Esta semana, a Google publicou a habitual lista dos tópicos mais procurados no ano que termina. Estes exercícios, que deveriam ser de memória, costumam, na verdade, ser óptimos para nos informar em primeira mão de tudo o que andámos a perder um ano inteiro. Uma espécie de última hora das últimas, vá, 8760 horas. Como aquelas pessoas que não víamos há 20 quilos e a quem perguntamos “então, e novidades?” ou “o que é que tens feito?”, esperando que nos resumam toda a existência a duas frases entre um gole de café e uma trinca num palmier. Afinal, o que se passou no mundo enquanto eu estava ocupado a tentar pagar a renda, arranjar aquela avaria no carro, acudir aos 932 pedidos urgentes do chefe, mudar a fralda aos putos, lidar com a ansiedade, lidar com a ansiedade provocada pelo custo das consultas para tratar a ansiedade, a ver programas de comentário sobre contratações que o meu clube afinal não vai fazer e entretido com o reality show Costa-Marcelo “Faz de Conta que isto é um País”?
Na retrospectiva de 2023, descobrimos que os portugueses procuraram mais por “Oppenheimer”, “Barbie” e “Rabo de Peixe” do que por “Morangos com Açúcar” e “Big Brother”, o que não desconforta de todo o coração. Que perguntaram “o que é o Hamas?”, “o que é o ChatGPT?” e “O que é lítio?” – #quemnunca? Que, no plano internacional, o Papa Francisco e os seus problemas de saúde bateram Shakira e os seus problemas com o fisco e que o seleccionador nacional Roberto Martinez perde por pouco para o Dalai Lama (à atenção da Federação em futuras janelas de mercado). Na categoria dos atletas, procurou-se por Enzo Fernández, João Moutinho e Arthur Cabral, que é como quem diz, um que se foi, um que não chegou a vir e outro que já tinha vindo, mas só chegou agora. Mas é na dimensão “manual de instruções” do célebre motor de busca, isto é, no tópico das perguntas “como”, que mais se sente o pulsar de um país real. “Como se chamam os habitantes da Guarda?” é a surpreendente pergunta mais feita este ano. “Como fazer fogo?”, a segunda inquietação. “Como saber se vou receber os 600 euros?”, a última do top5.
E, porém, é quando saltamos para a retrospectiva global dos temas mais googlados este ano por esse mundo azul afora que outra sensação emerge. Certo que, no capítulo “notícias”, se procurou, sobretudo, pela guerra Israel-Hamas, submarino Titan e terramoto da Turquia; que ainda reconhecemos quase todos os museus, parques e estádios procurados nos mapas. Mas algo se deve concluir do momento em que, de todas as listas de personalidades – músicos, actores, atletas – a categoria onde reconhecemos mais nomes passa a ser a dos óbitos. Em que não fazemos ideia de quem seja a pessoa mais pesquisada do ano (Damar Hamlin, anyone?), passam-nos ao lado três em cada cinco filmes, séries e jogos mais vistos e jogados, e descobrimos que não conseguiríamos trautear uma só das canções mais ouvidas, nem que a nossa vida dependesse disso (aqui ficam, caso se esteja a perguntar: “Try that in a Small Town”, Jason Aldean; “Bzrp (juro, não fui eu que adormeci no teclado) Music Sessions, Vol. 53” (e uma pessoa que ainda não ouviu nenhum dos 52 anteriores), Shakira and Bizarrap; “Unholy”, Sam Smith and Kim Petras; e “Cupid”, FIFTY FIFTY (assim, em caixa alta. Não é o cronista que não tem maneiras). O top é liderado por uma canção de uma banda/pessoa chamada Yoasobi (que, pessoalmente, estávamos convencidos ser um tipo de noodle mais fininho que o udon), escrito no que supomos ser chinês, mas que quase bloqueia o Word e ameaça pôr a computador a activar ogivas nucleares no Pacífico de cada vez que tentamos copiar e colar neste ficheiro.
Isto, caro leitor, não quer dizer que o mundo está a ficar cada vez mais global; quer dizer que estou a ficar velho (não você. Você está impecável).
Ora, houve um tempo em que isto nos poderia apoquentar, era preciso estar a par, em sintonia, acompanhar todas as tendências. Agora, começa a trazer paz. Que maravilha. Já quase não procuramos nada do que os outros andam à procura. Não queremos saber. Claro que poderíamos, agora mesmo, googlar esses tópicos tão populares que nos ultrapassam, mas para quê? (Além de que só lhes aumentaríamos ainda mais os números, que é fenómeno que os há-de fazer disparar ainda mais exponencialmente a seguir à publicação das listas) Temos tantos livros não populares ainda na estante por ler. Tanto lugar que não vem na lista dos mais trendy aonde ir pedir um croquete.
Em 2023, acresce o pormenor de o Google ter feito 25 anos e publicado um vídeo com os mais procurados neste quarto de século que mudou o mundo. Está lá Cristiano Ronaldo como atleta mais procurado, ao lado de coisas como o Pokémon, a girls band, o emoji e o jogador de cricket.
Crescemos a querer descobrir o mundo, envelhecemos a tentar aturá-lo. No próximo quarto de século, suspeitamos, as pesquisas irão mudar de forma ainda mais drástica. Haverá a lista das personalidades (humanas) mais procuradas numa lógica de “discriminação positiva”, o bot que mais facilmente elegeríamos primeiro-ministro e a personalidade histórica mais votada para voltar à vida no corpo de um andróide ou parceiro sexual. Na categoria “o que…”, há-de perguntar-se o que é o silêncio? O amor? A empatia?
E então, o cronista e mais uns quantos cínicos sentidos escreverão, ditando para o enfermeiro-robô, “como desaparecer completamente”, antes de ele pôr a tocar, por erro saboroso, a canção dos Radiohead do velhinho ano 2000.