Dizer que um Prémio Nobel está mal informado é um exercício arriscado, mas facilitado pelo próprio ter confessado não compreender aquilo a que chamou “o milagre económico português”, provavelmente porque não existe milagre algum. Aliás, não é normal que em economia existam milagres, porque se trata de uma disciplina em que se estudam principalmente as causas e os efeitos.

Aproveito assim a ocasião da visita do famoso economista para recordar algumas das causas e dos efeitos que sei existirem na economia portuguesa e que possam porventura ajudar a compreender que os milagres são mais prováveis em Fátima do que em economia.

Dualidade económica

Em Portugal, com maior importância do que noutros países, existem dua economias: (a) uma economia semelhante à dos outros países europeus, constituída por empresas nacionais e estrangeiras de alguma dimensão, nomeadamente industriais, de sectores como a metalomecânica, o automóvel, o calçado, a confecção e alguns outros, que se dedicam essencialmente à exportação; (b) existe depois uma segunda economia, cerca de 95% das empresas portuguesas, que são muito pequenas, a grande maioria comerciais, que pouco contribuem para as exportações nacionais, se exeptuarmos o turismo, empresas em geral servidas por recursos humanos com baixas qualificações e sem qualquer formação profissional. Trata-se de mercados de rua, pequenas lojas de roupa e de todo o tipo de produtos, cafés, pastelarias, restaurantes, cabeleireiros, reparações de informática, de electrodomésticos e minimercados, além da agricultura de pequena dimensão, pesca artesanal, limpezas, pequenos transportes e toda uma enorme quantidade de trabalhadores individuais em regime de mera sobrevivência. Ou seja, trata-se de uma grande parte da economia portuguesa de baixos salários e de baixa produtividade, de empresas sem grande futuro e que morrem e renascem às dezenas de milhares todos os anos sem fim à vista. Fenómeno que existe principalmente devido ao fraco investimento na indústria, que é o sector da economia constituído por operações repetitivas do trabalho, o que permite uma formação relativamente rápida e barata, além de melhores salários. Ou seja, temos um modelo económico que alimenta a elevada pobreza dos muitos milhões de portugueses que ainda não deram pela existência de qualquer milagre.

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Exportações

Os países europeus da dimensão de Portugal, com pequenos mercados internos, exportam entre 60% do PIB e os 80-90% da maioria, com a Irlanda a atingir 105%, país que, com maior realidade, se poderia afirmar existir um milagre económico. Infelizmente, Portugal exporta apenas 50% do PIB e, porventura mais preocupante, essas exportações resultam de sectores criados há já muitos anos, durante os períodos da EFTA e do PEDIP/AutoEuropa, resultantes em ambas as fases do investimento estrangeiro, na indústria e com produções dirigidas para a exportação. Acontece que durante os últimos 25 anos não existiram grandes investimentos estrangeiros na indústria, sendo substituídos pelo imobiliário, centros comerciais, escritórios de comunicação de grandes empresas internacionais atraídas pelos baixos salários e que, tal como aconteceu com o sector das cabelagens, podem sair do País a qualquer momento com a subida dos salários. Em resumo, nenhuma economia europeia de pequena dimensão pode sobreviver em boas condições com apenas 50% das exportações.

Sistema político

Em Portugal existe um sistema político de fachada democrática, em que os representantes do povo são escolhidos pelas hierarquias partidárias, onde apenas metade dos eleitores votam e menos ainda têm qualquer tipo de intervenção política. Acresce, que durante os últimos vinte anos, por força dos baixos salários e dos elevados níveis de pobreza, o Estado criou inúmeros programas sociais pagos através dos apoios da União Europeia, do crescimento dos impostos e do crescimento da dívida, soluções dificilmente sustentáveis para todo o sempre. Nos últimos tempos a dívida pública em percentagem do PIB diminui porque o PIB nominal aumentou com a expressiva inflação que temos tido, mas em valor absoluto ela continuou a crescer e tem de ser paga mais tarde ou mais cedo, um problema sério se, como penso, tivermos também mais tarde um mais cedo uma séria crise económica, nacional ou europeia, ou ambas.

Por outro lado, o PIB teve um expressivo crescimento em 2022 devido a três razões: o chamado efeito base pois tinha-se contraído muito nos anos anteriores e por isso nessa comparação com os anos anteriores regista-se um crescimento expressivo; o boom turístico na sequência da recuperação económica pós-covid e porque Portugal é, felizmente, um País seguro; a extraordinária resiliência das exportações portuguesas que cresceram em 2022, apesar da crise energética. Todavia, sendo o turismo o grande motor do crescimento económico nesta fase recente da economia portuguesa, será que Portugal se deve contentar com o turismo como a grande alavanca da economia, ou deve, como acontece nas economias desenvolvidas, apreciar a performance turística no quadro de uma economia forte e diversificada em que a agricultura e a indústria também devem ser motores desse crescimento?

Acresce que a corrupção não ajuda a economia, que o modelo económico descrito antes é insustentável, que a educação dos portugueses é insuficiente e pouco exigente e a emigração também não ajuda. Finalmente, os governos continuam a apostar no mercado interno, nas pequenas e médias empresas e, mais recentemente, nas novas tecnologias desenquadradas duma visão de competitividade, enquanto só são apreciadas algumas, poucas, das grandes empresas, quando todas são essenciais. Novas tecnologias que, infelizmente, são mal compreendidas, como é o caso da energia, e que não são aplicadas na modernização de uma administração pública enorme e altamente consumidora de recursos.

Em resumo, não acredito que Paul Krugman esteja bem informado sobre a realidade da economia portuguesa, ainda que possa ter contribuído para a felicidade de muitos portugueses que acreditam em milagres.