1. No último dia de agosto haverá a primeira votação para a investidura de Mariano Rajoy à frente do governo espanhol. Tudo indica que a maioria absoluta necessária nesta primeira votação não será alcançada, mesmo com um acordo previsível entre o Partido Popular e o Ciudadanos, pois Pedro Sanchez do PSOE não só reafirma que votará contra, como votará contra o Orçamento do Estado. Caso falhe a investidura, Rajoy defrontará uma segunda votação a 2 de Setembro. Aqui basta uma maioria simples, que pode ser assegurada com 11 abstenções dos restantes partidos. Se falhar novamente poderá haver eleições legislativas a 25 de Dezembro. Quer Rajoy ganhe, quer perca, a Espanha terá estado em 2016 cerca de um ano com governo de gestão, ou seja, um governo a lidar apenas com assuntos correntes. Apesar desta instabilidade política este país terá este ano um crescimento invejável, muito acima da zona euro, sendo sobretudo isso que explica que, apesar do não cumprimento do défice orçamental, abaixo dos 3% do PIB, tenha mesmo visto a Comissão prolongar para 2018 a saída do défice excessivo e tenha ratings, nas agências de notação, melhores que Portugal.
Vale a pena comparar o que a Fitch disse sobre Espanha e Portugal em relação aos fatores que determinam os ratings dos dois países. Sobre Espanha refere “uma recuperação económica forte, uma reparação do sector financeiro que continua e uma melhoria na balança corrente, mas ainda com elevados desemprego e rácio da dívida, uma derrapagem orçamental e incerteza política”.
Já na sua apreciação de Portugal refere que os ratings de Portugal “são limitados por um elevado endividamento, crescimento económico fraco e um legado de problemas no sistema financeiro. A dívida pública, em cerca de 129% do PIB no final de 2015 é quase três vezes a mediana da (notação) ‘BB’. Os ratings são positivamente afetados por um elevado PIB per capita, quando comparado com o dos seus pares, um quadro institucional sólido e um ambiente de negócios forte.” O que aparece como sendo favorável a Espanha (crescimento económico e uma progressão no sentido do saneamento do sistema financeiro) é precisamente o que cria problemas a Portugal, a somar ao que é comum a ambos os países (elevado endividamento).
Querer tirar dividendos políticos da situação económica e financeira de Portugal, só pode resultar de alguma miopia política. O crescimento económico é fraco há década e meia, não sendo por isso imputável nem a este nem ao anterior governo. É um problema, certamente, e por isso aquilo que se espera do atual governo, em primeiro lugar, mas também de agentes políticos, economistas e analistas é que se encontrem respostas para os desafios suscitados pelo fraco crescimento económico português. O mesmo se pode dizer em relação à situação da banca nacional: é um legado que já vem bem de trás, mas que necessita de ser solucionado. Ao governo compete aqui apresentar soluções, às oposições, se considerarem que há melhores soluções, apresentar as suas alternativas.
2. Em todo o caso há cenários que já é possível prever com maior exatidão para o ano em curso. As previsões da União Europeia para o crescimento da zona euro e de Portugal para 2016 foram revistas em baixa passando, respetivamente, de 1,9% e 1,8% (na primavera de 2015) para 1,6% e 1,5% (na primavera de 2015). Os dados recentemente fornecidos pelo INE sugerem que o crescimento será inferior a 1,5%, dependendo em grande medida do comportamento da procura externa (exportações menos importações) nesta fase final do ano.
Sendo o crescimento económico inferior ao previsto no OE2016, o défice orçamental ou aumenta face ao valor previsto (2,2% do PIB) ou serão tomadas medidas adicionais para alcançar esse objetivo. São estes os dois caminhos que ilustram as diferentes perspetivas, em termos orçamentais, do governo PS em relação a um hipotético governo PSD-CDS.
Face a um contexto externo mais adverso, a opção do governo PS junto de Bruxelas foi flexibilizar, um pouco, o défice, dentro de limites aceitáveis. A Comissão aceitou rever a meta de 2016 subindo-a de 2,2% para 2,5%, o que é consistente com as previsões atuais para a execução orçamental. Note-se que o OE2016 já previa, dentro dos riscos orçamentais, um crescimento económico inferior ao previsto. Na simulação realizada, inscrita no Relatório do OE2016, estimava-se que um crescimento inferior em 1 ponto percentual do PIB, provocaria um agravamento do défice orçamental em 0,3% do PIB.
A alternativa à revisão da meta do défice, teria sido, sob um governo PSD-CDS, a implementação de medidas de austeridade adicionais, para alcançar um défice de 2,2%, que teriam como consequência uma desaceleração ainda mais forte do crescimento do PIB.
Em política há sempre, e sempre houve, alternativas. Se é certo que a ação (ou omissão) dos governos não altera, significativamente, a trajetória de crescimento económico (que tem mais a ver com fatores estruturais), também é certo que políticas orçamentais expansionistas (de aumento de despesa ou corte de impostos) ou contracionistas (cortes na despesa ou aumento da fiscalidade) têm efeitos de curto prazo, de sinal contrário, no crescimento, respetivamente de aceleração ou desaceleração do crescimento (ou eventual agravamento de recessão). Face a um crescimento mais fraco em 2016, e a um défice mais alto aceite pela Comissão (porque ainda assim indica um esforço de consolidação orçamental relativamente a 2015), o problema continua a ser a dívida pública. Enquanto permanecerem as necessidades de recapitalização da banca e das empresas públicas, não há forma de o seu peso no PIB diminuir.
3. O terreno económico e financeiro é obviamente importante para o debate político, mas este não pode reduzir-se a crescimento económico, défice e dívida. Aquilo que está a acontecer, e será reforçado, ao nível do mercado laboral, do emprego, da redução das desigualdades, da pobreza, da promoção dos direitos sociais e políticos, da qualidade do Estado no fornecimento de serviços a cidadãos e empresas, deverá também ser ponderado quando chegar a altura de avaliar o desempenho deste Governo e da atual maioria legislativa.
Para tal tão importante é o desempenho do governo, responsável pela apresentação em outubro do Orçamento de Estado, como das oposições. Esperemos pois que, ao contrário do que aconteceu com o OE2016, o PSD não se volte a abster de apresentar propostas, limitando-se a veicular profecias catastrofistas, mas antes que clarifique qual seria o seu caminho alternativo caso tivesse tido uma maioria parlamentar que lhe tivesse permitido formar governo.