (podendo mesmo ser exigidos 3%).

Por outro lado, a UE tem de estar preparada para negociações duras sobre a subida das tarifas aduaneiras, que poderão ser também dirigidas a grupos de produtos específicos, como os automóveis.

Não menos importantes serão as preocupações geoestratégicas que poderão estar associadas a um agravamento das tensões, sobretudo com o Irão no Médio Oriente e com a China relativamente ao Irão. Por outro lado, desconhecemos a “solução imediata” que Trump anuncia em relação à guerra da Rússia contra a Ucrânia, embora se anteveja o congelamento do conflito nas linhas de combate atuais, ou com alguma troca de territórios.

4 Impacto Orçamental das Propostas

A organização independente, Committee for a Responsible Federal Budget fez as estimativas do impacto das medidas propostas por Harris e Trump sobre o orçamento.[4]

Conforme afirmamos no início, um dos problemas mais sérios dos EUA é a elevada e galopante dívida pública. Esta ameaça provocar a redução da taxa de crescimento do PIB, fazer subir as taxas de juro, enfraquecer a segurança nacional, constringir as escolhas públicas e aumentar o risco de uma eventual crise financeira.

Nenhum dos candidatos se preocupou em apresentar programas de redução da dívida pública.

As projeções centrais daquele organismo apresentam para Harris um aumento de $3,5 biliões na dívida pública, enquanto no caso de Trump o aumento é de $7,5 biliões, até 2035.

Figura 2

Enquanto num cenário de “sem alterações de políticas” o rácio da dívida pública subiria 25 pontos percentuais até 2035, no caso das propostas de Harris subiria 33 pontos e no caso de Trump 42 pontos percentuais, sobre o nível já elevado de 2024. Ou os candidatos terão de rever seriamente as suas propostas quando formularem os seus planos de governo ou teremos uma situação séria de dívida pública no final deste decénio.

5 Conclusões

A UE enfrenta problemas sérios de quase estagnação no crescimento económico, sobretudo devido à Alemanha, que arrasta os outros países, bem assim como a gradual deterioração da situação geo-política a nível internacional. A polarização dos sistemas políticos e a fragmentação entre os próprios Estados Membros, são outras das ameaças. Também não se antecipam reformas nem alterações substanciais das políticas económicas a nível comunitário, embora a clarificação da situação política na Alemanha possa ser um fator de otimismo.

A vitória de qualquer dos dois candidatos nas próximas eleições não irá contribuir substancialmente para a resolução destes problemas europeus. Enquanto a vitória de Harris significa em grande parte a continuação das políticas de Biden em relação à UE, não sendo de esperar grandes alterações, já a vitória de Trump é um regresso à época do seu primeiro mandato. Mas este regresso trará implicações mais sérias no domínio da inflação, taxas de juro mais elevadas, eventualmente um dólar mais forte[5] no curto a médio prazo, e uma situação geopolítica mais incerta.

[1] Mas estes também se enganam, como aconteceu com o Brexit.
[2] O seu programa intitula-se “A New Way Forward for the Middle Class” e está disponível em Policy_Book_Economic-Opportunity.pdf
[3] Veja-se a sua plataforma eleitoral e o programa “To Make America Great Again” em Platform | Donald J. Trump

[4] O detalhe dos cálculos está em The Fiscal Impact of the Harris and Trump Campaign Plans-Mon, 10/07/2024 – 12:00 | Committee for a Responsible Federal Budget

[5] Empirica e teoricamente, a subida das tarifas leva a um decréscimo do PIB e da produtividade. O aumento das tarifas também leva a uma apreciação da moeda, maior desigualdade e tem um efeito reduzido, no médio prazo, sobre o défice externo. (Veja-se o Working Paper 19/9 do FMI). As descidas de impostos sobre as empresas também originam apreciação do dólar. Mas no longo prazo o efeito fiscal (dívida) sobre a subida do nível de preços, e abaixa da produtividade, leva a uma depreciação.