Em meados deste ano, os estados membros da União Europeia começarão a receber parte das verbas que financiarão os respetivos programas de recuperação e resiliência (PRR) após terem apresentado as suas propostas até Abril e estas terem sido apreciadas por Bruxelas. Já ficou claro que as regras orçamentais ficarão suspensas não apenas em 2021 mas também em 2022, e que estes dois anos serão anos de recuperação dos efeitos devastadores da pandemia na economia e na sociedade.

Aquilo que ainda não é claro é quais as regras orçamentais que estarão em vigor em 2023 e anos seguintes. Vamos voltar às regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) e ao Tratado Orçamental em 2023, ou vai haver uma flexibilização das regras? Não será na Presidência portuguesa do Conselho, mas quando muito na francesa (primeiro semestre de 2022) que este debate se reforçará. Macron em 2019 fez declarações críticas até da regra do limite do défice (3% do PIB), que é muito anterior ao PEC, estando já inscrita no Tratado de Maastricht. Que poderemos esperar desse debate? Sobretudo que posição deveremos ter enquanto país em relação a esse debate e às quatro variáveis essenciais: o défice, o investimento público, a dinâmica da dívida e o crescimento económico?

Sinceramente, não espero grande coisa do debate sobre as regras orçamentais, pois malgrado os desejos da França, e porventura da Itália, não vejo a Alemanha a alinhar numa alteração dessas regras. A Alemanha que, ao contrário de muitos países, alterou a sua Constituição na sequência do tratado orçamental precisamente para consagrar uma regra de limite à divida no seu texro fundamental.

A minha posição sobre as regras orçamentais europeias que expuz em detalhe neste policy paper, resume-se a isto: algumas regras são necessárias, em particular para países  com cultura historicamente despesista como Portugal, mas elas não só deveriam ser muito mais simples, e sobretudo os técnicos da Comissão Europeia não deveriam, na sua interpretação das regras, recriá-las e expandi-las como considero que têm feito. De qualquer modo o debate em que Portugal se deveria concentrar não é sobre as regras, mas sim nos factores que promovem o crescimento económico ambientalmente sustentável, e socialmente inclusivo.

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O ponto de partida sabemos bem qual é. Somos o quinto país do mundo com maior rácio da dívida no PIB e o terceiro da União Europeia! Antes de nós, só Japão, Venezuela, Grécia e Itália. Não por acaso na Europa os países mais endividados são os que crescem menos. Se compararmos com o ano base de 2010, o produto português (a preços correntes) estava apenas em 2019 pouco acima (+6,7%) do que estava quase uma década atrás. A Itália no mesmo período estagnou (+0,8%) a Grécia empobreceu (-15,1%). Para se perceber a dimensão da nossa anemia os valores para a Estónia, Malta, Roménia e Lituânia são respetivamente de +40,4%, +62,6%, +40,7% e +39,6%.

É por isto que o debate sobre as regras está bastante desfocado. Têm sido as regras orçamentais que nos têm impedido de ter políticas orçamentais expansionistas e de crescer? Numa pequena parte sim, mas aquilo que nos falta sobretudo são outras duas coisas: uma estratégia para o crescimento e instituições (políticas, administrativas e económicas) adequadas para a implementar. Imaginemos que a França conseguiria flexibilizar significativamente as regras orçamentais de forma a poder ser possível manter políticas fortemente expansionistas em 2023 e 2024. Deveríamos aproveitar? Queremos um peso da dívida superior a 135% quando a inflação e as taxas de juro começarem a subir? Ou queremos acreditar que o BCE manterá indefinidamente a sua política monetária expansionista e teremos para sempre taxas de juro perto de zero, pelo que podemos confiar que a nossa dívida excessiva não é problema.

A atitude responsável parece-me ser a de não depender da boa vontade dos outros e de dar mais relevância ao crescimento económico, e é isso que não vejo grandemente nem nas diretrizes europeias acerca dos planos de recuperação e resiliência nem no PPR que agora encerrou a sua discussão pública. É indiscutível a relevância da transição digital e da descarbonização da economia (a que me referi noutros artigos), mas aquilo que não se percebe é quais as medidas que terão maior efeito multiplicador na economia e que deveriam ser reforçadas e as que têm menor e que poderiam ser mitigadas.

Gastar o dinheiro da “bazuca” é simples. Basta dar ordens de pagamento, o que é difícil é avaliar o impacto das medidas. A Comissão Europeia tem documentos que sugere que os países possam ler e adaptar para os seus programas de recuperação e resiliência. Mais do que quantificar os valores de cada investimento é importante integrar esses investimentos numa estratégia, dizer que objetivos se pretende alcançar, e definir indicadores qualitativos e quantitativos para que a sua execução possa ser monitorada. É isso que a Comissão Europeia espera que façamos e que o governo terá que fazer nos próximos meses. Se é verdade que parte dos fundos europeus serão apenas para financiar os danos na economia e na sociedade destes anos parte deveria ser canalizada para reorientar a estrutura produtiva nacional rumo a uma economia mais próspera sem a qual qualquer estado de bem-estar é uma miragem.