A heroína da extraordinária novela Maria Moisés, escrita por Camilo Castelo Branco (1825-1890), apareceu no Tâmega dentro de uma cesta.  Um cónego que estava a jogar às cartas quando vieram dar parte do sucedido observou que a circunstância parecia “um caso bíblico,” e o paralelo bíblico explica que lhe tenham chamado Maria Moisés; como Moisés, Maria foi encontrada à beira-rio. Mas ao contrário da história do Moisés original a novela coloca reiteradamente certas perguntas: será Maria quem as pessoas dizem que é?   E qual será de facto o seu nome?   As perguntas entretêm e afligem várias personagens, embora quem esteja a ler o livro já saiba as respostas desde o princípio.

Os romances e as novelas não servem quase nunca para dar informações a quem os está a ler, mas sobretudo para mostrar que algumas pessoas que por lá andam não têm toda a informação que gostariam de ter. As perguntas gerais sobre pessoas interessam os filósofos, mas as respostas que a ficção dá não têm nada a ver com filosofia.  Interessa-nos na ficção saber que pessoa é concretamente aquela, e qual é o seu nome, e não adianta nada se as pessoas são quem dizem que são ou têm os nomes que deviam.  Maria Moisés é uma das chamadas Novelas do Minho; o Minho é para Camilo uma espécie de parque jurássico onde sobrevivem comunidades dispersas atarefadas por trabalhos genealógicos.

Camilo foi o escritor português a quem a genealogia mais interessou.   As respostas às perguntas sobre quem uma pessoa é são caracteristicamente dadas na sua obra através da indicação do nome dos pais e dos parentes dessa pessoa.   A genealogia não é necessariamente ficção, mas é parecida com a ficção: é um modo de curiosidade sobre coisas particulares.  O pai de Maria Moisés, diz-nos, não estava destinado a “infelizes senhoras de raça mista.”  Foi-lhe prometida pelo contrário uma noiva de uma família com um nome conhecido, “mas dos bons.”   O itálico mostra que Camilo nunca hesita em sugerir distinções genealógicas de pormenor, mesmo a respeito de pessoas que não existiram.

A importância da genealogia para Camilo é no entanto inseparável da ideia de que em matérias de amor o conhecimento dos pormenores é de pouco uso.  O pai de Maria Moisés encontrara a sua futura mãe quando passeava sozinho pelo campo.  Eram ambos “peles-vermelhas no rigor antropológico.”  O encontro foi prefaciado por um aviso: no campo, “as serras têm sombras do infinito. O coração aí é maior que as dimensões do peito. O homem como se vê só, no cabeço de um fragoedo, dá-se grandeza extraordinária.”   Camilo acha no fundo que há paisagens que nos levam a pensar que não temos antepassados, e que por isso nos inclinam à auto-estima e ao amor.  No campo, como diz, somos “antigos actores da vida animal”; fomos todos, como Moisés, encontrados no Tâmega.

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