O forte impacto da crise da Covid-19 na pobreza em Portugal veio relembrar a importância de políticas de pobreza eficazes. A nível mundial, o século XXI trouxe três mudanças fundamentais nestas políticas: foco nas causas, complementaridades e impacto. Estas mudanças fizeram toda a diferença.

Em primeiro lugar, o foco nas causas (não nos sintomas) tornou-se essencial. Dada a sua complexidade, não é possível tirar as pessoas da pobreza de helicóptero. Políticas que fomentam o crescimento económico e políticas que garantem a igualdade de oportunidades (e.g. saúde, educação) reduzem a pobreza ex ante. Por outro lado, as políticas redistributivas (rendimento de inserção, taxas sociais), tentam ex post mitigar os sintomas da pobreza. Encarar as causas envolve uma combinação sinérgica destes três tipos de políticas.

Em segundo lugar, e dentro das políticas ex post, é crítico complementar apoios ao rendimento com outros programas sociais (e.g. formação profissional para pessoas de menores qualificações, intermediação, soft skills, literacia financeira, programas de empreendedorismo) de modo a garantir que se combate o caráter persistente da pobreza. No fundo, é essencial ter “redes de proteção” que sejam, simultaneamente, uma assistência e um trampolim para a prosperidade.

Por último, é fundamental garantir o impacto dos projetos e a medição dos seus resultados. Não medir apenas o número de pessoas apoiadas, mas antes o número de pessoas que melhoraram a sua condição de vida por causa do programa. Isto é particularmente importante porque o sucesso não é garantido—a nível mundial cerca de 80% dos programas sociais não atingem os seus objetivos. Mas só avaliando e mudando se consegue melhorar. Avaliando, quebrou-se o mito de que o microcrédito seria a panaceia para o desenvolvimento—os devedores empregavam maioritariamente este crédito no consumo, trabalhando horas extra depois para cumprir com a maturação da dívida. Atualmente, mais do que nunca, temos as ferramentas e os dados necessários para realizar este tipo de estudos e para melhorar os programas com base nos resultados.

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Conseguir melhores resultados implica muitas vezes mudar de foco—por exemplo, da quantidade para a qualidade. Esta mudança chegou aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM): o objetivo para a educação entre 2000 e 2015 era garantir que todos os rapazes e raparigas terminavam o ciclo completo de ensino primário. No entanto, constatou-se que, embora o número de matrículas tivesse aumentado massivamente, indicadores como aprendizagem e abandono escolar mantiveram-se estagnados. Assim, entre 2015 e 2030 o objetivo passou a ser “a percentagem de crianças em escolas de qualidade” e “melhorias na aprendizagem”.

Em Portugal, a percentagem da população empregada que vive com rendimentos inferiores ao limiar de risco de pobreza é o dobro da registada na Finlândia e na República Checa. Portugal está entre os cinco países da União Europeia com maior risco de pobreza entre trabalhadores. Fatores como a falta de crescimento e o tipo de empregos criados, e uma economia, e respetivo sistema de segurança social, duais entre relações de trabalho antigas e estáveis e as novas largamente instáveis explicam em grande medida esta pobreza. A crise atual foi precedida por 20 anos de estagnação de rendimento, com um crescimento anual médio dos salários reais negativo (-0.2%), e de progresso limitado na redução da pobreza entre os mais jovens em Portugal. Uma situação particularmente preocupante, porque este fenómeno não parece ser transitório: 72% da população pobre em 2018 era pobre em, pelo menos, dois dos três anos anteriores.

Este cenário contrasta com o que se observou para o mundo: 2015 viu diminuir para metade a taxa de pobreza de 1990 (que era de 35%). Este valor não tem qualquer tipo de precedente na história da humanidade: a redução da pobreza foi o maior sucesso da nossa geração.

Se o mundo conseguiu reduzir significativamente a pobreza, nós também somos capazes, mas é importante reconhecermos quando temos de mudar de paradigma. Por mais dinheiro que gastemos a construir um avião, ele nunca vai chegar à lua se o que é preciso é um foguetão.