A decisão recente do governo de avançar para a construção do novo aeroporto de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete, concelho de Benavente, encerra um longo processo técnico, jurídico e político que teve início há várias décadas, atravessou governos, formou e dissolveu grupos de trabalho e comissões técnicas, moveu polémicas entre os operadores, os partidos políticos e os municípios da região. Para alguns chegou-se finalmente a uma conclusão definitiva, para outros os pressupostos da decisão estão já errados ou serão errados quando o conjunto das infraestruturas de mobilidade no qual se insere o aeroporto de Alcochete estiver pronta.

Penso que a dificuldade de uma decisão até hoje não decorreu da falta de firmeza dos governos ou das insuficiências dos estudos técnicos. Acompanhei alguns destes processos e em todos eles foi claro que nenhuma solução alternativa se destacava sobre as outras, e que o que umas tinham a mais de capacidade de expansão, tinham a menos nos elevados custos associados, ou na dificuldade de inserção na rede de transportes. Em muitos casos o esperado impacto ambiental ou os riscos geológicos afiguravam-se elevados, mas a realização de comparações credíveis entre valores ambientais e sociais impedia na realidade uma decisão que se pudesse considerar objetiva e clara. Pode mesmo dizer-se que a decisão por omissão que foi até hoje tomada pelos portugueses foi a de manter o Aeroporto na Portela.

O último grupo de trabalho que recebeu a designação um pouco pomposa de “comissão técnica independente” apesar de utilizar uma metodologia aparentemente mais sofisticada, e de reunir técnicos com grande valor, não trouxe nada de essencialmente novo para a decisão. Favoreceu nas suas escolhas a escalabilidade, apontando para valores muito elevados de movimentos, a criação de uma oportunidade para outras obras consideradas fundamentais para a cidade como a terceira travessia, e considerou como totalmente inviável uma outra opção de localização situada a norte da capital que já tinha sido selecionada como a melhor, também por peritos de reconhecida competência.

Não existem comissões técnicas independentes. A melhor aproximação que se consegue de independência na determinação de políticas públicas ainda é a de realizar os estudos por organizações desenhadas para esse fim, neste caso o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, atuando este como “negociador honesto” do conhecimento científico e como mediador dos objetivos regionais ou nacionais. A existência de um processo construtivo de uma decisão, por mais sofisticado que seja, não assegura que ela é a melhor, já que muitos dos critérios de ordenação de alternativas dependem de fatores que não são técnicos, mas políticos.

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A opção escolhida obriga a um conjunto grande de investimentos. Este governo, como todos, deve ter a inteira liberdade de decidir sobre os investimentos públicos, ainda por cima tendo esta decisão um apoio político muito alargado. Contudo, a responsabilidade perante os portugueses obriga à clarificação sobre o esforço que lhes vai ser pedido. Sem subtilezas, sem habilidades contabilísticas e sem criatividade financeira. Precisamos de ter a certeza de que ainda não esquecemos a discussão do excesso de autoestradas e do impacto que a dívida externa tem nas finanças do país e na vida dos portugueses. Que não esquecemos a necessidade de serem conhecidos todos os custos antes de se decidir, porque um país não se pode dirigir apenas por atos de vontade. Que é possível ter ambição nos objetivos e ao mesmo tempo rigor no planeamento financeiro.

Provavelmente existirá já um plano integrado que considere todos os custos e a sua distribuição no tempo: Aeroporto em Alcochete incluindo eventuais compensações ambientais, expansão do atual aeroporto durante o período de construção, descomissionamento da Portela, acessos rodoferroviários incluindo a ligação à rede de TGV e a nova ponte Chelas-Barreiro. Este plano não pode ficar restrito aos gabinetes e deve ser conhecido por todos. É importante refletir sobre a necessidade de o investimento previsto fomentar a economia de que os portugueses precisam, que expanda o emprego mais qualificado e mais bem pago, que é em última análise o fator determinante para a atração da geração mais qualificada de sempre, e que se ultrapasse o paradigma “cada vez mais turismo” onde o país parece mergulhado.

E por favor esqueçam a ideia de que existem “envelopes diferentes” dos quais virão os recursos necessários para cada uma daquelas despesas. Os envelopes podem ser muitos, mas os recursos saem sempre, de uma forma ou de outra, dos mesmos bolsos.