Quando pedindo desculpa reparamos o dano, não há história, nem polémica. As almas encontram-se pacificadas, entre o arrependimento — que como aprendemos na catequese há de ser feito também do “firme propósito de não repetir” — de uma parte e o perdão, da outra parte. Há harmonia entre o arrependimento sincero e o amor ao próximo.
Quem nos dera que fosse sempre assim. Onde ficaria o orgulho? Para onde partiria o ódio? O que faríamos da mesquinhez? Que lugar seria o da inveja? Quem verbalizaria o mal dizer e os falsos testemunhos? E os prepotentes, teriam de nascer de novo? E a injustiça, acabaria a injustiça?
Com cada um de nós e com o mundo, lamentavelmente, uma boa parte das vezes, não há uma justa equação entre o que magoamos nos outros e o arrependimento que sentimos; entre a capacidade de sair de nós próprios e de pedir desculpa, e de sermos acolhidos.
Magoamos os outros. Todos magoamos os outros, de um modo ou de outro. De crianças a graúdos, as mais das vezes, as desculpas não se pedem no momento certo. De crianças a graúdos, as mais das vezes, as desculpas não se escutam no momento certo. De crianças a graúdos, vastas vezes não nos apercebemos que magoámos os outros. As sensibilidades são diversas, as almas pouco se tocam em empatia, mas detonam-se em dano.
Para complicar (o “bicho homem” é imbatível a complicar), o momento que é certo para pedir desculpas, pode nem coincidir com o momento certo para as acolher… e neste desencontro, perde-se a oportunidade do bem, desperdiçam-se os valores da humildade e do perdão.
Esta extemporaneidade é fonte de mágoas, de tristezas, de desencontros, de sentimentos de culpa, de inquietações, de insónias, de mau humor. E tantas vezes de cortes radicais que nos impomos, ou que impomos aos outros. Esta extemporaneidade é fonte de injustiça!
É assim com os homens. É assim com as nações e os seus povos. É assim com os homens que representam as nações e os seus povos.
Portugal é atualmente representado pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. Com ele, pedir desculpa, reparar o dano e outros desencontros, estão na ordem do dia. Com ele a ordem do dia está fora do tempo.
Não entro na matéria da escravatura e do colonialismo, entretanto (valha-nos isso!) é possível ler e ouvir artigos mesmo muito bons, análises e enquadramentos históricos, com os quais é possível aprender muito.
Entro apenas nesta matéria de que todos somos feitos. As pessoas eram no passado o que somos hoje, o que sempre fomos, o que sempre seremos. Cabeça e coração. Razão e emoção.
Por isso Senhor Presidente da República uma vez que se inquieta com as desculpas que estão por pedir e com os danos que ainda é possível reparar, pergunto: Quando nos pedirá desculpa dos excessos verbais que vem praticando? Quando porá mãos à obra para reparar os danos que vem causando aos portugueses e à imagem de Portugal?
Os portugueses estão envergonhados, ou talvez, porque não poderei afirmar que sejam “todos”, estou certa que “grande parte dos portugueses” estará envergonhada. E repare-se no que não é um pormenor: aqui a vergonha não é exatamente “vergonha alheia” já que o Senhor Presidente foi eleito para representar os portugueses. A “sua voz” deveria ser o mais possível “a nossa voz”…
Senhor Presidente da República, já poucos portugueses entenderão o alcance das suas palavras. Ser feita justiça anos, ou décadas, depois vale? Vale pouco. Repara o dano? Não repara. Pedir desculpa, sem reparar o dano vale? Vale menos, mas vale, se não for possível reparar o dano e vastas vezes não é. Pedir desculpa 50 anos depois? De quê? A quem? “Há dinheiro para pagar, pague-se”? Pagar o quê? A quem? Do que fala Senhor Presidente?
Entretanto creio que, nem mesmo os portugueses que votaram no Senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa, se revêm nos discursos neo-engraçados, nas confidências feitas ao microfone, nas faltas de filtro que geram desconfortos dentro e fora das fronteiras.
Como diria L. P. Hartley “O passado é um país estrangeiro e lá as coisas faziam-se de outra maneira”. O passado foi para a maior parte das nações um país distante, um país que permitia negócios horrendos e a própria aplicação da lei resultava em crimes hediondos. A vida inteira de toda a humanidade não chegaria para pedir tantas desculpas.
E quanto ao tempo presente, Senhor Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, preocupa-se com o presente? No caso concreto, o presente de Portugal. Portugal precisa tanto de quem se preocupe com o que se está a passar, do rumo que vimos levando.
Quem (nos) pedirá desculpa pelo que V. Exª verbaliza na qualidade de Presente da República, e que não nos representa? A toda a hora.
Quem reparará o dano que V. Exª nos causa no presente? (Quase diariamente!). Os portugueses merecem tanto, ser bem representados. Os portugueses estão cansados de ser defraudados e de os danos sofridos ficarem por reparar. E já são tantos… Com esses danos, preocupa-se?
Senhor Presidente da República, partilho consigo um ensinamento que recebi para me fazer à vida: “não importa quem fale mais, importa quem faça melhor”.
É assim com os homens. É assim com as nações e os seus povos. É assim com os homens que representam as nações e os seus povos.