1. O primeiro elefante na sala de que se tem falado pouco são as dívidas (pública e privada). Não há dúvidas que a situação está melhor agora do que há três anos atrás, o peso do elefante diminuiu, mas continua gordo. A perturbação política em Itália, com consequências no mercado da dívida italiano, vai ser o grande problema deste Outono. Os políticos Salvini e Di Maio, ambos vice primeiro-ministros de Itália no governo de coligação (Liga Norte e 5 Estrelas) estão numa competição pós-eleitoral das suas promessas populistas. Já acordaram um défice (2,4% do PIB) muito maior não apenas do que a Comissão queria, como, a efectivar-se, ao que asseguraria a estabilidade do peso da sua enorme dívida pública. O recente ministro das finanças italiano (Giovanni Tria), um moderado, já está cansado das pressões políticas e ameaça sair do governo. Não me admiraria que já tenha pedido a demissão e que este seja o primeiro e último orçamento que vai realizar. Portugal não ficará completamente imune à turbulência italiana que se antecipa.

Há, porém, outro elefante na sala – a dívida com pensões – em que o debate nacional é inversamente proporcional à inúmera quantidade de estudos que existem sobre o tópico.  Existe uma dívida pública implícita, relativamente quer aos atuais pensionistas quer aos trabalhadores no ativo que fizeram descontos para a sua reforma (accrued to date liabilities (1)). A razão porque em Portugal e noutros países pouco se fala nesta questão é que não existem agências de rating que imediatamente respondam a alterações, subtis, complexas e de longo prazo, nas responsabilidades públicas com pensões. E quando se fala, é da pior maneira, com uma retórica política extremada, em que uns defendem a insustentatibilidade do sistema e a necessidade da sua reforma urgente para evitar o colapso, e outros consideram que tudo está bem e que os primeiros querem alterar o sistema ou para dar cabo do Estado social, ou para beneficiar fundos de pensões, de investimento, seguradoras ou bancos. Debater com razoabilidade este tema é aceitar os factos e a evolução histórica, fazer um bom diagnóstico da situação atual, ter projeções o mais realistas possíveis sobre cenários futuros e simular o impacto de diferentes medidas de política. Isto exige acesso a microdados anonimizados de contribuintes algo que em Portugal não se consegue  obter, mas em Espanha consegue-se!

2. Acerca do passado e do presente, há inúmeras publicações quer da OCDE da Comissão Europeia ou de entidades nacionais com dados sobre Portugal no contexto internacional. Para os que não perceberam ainda o problema que temos em mãos, alguns indicadores. A esperança média de vida aos 65 anos nos países da OCDE cresceu desde 1975 cerca de 5 anos, e em Portugal cresceu 6 anos e é hoje de cerca de 20 anos. Isto significa que as contribuições médias até hoje (de trabalhadores e entidades patronais) associadas a carreiras contributivas que hoje completam 40 anos de descontos e atingem a idade de reforma, não permitem financiar as responsabilidades do Estado de pagamentos de pensões a esses contribuintes por mais 20 anos. Portugal é dos países da OCDE dos que menos cresceu a taxa de emprego dos trabalhadores idosos (de 55 a 65 anos ). Na realidade essa taxa quase estagnou. Em contrapartida na Alemanha ela aumentou mais de 30 pontos percentuais! Portugal é dos países em que a proporção do rendimento dos idosos (+65) em relação aos rendimentos totais é maior, em contrapartida é dos países em que é maior o nível de privação material dos idosos (não conseguem aceder a pelo menos 3, de 9 itens, considerados indicadores de bem-estar individual). Em 1975 existiam 6 pessoas em idade ativa por idoso, e em 2016 apenas 3,1. Isto são factos. As projeções actuais (Ageing Report 2018) para o futuro é a de que esse rácio baixará para aproximadamente os 1,5 ativo por idoso (dado que +65 já não é nem será a idade de reforma) em 2070. As projeções dependem de variáveis que pouco controlamos (fluxos migratórios), de outras que podemos influenciar (taxas de fecundidade) e de outras que podemos prever de forma mais exacta (esperança de vida). O facto de serem projeções não devem levar a ignorá-las pois revelam tendências muito claras para Portugal não apenas em termos absolutos, mas sobretudo relativos. E a tendência, clara no atual modelo de pay as you go, é que existem cada vez menos ativos a financiar (pay) os que actualmente recebem pessoas (go). Claro que este, e muitos outros  dados e projeções não permitem retirar nem conclusões catastrofistas sobre o sistema, nem acreditar que podemos não fazer ajustamentos no sistema que aliás já estão a ser feitos. Sem querer entrar aqui no debate sobre o modelo de financiamento (e o mix óptimo na complementaridade do 1º “pilar” público de repartição, com o 2º e 3º pilares) são claras as tendências e as variáveis que podem e estão a ser utilizadas nas políticas publicas de pensões em quase todos os países. Aumento da idade de reforma, redução dos benefícios (rácio da primeira pensão pelo último salário), aumento das contribuições sociais, diversificação das fontes de financiamento do sistema (impostos). O problema é que os instrumentos de política afetam de forma diversa as gerações adultas presentes que votam, por um lado, e as mais novas e gerações futuras que não votam, por outro. Mesmo com algum altruísmo intergeracional (as gerações presentes a retirar benefício do bem-estar das gerações futuras), o enviesamento político vai no sentido de beneficiar as presentes. É preciso tornar claro que qualquer beneficio dado parcialmente às gerações presentes, não considerando o impacto macroeconómico das medidas, vai diminuir o beneficio dos jovens e das gerações futuras.

3. Estamos em vésperas de apresentação do Orçamento de Estado. Como tem sido referido pelo governo, só as medidas tomadas de 2016 a 2018, e o impacto do crescimento económico, através da fórmula de cálculo, na atualização das pensões tem já um impacto nas contas públicas de 2019 e anos seguintes no sentido do aumento da despesa. Só este efeito automático já fará aumentar a pensão da esmagadora maioria dos pensionistas. Não sou favorável a aumentos discricionários das pensões pois isso significaria simultaneamente um efeito negativo nas gerações futuras e na satisfação de outras necessidades do presente (saúde e investimento público). Porém, a serem politicamente inevitáveis, deveria ser estimado o seu impacto futuro e ser direcionados para os idosos mais carenciados.

(1) Há vários conceitos de dívida implícita e de sustentabilidade dos sistemas de pensões desenvolvidos empolicy papers 11, 12 e 13do Instituto de Politicas Públicas (IPP). Também aí se clarificam as limitações das abordagens das “esquerdas” e das “direitas” sobre o tema. A temática “What pensions can we hope for?” foi abordada numa conferencia no ISEG, no passado dia 28 de Setembro, organizada pelo IPP e a APFIPP. Os slides dos oradores estrangeiros estarão em breve disponíveis aqui.

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