“O que entendem por empatia?” – perguntei. Um breve silêncio.
“É ajudar os outros, ser amigo dos outros…” – disse o M, com alguma dúvida.
“É colocar-se no lugar do outro!” – afirmou a L.

Essa palavra, que tem estado cada vez mais presente no nosso vocabulário, pode ser interpretada de muitas formas, mas o facto é que desenvolver empatia é mesmo importante.

Um estudo divulgado na Forbes mostrou a empatia como a competência número um de uma boa liderança, capaz de construir equipas mais inovadoras e motivadas. Qualquer pessoa hoje facilmente concordaria que um(a) líder que não age com empatia não está preparado para as mudanças no mundo do trabalho. O LinkedIn está repleto de anedotas sobre isso, que viralizam diariamente – quem nunca leu uma publicação sobre o chefe bonzinho que ofereceu mais “mental health days” para a sua equipa?

Com suas ressalvas, algumas são até bons exemplos de como colocar a empatia em prática numa organização.

Nas relações interpessoais também temos tido mais consciência sobre a importância de aprender a compreender o lugar do outro – agir com mais empatia afinal ajuda-nos a conectar melhor com os demais.

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No entanto, essa tendência não parece confirmar-se nas práticas de todas as instituições de ensino básico. Sendo fundamental para qualquer processo de aprendizagem, a empatia deve ser uma das bases da pedagogia. Mas, afinal, o que significa, na prática, promover a empatia no dia-a-dia das escolas? Como é que se materializa algo que parece ser tão abstrato?

Da mesma forma que numa organização a empatia concretiza-se a partir da cultura organizacional, acredito que as respostas para aquelas perguntas estão também na cultura de sala de aula e na gestão escolar. Algumas práticas podem promover um ambiente de aprendizagem verdadeiramente empático, como:

  • “Imersão” no contexto: novos professores chegam a cada ano nas escolas. Criar uma espécie de “imersão” na comunidade na qual vão lecionar, em parceria com organizações comunitárias, famílias e líderes locais pode gerar uma aproximação entre os educadores e a comunidade a que servem, o que é extremamente relevante para uma educação mais empática e eficaz. A colaboração escola-família apenas beneficia a experiência de aprendizagem dos alunos. Na prática, isto pode concretizar-se com uma série de atividades culturais, dinámicas de equipa, eventos e momentos de convívio com diversas pessoas da comunidade, para compreender a sua história e realidade, seja antes do início das aulas, por exemplo, ou ao longo do ano letivo.
  • Aulas planeadas para todos os alunos: a diferenciação pedagógica é empática porque respeita cada aluno na sua individualidade e no seu ritmo de aprendizagem. Não existe, na prática, um aluno “médio”. Cada um tem talentos e dificuldades específicas e, ao mesmo tempo em que é complicado organizar atividades extremamente personalizadas, é mais do que possível criar aulas tendo em conta a diferenciação, para garantir que todos os alunos estão, de facto, a aprender – e estimular a aprendizagem autónoma. Um exemplo são as atividades/exercícios por níveis, em que cada aluno pode escolher, de acordo ao que já percebeu sobre o tema, a atividade que pode realizar para consolidar aquela matéria e estar mais confortável antes de passar à seguinte.
  • Relações menos verticais e comunicação não-violenta: enquanto é importante para o funcionamento da estrutura escolar, a hierarquia professor-aluno da forma que existe na maioria das escolas também deve ser objeto de reflexão. Tal verticalidade inclusive não beneficia os adultos, que têm pouco espaço para demonstrar as suas vulnerabilidades e carregam todo o peso do processo de aprendizagem. Construir uma relação em que todos são igualmente responsáveis pela aprendizagem de todos desenvolve uma série de competências e estimula a empatia. Além disso, as escolas devem formar os seus educadores para aplicar técnicas de comunicação não-violenta para a mediação de conflitos e promoção do diálogo, assim como contratar técnicos especializados nessas práticas. Isso poderia reduzir os efeitos de uma cultura de punição e promover maior responsabilização.
  • Criar um espaço livre para todas as emoções: sentir raiva é tão normal quanto sentir alegria, mas ainda costuma-se reprimir crianças e adolescentes quando demonstram sentimentos considerados “menos positivos”. Ensinar inteligência emocional e autorregulação é fundamental, mas começa também pelo exemplo: não há empatia sem o acolhimento de todas as emoções e isso vale para miúdos e graúdos. Na prática, significa criar espaços frequentes de partilha, utilizar ferramentas de autorregulação e introduzir rotinas de consciência corporal, respiração e expressão de emoções, entre outras.
  • Estímulo constante à entreajuda: a escola ainda pode ser um lugar onde estimula-se a competição e o individualismo. Se, por um lado, um nível saudável de competição é estimulante, por outro lado, para desenvolver mais empatia é preciso promover uma cultura de colaboração. Criar oportunidades para o apoio entre pares, construir projetos de turma, reconhecer e até premiar comportamentos colaborativos e modelar a colaboração entre professores e com a comunidade educativa são boas (e simples) iniciativas.
  • Uma avaliação potenciadora: um aluno que, por razões que vão para além do seu esforço académico, continua a obter um “insuficiente” ou “suficiente”, tem a sua autoestima extremamente afetada, o que influencia a sua autoconfiança e motivação para continuar a aprender. Para os alunos que com pouco esforço obtêm boas notas, a mensagem é a de que não é preciso uma dedicação para além disso. Na prática, pode ser um desafio estrutural transformar o modelo avaliativo em Portugal, apesar de haver evidência global de que outros métodos podem funcionar, mas algumas práticas simples e empáticas podem ser facilmente adotadas, como a valorização do processo e do esforço de cada aluno, para além do resultado final (o que se aprendeu, como se comportou, o quanto aproximou-se do objetivo em comparação com a avaliação anterior), ou, para os alunos do segundo exemplo, a definição de objetivos de aprendizagem mais ambiciosos, que promova uma cultura de gosto pela aprendizagem contínua através do desafio. A definição em conjunto de “metas” para cada conteúdo e a autoavaliação constante também são aliadas nesse processo.

Nenhuma dessas práticas é “inovadora” – são utilizadas por milhares de educadores e instituições de ensino que contribuem para o desenvolvimento do máximo potencial de cada aluno. Ainda assim, apesar de parecerem óbvias, não são de todo uma realidade no ambiente escolar, no geral.

Educar é (também) sobre empatia – não se pode separar uma coisa da outra. E modelar a empatia num contexto de ensino exige uma transformação na comunicação, na gestão de conflitos, na cultura de sala de aula e na visão para cada aluno. Que todos nós, educadores e educadoras, possamos construir espaços de aprendizagem mais empáticos para uma educação de qualidade e com valor humano.

Maria Fernanda Santos Souza é mentora pedagógica na Teach For Portugal. Brasileira, mestra em Educação e Literacia Física, foi co-fundadora dos Global Shapers em São Luís, no Brasil, e assumiu cargos de liderança na ONG global AIESEC durante quatro anos. É Alumni do programa de empreendedores do governo dos Estados Unidos, YoungLeadersoftheAmericasInitiative. Já viveu em três países e considera-se uma cidadã global.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.