O investimento europeu em projetos de investigação em diversas áreas do conhecimento é significativo. O Horizon Europe, por exemplo, um dos atuais programas-chave da União Europeia, conta com um fundo de investimento em pesquisa e inovação de mais de 95 mil milhões de euros até 2027 e financia projetos que incluem instituições e comunidades em diversas partes do mundo.
Felizmente, há muito tempo que parece haver um consenso de que os procedimentos éticos em pesquisas que envolvem alguma intervenção com pessoas (e não só) sejam cada vez mais rigorosos. As instituições relacionadas à pesquisa estão mais exigentes no que diz respeito, por exemplo, ao cumprimento de diretrizes de equidade de género, bem como em garantir que os projetos financiados possam demonstrar real impacto para além de publicações de resultados entre a comunidade científica.
Ainda que todos os procedimentos éticos sejam cumpridos e os vieses minimizados, na grande maioria dos projetos de investigação que têm uma componente interventiva, os participantes, a “amostra”, não têm um papel ativo na construção da intervenção, sendo apenas os que a “recebem”. Os investigadores responsáveis pelo projeto são os que geralmente tomam a maioria das decisões – certamente baseadas em evidência científica – do que será implementado na população em questão. Seja um programa para aumentar a prática de atividade física de pessoas idosas ou para a adesão a um protocolo nutricional, uma intervenção para prevenir comportamentos de vício em jovens, um programa de formação para professores ou ainda uma intervenção que testa alterações no ambiente físico de um bairro – isto só como alguns exemplos.
No entanto, outro tipo de abordagem metodológica tem se tornado mais cada vez mais comum para este tipo de intervenção. A metodologia participativa (participatory research), ao contrário das abordagens convencionais, busca estabelecer uma colaboração mais equitativa entre os investigadores e os participantes do estudo, trazendo o envolvimento direto das perspetivas locais no processo. Este método é especialmente relevante quando aborda questões sociais complexas e que envolvem múltiplos sistemas e faz parte de um tipo de pesquisa centrada na comunidade, que reconhece que estas são detentoras de conhecimento valioso e experiências únicas, fundamentais para o entendimento completo de um problema e para o desenvolvimento de soluções eficazes. É uma mudança de paradigma em relação aos participantes, que deixam de ser vistos apenas como “objetos de estudo” e passam a ser ativamente parte do processo de pesquisa.
Além disso, a metodologia participativa não apenas muda a dinâmica entre investigadores e participantes, mas também desafia estruturas de poder mais amplas. Alguns académicos a consideram uma metodologia de caráter decolonial, pois enfrenta o legado de desigualdades historicamente enraizadas, transformando as estruturas de poder e hierarquia e promovendo a autodeterminação dos envolvidos. Isso é particularmente importante em contextos onde a pesquisa tradicional muitas vezes perpetuou estigmas e estereótipos prejudiciais. Em populações em contexto social vulnerável, a inclusão ativa dessas vozes muitas vezes negligenciadas torna-se não apenas uma questão ética, mas também uma estratégia essencial para a criação de intervenções culturalmente sensíveis e socialmente relevantes – e com mais impacto.
A transformação de participantes em co-criadores e até co-autores destaca uma mudança relevante na conceção da pesquisa, reconhecendo que a validade e a riqueza do conhecimento não estão limitadas aos especialistas académicos. Um exemplo interessante é a inclusão de adolescentes como co-autores em artigos científicos, promovendo não apenas uma visão mais inclusiva da pesquisa, mas também capacitando os jovens do estudo a participarem ativamente na criação de narrativas sobre as suas próprias experiências, além de os colocarem no centro da produção de conhecimento.
Nesta metodologia, o processo é tão importante quando o resultado. Além disso, não apenas os participantes principais da intervenção podem ter espaço. Outros intervenientes locais também podem, e devem, participar de forma ativa. Em muitos projetos, as autarquias, organizações não governamentais, líderes comunitários, escolas, famílias e outras instituições assumem parcerias fundamentais com as unidades de investigação, para garantir que a intervenção tenha relevância e impacto para a comunidade em questão.
Tudo isso reforça as possibilidades da “ciência de implementação” (implementation science), um campo que procura diminuir o abismo entre a evidência científica e a sua aplicação prática. Ao incluir diversas pessoas e instituições no processo de pesquisa, aumentam as chances de que a evidência produzida possa ser posteriormente implementada em maior escala e/ou de forma prolongada.
É verdade que o processo de desenvolvimento desse tipo de metodologia geralmente exige mais tempo do que uma abordagem tradicional, visto que cada etapa depende da organização entre múltiplos agentes e a tomada de decisão, quando em conjunto, pode tornar-se mais demorada. Além disso, as soluções desenvolvidas com uma comunidade podem não ser replicáveis em outra, visto que as características podem variar. No entanto, parece ser um investimento que vale a pena.
Uma análise de 131 estudos que usaram alguma metodologia participativa para intervenções na área da saúde com foco em populações em contexto de vulnerabilidade (somente em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) revelou que, independentemente do nível e tipo de participação comunitária no processo da intervenção, os seus efeitos foram positivos, especialmente nos indicadores relacionados a comportamentos de prevenção de doenças, e que, no geral, tiveram bons resultados na perceção de autoeficácia dos participantes.
Segundo o espectro de participação de Vaughn & Jacquez, há cinco níveis progressivos de participação em pesquisas, que dizem respeito principalmente aos processos de tomada de decisão. Os níveis de participação vão desde “informar” a comunidade, passando por “consultar”, “envolver”, “colaborar” e “empoderar”. É comum que num projeto participativo haja níveis diferentes para cada etapa do processo, porém é cada vez mais frequente que as intervenções invistam em níveis mais ativos de participação.
Por fim, a metodologia participativa não apenas enriquece a pesquisa com perspetivas diversas, mas também fortalece os laços entre academia e comunidade, estabelecendo uma base sólida para a construção conjunta de soluções eficazes e sustentáveis.
Maria Fernanda Souza é doutoranda em Desporto e Educação Física na Universidade Lusófona, onde colabora com o Centro de Investigação em Desporto, Educação Física, Exercício e Saúde. Integra a equipa de um projeto de investigação internacional, “YoPA” (Youth-centred Participatory Action). Foi co-fundadora dos Global Shapers em São Luís, no Brasil, e assumiu cargos de liderança na ONG global AIESEC durante quatro anos. É Alumni da Teach For Portugal e do programa americano Young Leaders of the Americas Initiative.
O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.