1 Hoje somos todos chamados a votar. O voto tem um valor simbólico e político. A democracia não se esgota nas eleições para deputados à assembleia da república, não só porque há várias escalas e espaços democráticos (democracia regional e local, democracia nas escolas e nas universidades), mas também porque o essencial do processo democrático, desenrola-se após as eleições, na deliberação política parlamentar que é pública. Apesar disso, não há dúvida que o dia das eleições legislativas traz consigo uma carga simbólica e afectiva muito grande. É uma de apenas três eleições (com as Presidenciais e Europeias) a que todos somos chamados a participar, mas é aquela cujas implicações na vida quotidiana dos cidadãos e do país é maior. As eleições legislativas, concretizam um direito de cidadania e pelo seu lado simbólico reforçam o sentido da nossa comunidade a que damos o nome de Portugal. A ideia de democracia é que devemos aceitarmo-nos e respeitarmo-nos mutuamente na pluralidade das nossas diferenças ideológicas, e aceitarmos que do resultado desta competição política saia, seja qual for a configuração, uma maioria parlamentar que apoie um governo para uma legislatura. É aceitar ainda que o conjunto de deputados a ser eleito vai, através do debate político e no final através do seu voto, decidir sobre projetos e propostas legislativas usando a regra da maioria simples (na maior parte dos casos), e com geometrias naturalmente variáveis. A democracia é antes do mais uma aceitação colectiva, quase consensual, do método democrático inscrito na Constituição, na lei eleitoral e outras leis relevantes que determinam as regras de formação de governo, de legislar, etc. A regra basilar do direito de cidadania é que cada cidadão tem um voto, ou seja a priori o poder político soberano é dividido de forma igualitária por cada um dos cidadãos.

2 O voto de hoje terá também um valor económico significativo de que pouco se fala quer nos partidos pequenos quer nos grandes. A democracia tem obviamente custos e assentando em partidos políticos, justifica-se que existam subvenções públicas que os comparticipam. Ao votar num partido, ao contrário de voto em branco ou nulo, o eleitor está a consignar a esse partido 2,91 euros da receita fiscal nacional, durante cada um dos próximos quatro anos (90% de 1/135 avos, do Indexante de apoios sociais ou IAS) caso esse partido atinja os 50 mil votos, quer eleja deputados ou não. Este impacto económico da votação de hoje no financiamento e na vida dos partidos políticos não é nada dispiciendo. Nos pequenos partidos, a diferença entre ter 49.999 ou menos votos e 50.000 é passar de 0 euros em subvenção pública para funcionamento para 145.243 euros por cada ano da legislatura (assume-se para simplificar o IAS de 2019 constante). Ou seja o que poderá estar em causa é a sobrevivência desses pequenos partidos. Nos grandes partidos a questão é diferente. Ter mais ou menos 100.000 votos, para além do impacto que isso terá no número de mandatos, tem um impacto financeiro considerável. Será mais ou menos 290.506,67 euros em cada um dos quatro anos da legislatura ou seja mais de um milhão de euros ao longo da legislatura. É fácil calcular o impacto de um partido ter mais ou menos meio milhão de votos. Para além deste financiamento corrente dos partidos que decorre diretamente do voto, existe o apoio financeiro aos grupos parlamentares e deputados eleitos, e o apoio financeiro às campanhas eleitorais. O voto de cada um de nós revela preferências políticas mas também determinará para onde irá esse financiamento partidário.

3 O voto traz consigo a responsabilidade não apenas de quem vota, na escolha da solução política, mas de quem será eleito. Hoje serão eleitos 230 deputados, alguns repetindo a anterior legislatura, mas muitos serão novos. A principal responsabilidade dos eleitos é a de elevar a dignidade da instituição parlamentar, a instituição por excelência da nossa democracia representativa. Isto traduz-se um muitas pequenas coisas práticas que, em conjunto, dão uma imagem, melhor ou pior, do parlamento. É importante que os partidos políticos defendam no parlamento aquilo que inscreveram nos seus programas eleitorais em campanha. E que se tiverem de alterar posições que o justifiquem bem (e.g. porque foi necessário fazer compromissos e cedências, ou outras razões). É necessário que os grupos parlamentares sejam produtivos, beneficiem das capacidades dos seus deputados e assessores, o que nem sempre é fácil. Idealmente, como prevê a Constituição e a lei, deveriam ser dadas condições aos deputados para trabalharem e que eles as utilizassem. Há uma dimensão material e humana (apoio de secretariado e assessoria) mas há também aqui uma dimensão pessoal das “condições para trabalhar”. O deputado deve ter a noção clara de que não tem o dom da ubiquidade, e que como o tempo é um recurso escasso, tem que fazer opções. Uma das coisas que mais contribui para a fraca produtividade do parlamento é precisamente a completa dispersão da vida do deputado mediano, que tem de repartir o seu tempo entre uma multiplicidade de tarefas. Se algumas são de certo modo inevitáveis, dado os cargos políticos que ocupa, muitas outras são voluntárias e das duas uma: ou são declinadas pelo deputado ou são acumuladas e a qualidade do trabalho ressente-se seriamente. Deveria reavaliar-se  regras regimentais e outras regras processuais em momentos críticos e relevantes como os Orçamentos de Estado para se evitar problemas do passado. Adicionalmente, ficou bem demonstrado nesta legislatura que o comportamento mais ou menos ético de cada deputado afecta a imagem de toda a instituição. O cumprimento de normas éticas tão simples como a assiduidade e o registo efetivo de presenças, um uso adequado de ajudas de custo para viagens, um comportamento em plenário ou comissões parlamentares, com propriedade, civilidade e respeito pelos adversários políticos, tudo isso é da responsabilidade individual do deputado e contribui para melhorar a imagem da Assembleia da República e com ela o gosto da democracia. É possível ter combates políticos sérios e dignos sem insultar ou vilipendiar quem está noutras bancadas. Violar estes princípios básicos só contribui para denegrir a democracia.

A grande responsabilidade dos deputados que hoje iremos eleger, para além de mostrarem maturidade no exercício das suas funções e de “exercerem livremente o seu mandato” (artº 155 da C.R.P.), mesmo enquadrados em partidos políticos, é a de, pelo exemplo, contribuírem para a dignificação da Assembleia da República, justificando a confiança de quem lhes deu o seu voto.

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