Em maio deste ano, fui um dos cinquenta subscritores do manifesto pela reforma da justiça em defesa do Estado de Direito Democrático, coincidindo com os 50 anos do 25 de Abril. Este gesto não foi contra nada ou ninguém específico, mas antes motivado pela convicção de que as mudanças no sistema judicial são essenciais para o futuro da democracia em Portugal. Porém, quando julgamos que nada mais nos podia surpreender, surgem notícias que reforçam a urgência da reforma.
Em pleno novembro de 2024, o Tribunal Central e Administrativo do Norte anulou o despedimento de um antigo pró-presidente do Instituto Politécnico do Porto, ao considerar que o ato de dar “sapatadas nas nádegas das estudantes” poderia ser interpretado como uma forma de “estabelecer relação empática”. Durante o processo disciplinar, ficou provado que o professor assediou três estudantes, mas, ainda assim, o tribunal aceitou a providência cautelar que permitiu a sua reintegração.
Hoje, mais de 60% da população portuguesa não confia na justiça, e essa desconfiança advém, sobretudo, da sua morosidade e do alto custo de acesso, que negam qualquer noção de igualdade perante a lei. A ausência de uma reforma judicial eficaz prejudica os mais vulneráveis e gera um entrave ao crescimento económico. A simplificação e a aceleração dos processos são, por isso, urgentes. Não podemos continuar a tolerar uma justiça que, devido a barreiras financeiras, favorece os poderosos, enquanto os menos favorecidos enfrentam desvantagens estruturais e são, muitas vezes, condenados sem recursos para contestar.
É desconcertante e embaraçoso ver um tribunal aceitar o argumento de que práticas de assédio sexual possam ser justificadas como formas de relação empática entre professor e alunas. Após decisões passadas que relativizam a violência doméstica, este episódio representa mais um golpe humilhante para a nossa justiça, que, em vez de proteger as vítimas, transmite cumplicidade com a misógina. Além disso, reforça a sensação de impunidade entre docentes que abusam da sua posição em relação aos estudantes e alimenta o sentimento de fragilidade e injustiça entre as alunas afetadas.
O comportamento deste docente, além de possivelmente configurar um crime, é uma vergonha para o país, para o Ensino Superior Português e para a Academia do Porto. As instituições de ensino devem ser espaços seguros de democracia e liberdade, onde se promove o conhecimento científico, a cidadania e o respeito pela dignidade humana. A decisão judicial de não punir esses atos e permitir a reintegração dos abusadores no sistema de ensino descredibiliza a justiça e desmotiva as vítimas a denunciarem abusos. Esta é mais uma página negra na história da justiça portuguesa.