Vi algures, escrito por alguém em tom bastante convicto, apelidar de “Velhos do Restelo” quem não aceitasse como certo que o futuro da mobilidade vai (tem de) ser elétrica. E ponto final. Heil Hitler! Os que, caso contrário, não partilhem esta visão, são certamente párias, que por já não terem capacidade de se adaptar não se deixam levar pelos ventos da mudança. No limite, é um chavão muitíssimo desrespeitador; e, se intencional, com substrato de intimidação.
Antes assim os apelidar, talvez fosse conveniente fazer algumas reflexões: em primeiro lugar a designação “Velhos do Restelo” pode ser aplicável apenas a quem não concorda – ou tem outras perspetivas para o mesmo objetivo – com uma mole de população convicta do que está supostamente certo e que nem sequer se preocupa com os motivos e propostas dos “párias”, mas que está ressentida tão somente pelo facto de existir quem opine diferentemente. Depois, não me parece que seja arbitrariamente descartável a pluralidade de opiniões, com a recusa de pelo menos verificar a sua pertinência e validade. A isto pode chamar-se fanatismo.
No Oriente, os “Velhos do Restelo” são (ainda) venerados, a sua opinião, resultante da experiência de Vida, é escutada e considerada, e há consciência e respeito pelo seu legado: trabalharam para o bem comum da sua época e para o das gerações seguintes. Cultura diferente caracteriza o Ocidente, onde, quando reformados, são considerados uma rubrica incómoda nos orçamentos dos Estados. Mas, afinal, onde vão os jovens universitários beber sabedoria, senão na sabedoria milenar, em literatura escrita há dezenas e centenas de anos, senão mais de um milhar de anos, em Ciência que viu o berço na Antiguidade, pese embora ser motivo de orgulho existirem presentemente jovens universitários que se distinguem pela sua criatividade na Ciência, jovens desportistas que ultrapassam os limites já estabelecidos, jovens músicos, escritores, autores cinematográficos e tantos outros em tantos campos da cultura humana e que fazem História. São embriões do progresso da Humanidade.
Para quem estabeleceu os seus ideais e valores e que está convicto de que só estes são válidos – e provavelmente não viveu o suficiente para testemunhar a História como lhe é contada -, gostaria de recordar que os “Velhos do Restelo” já foram jovens cheios de ideais e de vontade de mudar o Mundo. E antes destes, a geração anterior e assim sucessivamente. Os Avós de hoje, são os jovens do tempo da minissaia, do concerto Woodstock, dos Beatles (esses “guedelhudos”), dos Doors, do amor livre, do “não à guerra”, da “pomba da paz”, da igualdade de direitos independentemente do Credo, Sexo e Raça. E, no mínimo, fumaram marijuana. Os “Velhos do Restelo” foram aqueles que lutaram para que os jovens de hoje não tivessem que fazer a saudação hitleriana, nem obrigatoriamente se chamarem “camaradas” entre si. E muitos morreram pelos seus ideais. Milhões morreram a lutar pela Paz, pela Democracia, pela Liberdade, nomeadamente a Liberdade de Expressão, que agora é obrigada a prostituir-se nas redes sociais, onde vale despejar tudo, tanto a verdade e o concreto, como a fantasia e o virtual, a virtude e a desvirtude, a justiça e a condenação sem julgamento, o elogio e o escárnio, sem muitas vezes a coragem de quem escreve se revelar, pois antes se refugia cobardemente no anonimato de um pseudónimo. E não se veriam nascer muitas associações ambientalistas ou outras a não ser por iniciativa de Estados totalitários, por uma questão de imagem perante Estados democráticos, quando nisso tivessem interesse.
Recorde-se o que aconteceu em Espanha durante a pandemia COVID: assistiu-se ao desespero, mágoa e profunda comoção de quem perdeu os familiares e até não familiares, que pertenceram à geração que durante a ditadura de Franco prescindiu de tudo o que já era conforto em Portugal, para que a Espanha pudesse recuperar de uma guerra civil devastadora e sangrenta. Com o seu desgosto público demonstraram consciência e agradecimento pelo
legado que aquela geração deixou e lhes permitiu viver na Espanha de hoje. Na época, a Espanha não aderiu à convenção de patentes e reduziu as suas importações ao mínimo. Quase tudo era fabricado ou produzido em Espanha e copiado com licença de marcas de prestígio. Por exemplo, não se importavam automóveis Fiat, mas fabricavam-se automóveis Seat para reanimar a indústria. Na época, passando a fronteira em Elvas, quando muito existia um caminho asfaltado, o escudo valia mais que a peseta e os portugueses iam comprar caramelos a Badajoz assim como uns “recuerdos”. O fraco valor da peseta permitiu o desenvolvimento do turismo, sobretudo no Sul de Espanha: Sevilha, Córdova, Granada, Serra Nevada, Málaga, Marbella.
Existe quem careça (mas procure) de uma estrutura e formação que permita o sentido crítico, a pesquisa de informação fidedigna, a senda pelos entendimentos e pelo sentido de equilíbrio, e o progresso a bem da sociedade. Se focados em bons exemplos, são catalisadores de aperfeiçoamento e de caminho para o fim dos males da sociedade, populações e inclusivamente da civilização, que têm de ser resolvidos. Se são de inclusão difícil, por motivos tão diversos como a sua estrutura familiar, a desmotivação na escola, os anos de Vida sabotada por desgostos, frustrações e fracasso de expectativas, o tema muda de conversa. Não faltam organizações e grupos de interesses que sabem manipular e aproveitar a carência de ideais e valores de almas perdidas sem força de critério e capacidade de análise, para as aproveitarem a seu favor, proporcionando-lhes um sentido de vida e uma sensação de pertença, ao serviço de causas ilusórias e de pretensos líderes tenebrosos, estes por sua vez mais interessados em servir quem os contrata, do que preocupados com os seus seguidores. Daí podem resultar grupos radicais intolerantes, que nunca serão parte da solução, mas sempre parte dos problemas da sociedade, sempre prontos para rapidamente recorrerem à violência física, ou porque conscientes da sua inutilidade individual, refugiam-se cobardemente em bandos organizados prontos para a agressão física gratuita e vandalismo. E com base numa motivação sem critério informado nem discernimento, se não for pela violência física, militam em ideais irrealistas e radicais em associações, partidos e iniciativas intimidatórias, assim como ao escárnio na imprensa sempre que surge uma oportunidade, intimidações às quais os políticos se vergam ou por incompetência ou porque o radicalismo destes indivíduos já está tão disseminado, que receiam ser prejudicados e perder o seu espaço político onde muitos encontram razão de
existência da qual não pretendem abdicar pois as regalias de que usufruem são apetitosas e não seriam capazes de as ter se tivessem que sair da política para irem trabalhar. Uma mentira contada muitas vezes acaba por ser uma verdade conveniente para esse tipo de políticos, para apáticos aliciados e agrupados e inconscientemente ao serviço de interesses que nunca se identificam e que assim conseguem anonimamente manipular a opinião pública. Lamentavelmente também são o produto de uma sociedade democrática descontente com a sua governação por governos constituídos por políticos mal-habituados a terem como certos os votos de cidadãos que acabam por votar nos partidos clássicos porque não vislumbram mais ninguém com um mínimo de competências para merecer a responsabilidade da governação. Ou então, acabam por votar em opções que mais não significam que um voto de protesto de maneira a evidenciar o seu descontentamento. Portanto, não é de admirar que em Itália, em 1987 tenha sido eleita deputada uma atriz de filmes para adultos que antes tinha pertencido aos serviços secretos húngaros.
Independentemente do Credo, Idade, Raça e Sexo, as opiniões das pessoas que querem contribuir de maneira esclarecida e informada para a resolução dos problemas da sociedade e da civilização, devem ser acolhidas com o mesmo respeito com que devem ser acolhidas as dos “Velhos do Restelo”, numa perspetiva de consenso e de enriquecimento mútuo, independentemente de se tratar da mobilidade elétrica ou de qualquer outro tema. É preciso ter em conta que quase sempre todos estamos interessados no mesmo objetivo, mas discordantes quanto à maneira de os atingir e apenas com a participação de todos podemos alcançar um compromisso racional, viável e sem desperdício de recursos financeiros ou do aproveitamento destes recursos por entidades que muito pouco se preocupam com questões problemáticas transversais a todos os Estados, como por exemplo, as ambientais. Mas nada de enganos: que não se perca tempo com quem está radicalizado ou fanatizado e não quer saber de outras perspetivas e participar no diálogo, mas antes cuida de querer passar no imediato ao confronto estéril.
Tendo o acima exposto sido espoletado pela questão da mobilidade elétrica, e esta falsamente associada à “Descarbonização” e à “Transição Energética” – chavões criados para facilmente penetrarem no subconsciente das populações – estas, ainda que necessárias, não são temas novos, mas antes há muito do conhecimento dos “Velhos do Restelo”, cientistas e técnicos que ao longo de dezenas de anos as têm estudado. Em 1962 a Chrysler apresentou um veículo a turbina que funcionava com gasolina, combustível de avião JP4, perfume, óleo de amendoim ou soja e até mesmo tequila; e em 1977 a Renault já tinha o setor de Investigação e Desenvolvimento de Veículos Elétricos. Projetos que não evoluíram devido ao estado da técnica de então. De qualquer maneira, os projetos de mobilidade associados com preocupações ambientais podem constituir boas oportunidades de investimento e lucro para o setor financeiro. Ora o setor financeiro tem razão de existir exatamente pela senda de boas oportunidades de investimento, e as necessidades de proteção do ambiente são propícias para isso. Quanto à mobilidade elétrica, não esqueçamos que entre outros problemas, esta representa mais uma tecnologia sedente de energia elétrica, a acrescentar às necessidades da indústria, do consumo doméstico e da digitalização, energia elétrica esta que tem de ser obtida por várias fontes que têm de ser financiadas (se for tudo feito à pressa, como até agora) e não é garantido que para satisfazer as necessidades, possamos a curto prazo prescindir de algumas das fontes de energia atualmente disponíveis.
Já se percebeu, que as metas e as soluções definidas por Bruxelas são irrealistas apesar dos alertas que foram há muito anunciados quer por ambientalistas, quer pela Ciência, quer pela indústria automóvel, e que foram olimpicamente ignorados pelos políticos decisores desta “União” Europeia, e que já estão a causar as previstas tensões sociais e desemprego, sem reversão. Eram metas dissociadas da realidade atual em várias vertentes e apenas alcançáveis se, entretanto, a Ciência conseguir apresentar uma solução energética inesgotável, limpa e disponível à escala mundial e ainda aplicável a todos os instrumentos ligados ao funcionamento da economia, como o são os pertencentes ao setor dos transportes e mobilidade.
Mais grave ainda foi a opção pela solução elétrica e descartar outras soluções possíveis e mais baratas (por exemplo, sem necessidade de reforço da rede de distribuição da energia elétrica) e capazes de proporcionarem uma transição energética realista no tempo e nos custos. Parece-me que esta opção/imposição merece investigação sobre a fundamentação de quem a determinou e quem é favorecido, pois para já, a solução de mobilidade elétrica a grande escala só é possível com recurso a fontes de energia, que se não forem com base em combustíveis fósseis, terão de se socorrer da energia nuclear. Também já se percebeu que as COPs resultam em quase nada, onde o objetivo parece ser endividar os países sem recursos financeiros para implementar as medidas de proteção da atmosfera, dos terrenos agrícolas e dos oceanos. E também já se percebeu que as petrolíferas encetaram campanhas de captação da simpatia de quem se preocupa com o planeta (preocupação esta que não é exclusiva dos ambientalistas). Veja-se o atual logotipo da BP, todo muito verde, mas que – se visto com atenção – talvez não possa ser dissociado dos salpicos pretos do petróleo de cuja prospeção as petrolíferas não se cansam, e mais não seria esperar pois faz parte do seu ciclo de negócio desde a sua fundação. Campanhas porventura hipócritas, pois de sinceridade duvidosa uma vez que as petrolíferas têm estado a intensificar a sua prospeção. Certamente não será por hobby. Fazem lembrar o lobo que prometeu às ovelhas que se tornaria vegetariano se fosse eleito rei de todos os animais.
Não precisamos de ser ambientalistas para que nos preocupemos com os gases com efeito de estufa que fazem aumentar a temperatura do planeta, com o ar que vamos respirar, que e quanta comida vai estar disponível e com que qualidade, e com o nível de poluição dos oceanos e equilíbrio dos ecossistemas. Isto é uma preocupação transversal à população de todo o mundo. Compreendamos que necessitamos de trabalhar com o contributo de todos para fazermos a nossa parte.
As populações a nível mundial, e até a civilização como a conhecemos, estão perante um problema grave: a população em número quase estável durante mil e oitocentos anos, aumentou dos mil milhões de seres humanos em 1800, para os atuais 8 mil milhões, isto em apenas 223 anos. Consequentemente as necessidades energéticas vão aumentar, e sem medidas adequadas vão aumentar os gases com efeito de estufa, a contaminação dos solos e dos oceanos. As próprias energias renováveis não são isentas de impactos ambientais significativos.
Entretanto o Planeta fará a sua parte e as alterações climáticas que lhe são inerentes por natureza. Nem que seja para se livrar desta espécie humana – através de uma pandemia provocada por um qualquer vírus preservado nos gelos que agora se fundem e para a qual a Ciência poderá não ter resposta de cura – raça que o incomoda com testes de bombas atómicas e lhe faz “comichão” com os seus produtos poluentes da indústria, produtos que nos proporcionam conforto e falsa sensação de poder económico, mas de produção poluente e cuja pretensa reciclagem mais não é do que despejar toneladas de resíduos não recicláveis em locais geográficos remotos, onde como “o olhar não vê, o coração não sente”.
Por mim, quero ouvir o que os “Velhos do Restelo” têm para dizer, assim como associações ambientalistas abertas ao diálogo e consensos, especialistas em energia e ambiente, especialistas em economia reciclável, profissionais de saúde pública e tantos outros, que fazem falta para contribuírem para a solução do problema. A solução para a crise energética que se avizinha face ao crescimento vertiginoso da população e do impacto ambiental que daí resulta, necessita da competência, entusiasmo e participação de todos quantos são adeptos do diálogo para se conseguir uma solução racional.
E se o setor financeiro vê aí um bom negócio, cabe-nos discernir que interesses estão em jogo, e em que responsabilidades financeiras os países se vão comprometer por intermédio dos seus Governos. E estar atentos que para o negócio pode valer tudo, inclusivamente o escárnio na imprensa e manipulações tendenciosas. Para esta atitude exige-se cidadãos participativos e políticos competentes. Ainda que possa ser também apelidado de “Velho do Restelo” (obrigado pela distinção), parece-me que esta imposição da mobilidade elétrica está atrelada a um bom negócio. O que é bom, desde que traga felicidade, prosperidade e paz de espírito às populações e assim todos ganham. É assim que se passa e que vai acontecer?