Quando este texto for publicado, estará em discussão no Parlamento uma proposta de alteração à Lei 31/2009 que estabelece o papel de cada profissional no setor da construção e projetos, de acordo com as suas habilitações profissionais. Esta iniciativa legislativa surge do mesmo partido que votou favoravelmente a Lei em 2009 e que em 2015 levou ao Parlamento a sua primeira alteração.

Esta iniciativa do PSD é, de certa maneira, espoletada por uma petição que vai ser discutida ao mesmo tempo e que dá pelo nome ‘Em defesa da Profissão de Engenheiro’. O título da petição leva a pensar:

Mas será que a profissão de engenheiro está em risco? Será que os arquitetos querem voltar a fazer projetos de estabilidade e infraestruturas, como podiam fazer até 2009? Não!

O que os engenheiros que assinam essa petição querem é continuar a subscrever projetos de arquitetura, como faziam até 2009 ao abrigo de um decreto-lei de 1973 que se revestia de caracter transitório, uma vez que justificava a sua existência pela falta, naquela época, de técnicos suficientes na área de projeto, tanto de arquitetura como de engenharia. Porém, a revindicação é feita apenas por engenheiros que iniciaram a sua formação até à entrada de Portugal na Comunidade Europeia.

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Mas, pode-se perguntar, tiveram estes engenheiros uma formação tão especial que os distinga dos engenheiros dos cursos seguintes, que os habilite a exercer arquitetura como um arquiteto? Não! Antes pelo contrário. Mas então em que baseiam a sua pretensão?

Dizem, que há uma diretiva comunitária que lhes confere direitos adquiridos. Separemos então as duas partes do argumento. Por um lado, a Diretiva 2005/36/CE. Esta Diretiva europeia, regulamenta apenas duas áreas profissionais, a da Saúde e a da Arquitetura. Serve tão somente para que, no que respeita à Arquitetura, um profissional de um país europeu possa exercer noutro país membro. A Diretiva tem vários anexos. No anexo VI constam os cursos académicos pré-Bolonha.

Quando Portugal entrou em 1986 na Comunidade Europeia foi obrigado a informar a Comissão quais os cursos que habilitavam ao exercício da arquitetura para que ficassem registados no anexo VI. Sabe-se lá como, quatro cursos de engenharia foram dados com essas habilitações. Digo-o desta maneira pois, à época, apesar dos engenheiros poderem subscrever projetos de arquitetura em Portugal, nem de perto nem de longe preenchiam as exigências mínimas da Diretiva para praticarem os atos próprios da Arquitetura.

Mas o anexo da Diretiva não é fixo. Este anexo é informado por cada um dos países membros, dizendo que, consoante a Lei e a estrutura dos cursos académicos, determinados profissionais, de acordo com a sua formação, se podem inscrever nas organizações profissionais de outros países membros.

A Lei, entretanto, foi alterada em 2009, foi revogado o DL 73/73 e ficou estabelecido que os projectos de arquitectura são elaborados por arquitectos com inscrição na Ordem dos Arquitectos. Na mesma Lei foi definido um período transitório para os engenheiros que queriam continuar a fazer arquitetura, pudessem completar a sua formação adquirindo competência numa faculdade de arquitetura e assim se puderem inscrever na Ordem dos Arquitectos.

E isto leva-nos à segunda parte do argumentário: os ‘direitos adquiridos’. De acordo com o edifício legislativo europeu é possível revogar os direitos adquiridos se houver um período transitório, dando tempo assim para a adaptação às novas leis. Com a promulgação da Lei 31/2009 foi estabelecido um período de 5 anos acrescido depois de mais 3 anos. Durante esse período mais de uma centena de engenheiros completaram a sua formação e inscreveram-se na Ordem dos Arquitectos. Os restantes, aqueles engenheiros-que-querem-ser-arquitetos, apenas reclamam que a Lei de 2009 seja alterada para poderem voltar à Lei de 1973. Porém, justiça seja feita, há outros engenheiros com E grande, a maioria, que querem tão somente fazer engenharia.

Os engenheiros tiveram assim 8 anos para se adaptar a uma nova realidade, própria de um país moderno, com profissionais qualificados segundo a profissão que desempenham. Pelo contrário, os arquitetos, que ao abrigo do DL73/73 podiam fazer uma boa parte de projetos de estabilidade e infraestruturas, os engenheiros técnicos, os agentes técnicos de arquitetura e engenharia, que também faziam arquitetura e engenharia, viram os seus direitos adquiridos revogados de um dia para o outro com a Lei 31/2009.

Concluindo, com a Lei alterada em Portugal, dando aos arquitetos a exclusividade de praticar os atos próprios da Arquitetura, cumprido o período transitório, a única decisão lógica que o Estado Português deve tomar, é informar a Comissão Europeia para retirar os cursos de engenharia do Anexo VI. Assim ficará também satisfeita a recomendação patente na carta que o Sr. Provedor de Justiça enviou ao Parlamento, de clarificar a Lei, uma vez que ela está incongruente com o que está inscrito no Anexo VI da Diretiva.

Mas ainda se pode perguntar, mas os engenheiros vão ficar sem trabalho? Não! os engenheiros vão poder continuar a fazer engenharia.

Arquitecto e deputado do PS