Pertenço ao grupo dos Velhos, pomposamente, nestes tempos, chamados de “idosos”.
Pertenço àquela faixa etária que no Portugal do passado era respeitada pela sua sabedoria e experiência ganha ao longo dos anos, desde as aldeias remotas até aos bairros mais humildes das cidades.
Pertenço àqueles que viram partir os “jovens” para a guerra colonial com o coração apertado.
Pertenço àqueles que choraram os mortos dessa guerra que durou 13 anos, mas que não matou mais do que em menos de um ano têm morrido neste pobre Portugal.
Pertenço àqueles que viveram o 25 de Abril, com “o povo em armas”, ouvindo Saraiva de Carvalho gritar que metia os fascistas no Campo Pequeno para os liquidar, afinal, tão fascistas como ele, que durante anos serviu com servilismo o grande fascista Spínola, na Guiné-Bissau.
Pertenço àqueles que, com filhos pequenos, ouviam entre o espanto e o medo os discursos agressivos e ameaçadores de Vasco Gonçalves.
Pertenço àqueles a quem era imposto dar nas suas aulas os discursos de Fidel Castro e até de Samora Machel, o enfermeiro que se tornou presidente dum enorme país (Moçambique) onde a guerra não parou e onde, ainda hoje, morre o povo de fome e sem cuidados mínimos de saúde.
Pertenço àqueles que numa noite ouviram na TV a notícia da privatização da banca, mas numa TV diferente e que não aterrorizava com a repetição de temas até à exaustão. Aquilo a que assistimos neste momento é uma comunicação social com mais canais, mas silenciada em muitos domínios, vendida a um poder político completamente perdido (sabemos como os dinheiros são distribuídos), num desnorte e numa destruição total do país, das suas gentes e tradições.
Pertenço à geração que acolheu, sem pestanejar, os dois milhões de desalojados das colónias. Os ironicamente chamados “retornados”, que, sem bens e desesperados, retornavam para onde nunca tinham estado. Foram tempos difíceis, mas Portugal não se afundou com os milhões de humanos. Antes, acolheu-os e integrou-os. Ainda tinha ao seu leme gente de cabeça. Se fosse agora?
Pertenço, neste momento, aos idosos tratados como mercadoria descartável.
Pertenço ao grupo de portugueses que ouvem e veem um Primeiro-Ministro mentir, mentir sorrindo e rodear-se cada vez mais de incompetentes, ignorantes e analfabetos (não se é só analfabeto quando não se sabe soletrar palavras escritas).
Pertenço aos que, silenciados pela comunicação social, comprada, como já referi e repito, a bom preço, nada podem fazer nem ouvir a não ser a repetição constante das desgraças do SNS, que há muito já estava de rastos.
Pertenço ao grupo de pessoas que ficam boquiabertas ao ouvir as afirmações irresponsáveis e, por vezes, assustadoras de vários ministros. O discurso de Marta Temido, “criticar é criminoso”; a loucura e a irresponsabilidade do ministro Cabrita; as mentiras descaradas da ministra da Justiça (Justiça!); a incompetência e autoritarismo do ministro da Educação, fechando o ensino sem nada para oferecer aos milhares de alunos que encerrou em casa, chamando-lhe férias, proibindo o que não podia: o ensino à distância nos estabelecimentos privados, procurando nivelar por baixo, atendendo à impreparação e caos do ensino público. Mais grave ainda quando com o “guarda-chuva” do Primeiro-Ministro afirmou que jamais proibira o ensino à distância no privado.
Pertenço àqueles que em 1974/75 temeram, mas nunca perderam a esperança, porque sabiam que atrás do desvario do povo havia homens e mulheres sérios, honestos, cultos, em quem podíamos confiar. E a confiança teve a sua prova quando o País tomou um rumo e teve capitães ao leme: Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Lourdes Pintasilgo, Hernâni Lopes, António Barreto e tantos outros homens de bem, cultos e, acima de tudo, honestos. E agora? Um bando sem formação moral, cultura ou dignidade tomou conta deste pobre Portugal.
Pertenço ao grupo de idosos que assistiram à criação do Expresso por Balsemão e Marcelo Rebelo de Sousa. Lemos as primeiras crónicas de Marcelo, algumas acutilantes e certeiras, ouvimo-lo atentamente semana após semana, ano após ano, como comentador e acreditámos que um dia tomaria as rédeas do país.
Pertenço ao grupo que acredita na sua honestidade, cultura e formação, mas, neste momento, já não sabemos ou compreendemos o que o manieta, o que o cala e o pára.
Pertenço ao grupo, infelizmente já reduzido, que se interroga porque não ajuda o Presidente a nossa geração a desaparecer com dignidade e não esquecida e aterrorizada. Mas a nossa interrogação é mais profunda se também o Presidente, com uma votação maciça, vai ser engolido por este bando incompetente, pouco sério e manipulador.
Pertenço ao grupo daqueles que ouviram o Presidente dizer que a ministra da Saúde lhe mentiu quanto às vacinas da gripe, mas que viu tudo ficar na mesma. Se as da gripe nos faziam falta, o que dizer destas, usadas e perdidas ao desbarato.
Pertenço ao grupo que está estupefacto com a maneira altiva como a ministra da Saúde e o Primeiro-Ministro aceitam, mas não agradecem, a ajuda alemã, a quem pediram auxílio em surdina. Mas para que seja completa a farsa, os médicos alemães vão para o Hospital da Luz, um desses incríveis privados.
Depois de tudo isto, já não sei onde pertenço.