Desculpem-me por voltar a este assunto! Mas são cada vez mais as mães que me interpelam, em pânico, por causa da relação dos seus filhos com os videojogos. São mães sensatas e atentas. Envolvidas e participativas em todos os momentos da vida dos seus filhos. Equilibradas na forma como se relacionam com eles e os educam com as regras que entendem indispensáveis para eles. Etc. Por outras palavras, mães semelhantes aos bons pais que todos tentamos ser, em todos os momentos. Estamos, portanto, a falar de pessoas que podíamos ser nós! E de adolescentes que poderiam ser os nossos filhos. Talvez por isso nunca seja demais falarmos deste assunto.

Os videojogos ajudam a estar-se atento, a discorrer, a elaborar sínteses e a decidir, em tempo real. Tornam o aprender divertido, colorido e  intuitivo. Dão-lhe movimento e interactividade. Transformam-no numa experiência audiovisual. E casam muito bem o raciocínio lógico, a abstração e a forma como se discorre, desde a formulação dum problema até à sua resolução. Estabelecem desafios. E apelam à atenção, à memória e à concentração. Tudo isto se eles forem consumidos com moderação. Se, pelo contrário, a percentagem de tempo que os nossos filhos lhes dediquem for num crescendo “torrencial”, todas as qualidades dos videojogos ficam comprometidas. E em vez deles serem factores de crescimento e no lugar de os estimularem, acabam por contribuir para que percam qualidades cognitivas e para que se desequilibrem.

Por outro lado, mesmo quando eles são consumidos com moderação, muito raramente os videojogos mobilizam a palavra ou o percurso que vai da sensibilidade ao afecto e daí ao pensamento simbólico e à metáfora. E, também, à desconstrução do que se pensa, de forma espontânea. E à sua tradução em conclusões simples e ao insight. Ou, se preferirem, a sínteses esclarecedoras com que se chega à luz, à compreensão e à mudança. A matemática permite a abstracção e a perspectiva. Já a palavra é uma outra matemática das coisas sem a qual a memória e o desejo se desligam. E a experiência deixa de trazer a sensibilidade com que se lê a realidade e com que se retiram todos os apelos com que se chega à beleza, à tranquilidade e ao pensar. A matemática sem a palavra adoece. A palavra à margem da matemática enovela e enreda. A matemática abre para se dar pulos na resolução de problemas a que se chega com a técnica, por exemplo. A palavra é, ao mesmo tempo, um estabilizador do humor, um ansiolítico e um antidepressivo. O instrumento com que se pensa. Mas não deixa de ser elucidativo que por cada livro comprado em Portugal se vendam quase três embalagens de psicofármacos. Estamos todos, portanto, muito aquém da palavra como instrumento de saúde mental. E os adolescentes também.

É claro que poderíamos sempre perguntar se a escola os prepara para que a matemática se aplique à vida. Ou se dá argumentos para que da palavra se vá até à fluência verbal, à literacia ou à sintaxe. E a resposta seria, duas vezes, não. Mas deixemos isso para outra análise. Seja como for, quanto mais próximos do audio-visual eles forem, menos, tendencialmente, amigos da palavra correm o risco de ser. Quanto mais consumidos pelo videojogo, menos amigos da saúde mental eles se tornam.

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É claro que é inevitável que os nossos filhos descubram, mais tarde ou mais cedo, os videojogos. Muitas vezes, através dos telemóveis dos pais. Das consolas que lhes damos. Ou dos computadores pessoais com que aprendem. E é compreensível que, com um manuseamento muito precoce desses instrumentos – e convivendo, quase desde sempre, com uma adequação àquilo que as novas tecnologias lhes pedem – que os nossos filhos, desde muito pequeninos, pareçam nascer competentes para as novas tecnologias. E para os desafios que elas lhes colocam.

Só que duma aprendizagem quase acidental dos videojogos eles saltam, de forma abrupta, para alguns jogos que, porque são graficamente muito apelativos e porque lhes colocam desafios cognitivos complexos e sempre crescentes, os “agarram” e viciam. E levam a que, progressivamente, eles aproveitem todos os minutos para jogar. Evitando sair com os pais. Fugindo de estudar, claro. Encontrando justificações desconcertantes para sairem mais cedo do convívio com os amigos ou das festas de família. Sempre num crescendo que faz com que, muito rapidamente, ao fim de semana, passem 6, 7 ou 8 horas por dia a jogar. Sem que consigam parar. E reagindo, amiúde, quando perdem, de forma impulsiva, intempestiva e “descontrolada”. Ou – quando os pais, finalmente, decidem “interditar” essa sua relação já doentia com o jogo – com atitudes de ultraje, com olhares e actos de enorme violência. E com palavras que, com frequência, excedem tudo aquilo que seria razoável esperar e de aceitar da parte deles.

Dir-me-ão que os pais comparticipam na forma como estes adolescentes se viciam nos videojogos. E é verdade; sim. Só que é facílimo sermos “engolidos” por esta vertigem avassaladora. Porque ela se vai instalando devagarinho, debaixo dos nossos olhos. Insidiosamente. E, claro, com a nossa complacência. Só que, mal nos damos conta, os fins de semana são ocupados pelos videojogos. Todos os bocadinhos parecem pedir videojogos. E, perdidos e achados, estamos a falar (demais!!) de videojogos. Com os nossos filhos a conviver com os amigos através do chat de um videojogo. E, sempre que se zangam um bocadinho com a escola – e a exemplo doutros adolescentes, que seguem nas redes sociais (e que parecem ganhar imenso dinheiro com os videojogos) – a confabular que também eles poderão ser jogadores profissionais de Fortnite ou de outro jogo qualquer. Saltando, depois, dos videojogos para o Poker e para os jogos de azar. Indo numa deriva diante da qual (são adolescentes!!) têm uma dificuldade imensa de se regularem, de se disciplinarem ou, simplesmente, de parar.

Muitas vezes, quando acordamos para o problema já ele está instalado. E assumiu proporções difíceis de estancar. A par da forma absurda como lhes exigimos que trabalhem, as redes sociais e os videojogos são os maiores facilitadores dos défices de atenção e das perturbações de concentração e do comportamento dos nossos filhos. Daí que seja urgente que os pais previnam o crescendo desta relação doentia com os videojogos. Que estraga os adolescentes! E os afasta do equilíbrio e da saúde mental.

Os pais precisam de ser um bocadinho rígidos nas regras que entendam estabelecer, desde o princípio, para a utilização dos videojogos. Atrasando, dentro do que entendam razoável, a relação que os filhos tenham com eles. Nunca os deixando ir além de 20 a 30 minutos para a sua utilização. De preferência, ao fim de semana. Se possível, depois dos 6. E se, ao fim de semana, eles chegarem a 60 ou a 120 minutos de videojogos, teremos atingido um patamar de onde se não deve passar

Mas sempre que reconheçam uma relação de vício que os filhos tenham com os videojogos, é bom que não percam de vista que desse comportamento de adição se pode, perigosamente, escorregar para outro.

Não se esqueçam pf que, quando mais videojogos, mais sedentários, menos amigos da actividade física, da rua, do convívio e da palavra eles se tornam. E que, em nome do mesmo rigor com que planeamos a sua alimentação ou pensamos a sua educação, a firmeza serena dos pais é indispensável na relação com os videojogos. E, a bem da verdade, urgente! Os videojogos, consumidos sem moderação, contribuem para perturbar a adolescência, para comprometer o equilíbrio e para fazer com que o crescimento saudável dos nossos filhos se torne escorregadio e perigoso.