“Ganha dinheiro honestamente, se puderes. Se não, como puderes”
Horácio
Por razões que não consigo descortinar, mas que devem radicar numa qualquer explicação freudiana, sempre associei o nome Horácio a pintores. Que me perdoem os Horácios deste mundo, mestres de outros labores e creiam-me não existir nesta “dicotomia” qualquer desprimor. É, como referi, uma questão que horas de psicoterapia não logram explicar.
Quintus Horatius Flaccus foi o primeiro, ou dos primeiros, a definir os pecados capitais como actos contra Deus e os outros seres humanos. O que se percebe e se aceita. Alguém que nasce com o nome Quintus, parte logo em desvantagem. Começa a meio da tabela, com outros quatro pela frente. Talvez por Quintus preceder o Horatius, este não era pintor. Talvez, também, por ter nascido em época em que os anos se contavam a decrescer, ter a net em baixo e a sporttv por pagar, deu na cabeça do bom homem, exercer essa actividade perigosa e hoje quase em desuso, de se pôr a pensar. Terá pensado numa data de coisas e, antes de qualquer outro, nesta questão dos pecados (aqui primus, toma!). Abriu a caixa de Pandora já que, embora a coisa tenha ficado em banho maria, seiscentos anos depois, Gregório Magno ressuscitou-a, apondo-lhe o termo capital. Não por subserviência à Roma antiga, antes por escalpelização do termo Caput: cabeça, chefe, líder. Ou seja, para o Santo Padre, existiam pecados típicos dos líderes, que os definiu não como erros concretos, mas como estados de espírito que podem levar uma pessoa a cometê-los.
Dando um salto epistemológico e temporal, Dante Alighieri – il sommo poeta – passou da pena ao papel A Divina Comédia, onde retrata os três estados da alma: o céu, o inferno e o purgatório. Divide este último em sete círculos, a que faz corresponder cada um dos sete pecados capitais. Agrupa a luxúria, a gula e a avareza, dizendo tratarem-se de pecados motivados pelo apego aos bens materiais. A preguiça é autonomizada porque deriva da insuficiência de amor e, no topo da gravidade, seguem a raiva, a inveja e a soberba, justificados pelo amor pervertido.
Embora os partidos e seus líderes comunguem um pouco de cada um destes pecados, julgamos existirem alguns traços marcantes em cada um deles.
Marcelo Rebelo de Sousa: luxúria
O homem que em popularidade bate aos pontos o Tony Carreira, que disputa o número de selfies com o Ronaldo, que se ri e mostra os dentes mais do que qualquer anúncio publicitário de uma pasta de dentes, que passou de comentador a Presidente sem fazer campanha, que foi eleito com os votos de uma direita liberal e que quer ser reeleito com os votos de uma esquerda radical… É, também, o homem que nunca se compromete, que nunca sabe de nada, que abusa do “É preciso apurar responsabilidades”, que tardam ou nunca aparecem, que confunde um magistério político com a aceitação social. O último garante da estabilidade democrática e institucional é incapaz de tomar uma posição de força, de dar um murro na mesa, de ter um agravar de voz com medo de provocar um rombo na sua imagem. O homem que, enquanto comentador, vomitava opiniões ao ritmo de um estudante em plena queima das fitas e a quem, enquanto Presidente da República, não se lhe conhece uma original ou fracturante, teve a necessidade de vir, de assomo e a desterro, desmentir que fosse o papagaio-mor do reino e que não é nenhum criminoso (apesar de ser o Chefe Supremo das Forças Armadas e do conhecimento do processo Tancos por parte do seu Chefe da Casa Militar).
Resta apenas a surpresa de não ter feito em directo para o programa da Cristina!
CDS e Assunção Cristas: gula
Não, não é pelo arroz de atum!
A perda de eleitores do CDS levou-o a cozinhar pratos que não gosta, a fazer misturas que não combinam e a usar ingredientes bafientos e de resultado duvidoso. Deu asas à criatividade, experimentou a cozinha de fusão e, mais tarde a molecular – ao nível da previsão dos seus resultados eleitorais. Perdeu-se nos vapores e só assim se explicam ideias como o pagamento de fee de entrada no ensino superior, a criação de uma rede nacional de creches e jardins de infância tendencialmente gratuitos ou a disponibilização de património do Estado para os jovens que querem ter o seu primeiro filho.
Cristas terá sido a única, dentro do seu próprio partido, que não percebeu ser uma líder a prazo. Foi eleita na sequência de um processo, mais do que de sucessão, de orfandade de líder. Seria uma manobra de cosmética: mulher, jovem, bonita, enérgica e vibrante, mas nunca para ser levada a sério como alternativa governativa, apenas para preparar terreno para outro candidato mais ortodoxo com a matriz ideológica do partido. O candidato tardou em aparecer e Cristas foi-se eternizando no lume como uma chanfana de borrego, sujeitando-se a ter que trocar o táxi por um tuk-tuk.
Sairá queimada, pela Porta(s) pequena!
Bloco de Esquerda e Catarina Martins: avareza
Como neófito nestas andanças (quando comparado com os outros!), também o BE parece ter inalado vapores estranhos, calcorreando caminhos que manifestamente não são os seus, numa desabrida e desregrada caça ao voto. À falta de arma adequada e de munição certeira 8tancos não passou por aqui!), vai de bacamarte, sem direcção precisa, mas pronta a estraçalhar tudo e todos. Renega o pai, se preciso for (como o fez!), apunhala os amigos (como também o fez!), permite que deputados da nação desrespeitem frontalmente a lei (idem!), mascara a especulação imobiliária quando praticada por patrícios e permite-se diatribes autoritárias com tiques de tiranete como se a opinião da esquerda radical fosse superior a qualquer outra, tomada à força, se necessário, como os supositórios!
Segundo Dante, a avareza, perfilha sete filhas: a traição, a fraude, a mentira, o perjúrio, a inquietude, a violência e a dureza de coração.
Em terreno árido de ideias, fruto da evaporação intelectual da sua líder (talvez por falta de cobertura no toutiço – pelo que se aconselha boina, de futuro), passou a dizer-se social democrata, admite que os orçamentos que aprovou durante quatro anos estejam mascarados, concedeu que o PS (a quem deu a mão, o braço, o tronco, o corpo todo) afinal não ganhou as eleições, defende o patronato nas greves, ataca (em vésperas de eleições) o Governo, com unhas e dentes, quando (se) calou (em) Pedrógão e Tancos, opina e tenta ingerir em governos externos democraticamente eleitos, nega a crise na Venezuela, vocifera contra os bancos, o grande capital, a corrupção, mas remete-se a um silêncio ensurdecedor quando o governo presta assistência a esses mesmos bancos, dá a mão aos capitalistas ou embarca em escândalos sucessivos de amiguismos, compadrios ou de corrupção…
Sim, Catarina, já sabemos: a culpa é do Passos!
Não deveria valer tudo, mas vale: o poder a qualquer custo.
Enfim… que venha chuva!
O povo: preguiça
O português é um povo curioso. Seis séculos depois dos descobrimentos ainda sofre do síndrome além-mar. É capaz de se insurgir contra a eleição do Trump, destilar fígados contra Bolsonaro, organizar manifestações, propor boicotes e revoltar-se por causa da Amazónia, mostrar-se compungido e solidário com discursos de suecos em Nova York, mas incapaz de levantar o rabiote, uma vez a cada quatro anos para ir votar. Vai treinando o discurso, a revolta, cospe memes, incendeia o Facebook, ganha calos nos dedos por causa dos tweets, faz-se doutor de café, mas nunca vai a jogo…
Vive numa espécie de morfina espiritual no que respeita à política interna.
Cai na acídia, na apatia, na modorra, na letargia, na eterna procrastinação, com um travo de autopiedade e pronto a aprimorar a crítica para os quatro anos subsequentes…
A reivindicação de sofá raramente dá frutos… Abstenção em máximos históricos; a maioria dos indicadores a apontar para um país cada vez mais próximo do abismo e a agravarem a distância relativamente àqueles com quem nos deveríamos comparar, mas –“Maria, traz-me mais uma cerveja que já me dói a voz de tanto insultar estes bandalhos!”. E por aqui ficamos, nesta revolta passiva alimentada a cevada.
Há solução? Há, várias! Mas nenhuma popular e que garanta votos!
PCP e Jerónimo: raiva
Por razões históricas, por matriz ideológica ou porque ainda não aderiu aos equipamentos modernos, tem a cassete em loop permanente há mais de quarenta anos. Nunca foi hit, nunca foi garantia de sucesso, mas rivalizam com os Stones no que diz respeito a longevidade. Que mundo deixará a humanidade aos comunistas?
Controlam a maior central sindical e é apenas isso que os mantém vivos. Vivem de purgas internas e da luta do proletariado, mas apenas quando lhes convém.
Jerónimo personifica o pecado instintivo, a fornalha do diabo, porque atiça os outros pecados e inflama o seu potencial. Continua a capitalizar cravos quando a história demonstra apenas um aproveitamento posterior à revolução, confiando na ignorância dos eleitores. Prestou-se a inédita subserviência na geringonça e, tal como Catarina, calou a voz quando ela mais se deveria ouvir.
Aguardamos pela coerência e esperamos ouvi-lo defender que o património do partido também deva ser tributado. Ou por um recibo da festa do Avante!
PSD e Rui Rio: inveja
O PSD é – e sempre foi – um partido autofágico. Hidra, filha de Tifão e de Equidna, tinha um corpo de dragão e várias cabeças de serpente. Reza a lenda que, cortando-se uma delas, duas nasceriam no seu lugar.
Talvez pela natureza pouco usual do monstro, também o PSD andou hibernado. Saiu há pouco da toca – e nem sempre bem – capitalizando muito mais os despojos socialistas, do que ganhos próprios. O PSD tem nos seus quadros gente de enorme valia, mas de pouca coragem, sempre a sopesar o momento e a ponderar vantagens pessoais em detrimento das necessidades do partido em cada momento, adiando o combate e falseando amizades e apoios a quo e ad quem, aguardando pelo momento para desferir o golpe.
O pecado de Rio é endémico. Nunca superou o trauma de Passos Coelho e sofre do síndrome de Pitágoras. Reduz o país a números e equações, esquecendo-se das pessoas, que, mais do que contas, uma nação é representada por um povo e um território. Como os pitagóricos não distingue forma, lei ou substância, achando que a relação entre estes resulta de conjugações numéricas.
Rio nunca percebeu o partido e nunca perceberá o país. Num e noutro caso, julga-se acima de ambos. No partido menoriza os críticos, altaneia os apaniguados e segue um trilho deificado, como se tal bastasse.
Pitágoras teimava em rejeitar alunos por considerar que eles não estariam à sua altura. Um deles comandou uma tropa ensandecida que matou o mestre.
No PSD prepara-se a sucessão nos bastidores, sendo várias as cabeças das víboras à espreita…
PS e António Costa: soberba
Se ao PSD lhe emprestamos a figura de Hidra – um só corpo, várias cabeças – o PS é merecedor da colagem a Durga, deusa hindu de uma cabeça com três olhos e vários braços (segundo as lendas variam entre oito e dezoito), tendo ainda a capacidade de se transformar no animal que pretenda ou adquirir forma humana.
Ao contrário do PSD, o método é mais eficaz e colhe frutos. A cabeça espalha os seus tentáculos por onde pode, materializa-se, dissimula e ataca: “Quem se mete com o PS, leva!”, como se o partido fosse mais importante que o país. Para eles é, de facto! Cada braço é um familiar, um amigo, a quem a cabeça alimenta e de quem a cabeça depende. Sócrates experimentou o sucesso e Costa repetiu a receita, aumentando e prolongando os tentáculos.
Ao contrário de Rio, Costa percebe o partido e o país. Não percebe de finanças, não percebe de saúde, não percebe de educação, não percebe de nada que não a política pura e dura, dominando a arte desde a extracção do minério até à lapidação do diamante. Vai ainda mais longe. Domina o embrulho, o marketing e a assistência pós-venda. Percebeu que não é preciso ganhar as eleições para governar. E percebeu que nem sequer é preciso governar para ganhar eleições.
Percebeu que pode substituir PGRs e interferir na justiça a seu bel-prazer. Percebeu que toda a gente tem familiares e que é normal dar-se-lhes uma mãozinha (estão a ver? E nem sequer foi propositado!). Percebeu que uma educação que não funciona, um sistema de saúde em ruptura, uma protecção civil incompetente ou uma rede de transportes inoperante, não lhe traz consequências. Percebeu que pode aproveitar as greves, censurar televisões e imprensa e sindicar ordens profissionais e sair incólume. Percebeu que escândalos como familygates, Tancos, as sucessivas demissões no Governo (históricas!) ou até mesmo Pedrogão, acabam esquecidas na espuma dos dias. Percebeu que indicadores económicos como a maior dívida de sempre, a maior carga fiscal de que há memória, um péssimo crescimento económico, uma balança comercial deficitária ou um número de cativações em paralelo, correrão rio abaixo. Percebeu que nem sequer precisa de ter um osso para colocar o BE e o PCP a disputá-lo.
E, sobretudo, percebeu que a voz do povo apenas ecoa para que a Maria traga a cerveja do frigorífico… Rápido, de preferência, para que se possa continuar a insultar os bandalhos!