Todos os anos, por volta de setembro, volta às primeiras páginas o tema da falta de quartos para os estudantes deslocados. E todos os anos os responsáveis políticos prometem medidas para mitigar o problema. Contudo esses mesmo responsáveis esquecem-se que, deixando de ser estudantes, esses mesmos jovens têm de continuar a morar em algum sítio (nunca me passaria pela cabeça que depois de tamanho investimento público em educação, os jovens fossem convidados a emigrar por falta de interesse em proporcionar condições de habitação própria previstas na Constituição da República).

A verdade é que as políticas de salários mínimos adotadas nos últimos anos (que destruiram a classe média), a inflação e a terrível subida do custo de vida obrigaram os jovens a escolher entre dividir casa com estudantes/colegas ou a voltar para casa dos pais, mesmo depois de entrarem no mercado de trabalho. Desta forma não é surpresa nenhuma constatar que os jovens portugueses são dos que mais tarde saem de casa dos pais de entre os pares de outros países da UE. E porquê, se muitos até ganham mais que os próprios pais? Porque, por algum motivo, alguém pensou que o IRS Jovem resolvia todos os problemas, esquecendo-se que a pesada carga fiscal logo no primeiro ano de trabalho torna ainda mais inacessível o luxo que é ter uma casa própria. Porque incentivaram a geração mais preparada de sempre a investir em educação, em licenciaturas, em mestrados, em doutoramentos, especializações, pós graduações. Pediram médicos, engenheiros, professores ou advogados. No entanto, esqueceram-se de lhes dar condições para viver. E aqui, atenção, não digo dar no sentido de proporcionar algo não merecido. Digo apenas criar condições semelhantes às proporcionadas aos nossos pais para constituir uma nova familia, sem esquemas e concursos, mas apenas tornar o jogo da habitação acessível ao panorama salarial português.

Esqueceram-se que, para arrendar uma casa em 2022, é preciso um grande investimento inicial: só para pagar a entrada e a renda exorbitante são precisos vários salários de investimento, declaração de IRS, três recibos de vencimento, fiadores… Por brincadeira com amigos até costumo dizer que falta pedir um rim de caução. Ora vejamos, numa época em que se dá cada vez mais valor ao bem estar físico e psicológico dos cidadãos, faz sentido canalizar o rendimento disponível (claro aquele que não fica cativo no Terreiro do Paço para engordar o Estado) apenas em habitação, não contando ainda com alimentação e restantes despesas? Aqui, onde ficaria a cultura e o lazer, o enriquecimento e desenvolvimento pessoal, cujo investimento iria retornar à economia nacional em diversos setores?

A verdade é que, infelizmente, Portugal é cada vez menos acessível para os portugueses.

A verdade é que de nada serve o dinheiro investido em eventos como as Jornadas Mundiais da Juventude ou a Web Summit ou a atração de nómadas digitais, quando os jovens portugueses são sim nómadas no seu país, nas suas cidades, sempre de malas às costas de quarto em quarto.

Dito isto, a quem achar por bem ler este relato, é preciso por os olhos nas medidas tomadas Europa fora nesta matéria e adotar urgentemente medidas de apoio a jovens trabalhadores. Deixemos os esquemas, programas e concursos que ao invés de ajudar ainda complicam e tornam o processo de encontrar casa mais frustrante. É preciso lembrar os governantes que apoiar a geração mais preparada de sempre é criar uma geração resiliente e que dê de facto um enorme contributo para a revitalização da economia e, acima de tudo, da sociedade. De nada nos serve ter uma geração de precários que, apesar de ter emprego pleno, não consegue viver de forma autónoma. Que apesar de contribuir com impostos brutais não retira proveito nenhum dessa contribuição. Que no fundo, foi esquecida.

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