Com temperaturas em níveis históricos, 2023 foi oficialmente considerado o ano mais quente desde que há registo, segundo o relatório do observatório europeu Copernicus. Mais de 200 milhões de pessoas veem o local onde vivem ameaçado e cerca de 1 milhão de espécies estão em vias de extinção. A quantidade de gases na atmosfera é comparável à de há 4 milhões de anos, quando o nível do mar estava 25 metros acima do atual. Estes são números que nos devem preocupar a todos e para os quais a comunidade científica olha atenta e apreensivamente. A Ciência diz-nos que o nosso planeta está a mudar de forma rápida e dramática, com profundos impactos em toda a Humanidade.
As alterações climáticas não se limitam ao desafio científico. São, também, um dilema moral e ético, uma questão de justiça e de direitos humanos, que exige a nossa atenção imediata e uma ação coordenada por parte de todos os agentes envolvidos. O que torna esta questão tão singular é a sua natureza transversal, afetando todos os aspetos das nossas vidas e transcendendo as fronteiras geográficas e temporais.
Destaco, assim, três desafios éticos que julgo merecerem uma reflexão profunda de toda a sociedade:
1) Globalização: As emissões de gases poluentes são um problema global e as suas consequências não se limitam a uma única localização geográfica. Quando emitimos gases num local, eles terão impacto em todo o planeta, o que nos coloca perante um dilema ético: tem uma nação o direito de poluir indiscriminadamente, colocando em risco todas as restantes populações do planeta? É eticamente aceitável que alguns países façam um esforço financeiro e político enorme, no sentido de reduzir as emissões, enquanto outros continuam a comissionar, por exemplo, centrais a carvão?
Estamos perante um desafio imenso, que é o da necessidade de uma ação concertada entre os vários países. Se aprendemos alguma coisa com a pandemia COVID 19 é que agir localmente não é suficiente para um problema global. Só cooperando conseguiremos.
Contudo, o que assistimos nos dias de hoje é a uma grande polarização política, com enormes tensões e conflitos reais em várias partes do mundo. Estes conflitos não só desviam a atenção e os recursos, como dividem ainda mais as nações. A falta de uma autoridade política internacional eficaz para lidar com as alterações climáticas aprofunda essa divisão. Sabemos todos que, normalmente, as instituições políticas operam lentamente, mesmo quando as intenções dos seus líderes são as melhores. O problema é que não temos esse tempo. Urge encontrar soluções de convergência entre todos os atores do Planeta.
2) Desigualdade: Cerca de 50% do total das emissões de carbono são emitidas por 10% da população mais rica a nível mundial. Mas é nos países mais pobres e que menos poluem que os impactos das alterações climáticas mais se têm sentido, o que moralmente é difícil de aceitar. As implicações éticas da mudança climática ameaçam não apenas os ecossistemas do planeta, mas também os nossos direitos fundamentais, ao criar injustiças e ao ampliar as desigualdades.
Os países e grupos mais pobres estão mais vulneráveis às alterações climáticas, com recursos limitados para se adaptarem a essas mudanças, enquanto os mais ricos, menos afetados, dispõem de recursos adicionais para se adaptarem mais facilmente.
É hoje certo que já não conseguimos evitar alguns impactos negativos graves. Alguns poderão ser minimizados através da adaptação, como a migração de populações vulneráveis. Outros terão de ser suportados pelas populações, como o aumento das temperaturas, as secas e a destruição de alguns habitats. Ambos os casos levantam questões sobre quem deve suportar os encargos, quer com a adaptação, quer com a mitigação.
Na verdade, os países mais desenvolvidos não foram capazes, até hoje, de cumprir os acordos que fizeram em Copenhaga, em 2009, e reiterados em Paris, em 2015, no sentido de doar 100 mil milhões de dólares aos países mais vulneráveis, para que estes possam adaptar-se e absorver os impactos das alterações climáticas. Esse acordo expira em 2025, sem que provavelmente venha a ser cumprido, reforçando as questões complexas de ética e justiça global.
3) Conflito ético intergeracional: Um estudo recente estimou que uma criança nascida em 2020 enfrentará, ao longo da sua vida, 7 a 10 vezes mais eventos climáticos extremos, do que as pessoas que nasceram nas décadas de 60 ou 70. Sabe-se que as emissões perduram na atmosfera por décadas, gerando impactos negativos ao longo desse tempo e legando uma herança injusta às gerações vindouras, que herdarão um planeta muito mais vulnerável do que aquele que nós encontrámos.
Levantam-se, portanto, questões particularmente prementes, como quais os riscos que aqueles que vivem hoje podem impor às gerações futuras, e como os recursos naturais disponíveis podem ser utilizados sem ameaçar o funcionamento sustentável dos ecossistemas do planeta. Além disso, ao discutirmos os direitos das futuras gerações, é essencial manter um equilíbrio entre as necessidades das gerações presentes e das que estão por vir.
Este problema ético é agravado, também, pela gestão política, que tende a optar por medidas com efeitos mais imediatos, em detrimento de ações que custam muito dinheiro hoje e que só terão efeitos práticos no futuro. Adicionalmente, a mitigação de impactos climáticos futuros, traduz-se em esforços elevados das atuais gerações, colocando-se o conflito ético, sobre qual deve ser a nossa obrigação para com as gerações futuras.
O foco principal reside nos problemas morais da imposição de riscos intergeracionais e nos requisitos éticos de uma governação justa e sustentável dos recursos naturais. Ambas as questões afetam muito o mundo em que viverão os nossos filhos, netos e as gerações futuras.
Em jeito de conclusão, a questão premente que nos deve preocupar é o destino da humanidade. As alterações climáticas descontroladas podem tornar a existência humana na Terra extraordinariamente difícil, senão impossível.
Este é o desafio de várias gerações. Nós somos os únicos responsáveis por uma vida mais sustentável a bem do planeta que queremos deixar às futuras gerações.
É imperativo que estas inquietações ambientais estejam em consonância com o respeito pelos direitos humanos e a equitativa consideração de todos os indivíduos. Reconhecemos que nem todas as populações humanas enfrentam o desafio climático em igual medida. Cabe-nos a todos gerir esta crise de forma solidária.